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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 14 de Agosto de 2025 às 19:27

Agressividade despertada

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Hélio Nascimento
As cenas iniciais de Filhos, de Gustav Moller, colocam o espectador diante de um mundo que trata transgressores de forma civilizada, através de ritual que mostra uma sociedade no exercício de uma ação que vê a vida humana digna de respeito, longe de vinganças irracionais que apenas servem para aumentar a intensidade da barbárie. O ritual registrado nos planos que abrem a narrativa mostra uma organização exemplar que define um mundo que se livrou de agressões, mas que não age de maneira a transformá-lo também num agressor. É, sem dúvida, difícil evitar comparações que esse prólogo sugere, até porque não é intenção do cineasta participar de qualquer forma de exaltação. Na verdade, o que o diretor e também um dos autores do roteiro, escrito em parceria com Emyl Nyagaard Albertsen, pretende é revelar, de forma desprovida de encômios, as complexidades e as dificuldades para manter em movimento regras disciplinadoras destinadas a manter o equilíbrio na luta para manter uma sociedade em harmonia durante processo em constante transformação. O cenário no qual transcorrem as primeiras cenas não deixa de definir a prisão, através das imagens das grades, das portas rigorosamente fechada, dos uniformes. Mas há um relacionamento entre os personagens que de certa forma parece dizer que em tal cenário todos são prisioneiros.
As cenas iniciais de Filhos, de Gustav Moller, colocam o espectador diante de um mundo que trata transgressores de forma civilizada, através de ritual que mostra uma sociedade no exercício de uma ação que vê a vida humana digna de respeito, longe de vinganças irracionais que apenas servem para aumentar a intensidade da barbárie. O ritual registrado nos planos que abrem a narrativa mostra uma organização exemplar que define um mundo que se livrou de agressões, mas que não age de maneira a transformá-lo também num agressor. É, sem dúvida, difícil evitar comparações que esse prólogo sugere, até porque não é intenção do cineasta participar de qualquer forma de exaltação. Na verdade, o que o diretor e também um dos autores do roteiro, escrito em parceria com Emyl Nyagaard Albertsen, pretende é revelar, de forma desprovida de encômios, as complexidades e as dificuldades para manter em movimento regras disciplinadoras destinadas a manter o equilíbrio na luta para manter uma sociedade em harmonia durante processo em constante transformação. O cenário no qual transcorrem as primeiras cenas não deixa de definir a prisão, através das imagens das grades, das portas rigorosamente fechada, dos uniformes. Mas há um relacionamento entre os personagens que de certa forma parece dizer que em tal cenário todos são prisioneiros.
Entre os agentes responsáveis pela administração da prisão encontra-se uma funcionária que faz questão de cumprimentar cada detido como se fosse um igual. Mais tarde, quando ela não está mais no setor, surge a notícia de que um dos presos havia cometido suicídio. Para o realizador do filme, revelar a identidade do morto não é importante. O que importa realmente é que tal acontecimento revela um traço essencial da personalidade da protagonista, que praticamente sem palavras durante todo o filme revela uma dor profunda, que não dá origem a qualquer forma de agressividade. Isso até o momento em que a chegada de um novo prisioneiro, destinado à ala dos que oferecem perigo, a faz pedir transferência para o local. É o início do despertar da agressividade até então contida. A figura do novo prisioneiro não deixa dúvida do que ele representa. É só prestar atenção aos detalhes. Ele revela, no próprio corpo, a agressividade que as roupas da civilização escondem. É ele que, sem o desejar, deflagra um processo que termina substituindo a figura maternal por uma portadora de uma violência que por diversos meios se revela.
A causa de tal violência, aos poucos revelada, evidencia que um comportamento humanista pode não resistir ao ataque do irracional, quando está em jogo um penoso acontecimento anterior. A vingança se manifesta de várias maneiras. Começa com a supressão de cigarros e termina de forma fisicamente agressiva. Ela vai aumentando de intensidade até o encontro com a outra mãe. Esta sequência termina revelando um passado, como se uma cena teatral se desenrolasse diante da mãe-carcereira. Eis uma forma de voltar no tempo sem utilizar alterações no cenário e no presente. O gesto desrespeitoso e violento do filho revela algo antes oculto. É em tal momento que o filme revela inteiramente as causas de tudo que havia antes focalizado. O filho morto parece renascer; e o prisioneiro ao se deparar com a verdade foge desesperadamente, tentando escapar do castigo. Não por acaso, Moller enquadra as duas mães no mesmo plano, quando da visita permitida pelos regulamentos. Eis um filme que foge do otimismo rasteiro e das facilidades que desejos de harmonia e paz ditados pelo desconhecimento costumam gerar.
Filhos é mais um filme a escapar de normas impostas por aqueles que pretendem transformar as telas em imagens edulcoradas destinadas a impor falsas e ilusórias harmonias. Filmes como o de Moller ocupam o espaço daqueles criadores inconformados com os rumos atualmente percorridos pelