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Geral

- Publicada em 26 de Agosto de 2018 às 22:39

'Reconhecer a dor causada dói mais do que ser punido', diz Pranis

Pesquisadora Kay Pranis explica vantagens de metologia para mediar conflitos adotada em escolas gaúchas

Pesquisadora Kay Pranis explica vantagens de metologia para mediar conflitos adotada em escolas gaúchas


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Isabella Sander
Em fase de implantação nas escolas estaduais gaúchas, o processo circular se baseia em ferramentas já aplicadas pelo Judiciário, através da Justiça Restaurativa, para lidar com conflitos. O método é simples: criam-se círculos de pessoas, nos quais todos têm espaço para ouvir e serem ouvidos, e as decisões são tomadas por consenso, sem imposições. A pesquisadora norte-americana Kay Pranis, especialista no processo, explica, em entrevista exclusiva ao Jornal do Comércio, quais as principais vantagens no uso da metodologia. Para Kay, trata-se de uma mudança de paradigma que faz com que as pessoas ouçam umas às outras e, em vez de receberem punições, reconheçam a dor que causaram no próximo. 
Em fase de implantação nas escolas estaduais gaúchas, o processo circular se baseia em ferramentas já aplicadas pelo Judiciário, através da Justiça Restaurativa, para lidar com conflitos. O método é simples: criam-se círculos de pessoas, nos quais todos têm espaço para ouvir e serem ouvidos, e as decisões são tomadas por consenso, sem imposições. A pesquisadora norte-americana Kay Pranis, especialista no processo, explica, em entrevista exclusiva ao Jornal do Comércio, quais as principais vantagens no uso da metodologia. Para Kay, trata-se de uma mudança de paradigma que faz com que as pessoas ouçam umas às outras e, em vez de receberem punições, reconheçam a dor que causaram no próximo. 
Jornal do Comércio - Quais os resultados do uso do processo circular?
Kay Pranis - O impacto que temos visto é que muda a vida das pessoas. As pessoas se percebem crescendo pessoalmente ao dar suporte aos outros, e descobrem um estilo de vida mais feliz e satisfatório. Em grande parte, o que está se criando é um sentimento de esperança em um mundo que, hoje, é muito desencorajador. Descobrimos que quem usa os círculos começa a sentir esperança na humanidade, porque os círculos trazem o melhor de que cada um é capaz naquele momento. A pessoa vê que é possível superar conflitos difíceis e escolher o próximo passo, que não necessariamente tornará tudo perfeito, mas que será positivo. Esse espaço cria um sentido na vida e uma sensação de pertencimento, em uma sociedade que está faminta por isso, então há uma resposta apaixonada das pessoas. Nos Estados Unidos, escolas que usam os círculos têm tido redução de encaminhamentos de alunos para a sala do diretor, menos tempo desperdiçado pelo professor com o comportamento da turma e melhorias no espírito coletivo. Quando se usa o círculo sistematicamente, da forma que for, vemos essas melhorias no comportamento e na qualidade das relações das pessoas que trabalham juntas.
JC - Em quais tipos de comunidades é mais importante adotar os círculos?
Kay - Os lugares mais importantes para se usar os círculos são as comunidades mais desempoderadas e oprimidas, que têm menos voz, menos controle de suas vidas, aquelas nas quais é mais difícil estar no círculo. Mas o processo é o mesmo em todos os lugares, pois envolve a busca pelo menos na natureza humana, que é a mesma em todos os lugares. É um processo fundamental que não muda muito de lugar para lugar ou nas suas diferentes aplicações.
JC - Como os professores podem lidar com seu medo de alguns estudantes em sociedade violentas?
Kay - O uso dos círculos em escolas é mais efetivo se você começa a utilizá-los não em situações mais críticas de violência, mas sim para prevenir situações. São círculos que ajudam as pessoas a se conhecerem melhor, saber com o que cada uma se importa, quais seus interesses na vida, com o que elas estão lidando. Assim, as pessoas ouvem as histórias umas das outras e descobrem pontos em comum que não conheciam, e isso rompe a distância social que permite a violência. Nós só conseguimos agredir alguém se o desumanizamos em algum nível, porque o ser humano tem uma relutância natural em ferir alguém que considera igual a si mesmo. Então, as pessoas criam essa distância que torna aceitável machucar alguém. Em uma escola, você faz esses círculos para romper a distância social. Você ainda terá conflitos e momentos nos quais as pessoas perdem o controle e agridem alguém, mas aí elas saberão que aquele é um lugar seguro para falar sobre o que aconteceu. Há um conceito importante que elas captam, de não sentir medo da sua própria história. O círculo é um processo no qual todos nós temos a oportunidade de compartilhar nossas histórias e sermos profundamente ouvidos pelos outros, o que nos valida como seres humanos. Grande parte da violência que acontece no mundo ocorre por pessoas que estão revidando, porque foram feridas, desvalorizadas e invalidadas como seres humanos. Quando ouvimos sua história, o medo e o ódio se esvaem, porque vemos nós mesmos no outro, e, quando isso acontece, não conseguimos mais machucar aquela pessoa.
JC - E esse processo não é doloroso?
Kay - Não, na verdade é o oposto. É um processo que traz às pessoas um sentimento de satisfação e sentido à vida, e cria espaços nos quais elas se sentem aceitas. Se você causa dor a alguém e reconhece isso, é doloroso. É mais doloroso do que uma punição inferida por alguém, porque quando alguém impõe uma punição a você, você pode escolher se ver como uma vítima, porque alguém está infligindo dor. Mas se está em um processo no qual o importante não é impor uma punição, e sim reconhecer e compreender o sofrimento que você causou, isso é doloroso, porque a natureza humana é não querer machucar o outro. Não seria tão doloroso se nós não nos importássemos, mas mesmo pessoas que aparentam não se importar, quando machucam alguém, continuam tendendo a negar que machucaram, e isso nos mostra que, por trás da aparência de não se importar, elas na verdade se importam. Elas não querem se ver como alguém que fere outra pessoa, por isso é muito doloroso reconhecer cada dor causada no outro e repará-la, ouvir as demandas, mas é uma dor com a qual podemos crescer. A dor que sentimos quando alguém nos pune não é uma dor que produz crescimento. Geralmente, produz o oposto: isolamento, autoproteção e constrói barreiras entre nós e as outras pessoas.
JC - Por que é mais importante trabalhar com círculos com crianças?
Kay - O processo circular, para mim, representa uma grande mudança de paradigma em relação a como nós entendemos o ser humano e sua natureza, e um aspecto disso é a ideia de que tudo é tão profundamente conectado que é impossível desconectar. Uma implicação disso é que eu não consigo me beneficiar por muito tempo de uma situação que agrida outra pessoa. Essa não é uma crença predominante na cultura dominante, então isso requer uma mudança em alguns dos nossos valores. É sempre mais fácil mudar uma cultura através das crianças do que dos adultos, porque crianças ainda não estão totalmente socializadas em suas crenças, e é mais viável trazer à tona a partir delas o entendimento de como viver juntos e fazer com que as sociedades modernas prestem atenção às necessidades individuais. Os círculos são lugares nos quais podemos equilibrar a individualidade, a vulnerabilidade e as necessidades de cada um com a sua compreensão sobre o que nos conecta e as necessidades do coletivo.
JC - Como o processo circular está funcionando no Brasil?
Kay - Estou encantada com o progresso que vocês têm feito no Brasil. A primeira vez que eu estive aqui foi em 2010, e, pelo que pude ver, me parece que o uso dos círculos está crescendo mais rápido do que nos Estados Unidos, e o Brasil pode realmente se tornar um líder mundial na incorporação dos círculos na vida das comunidades.
 
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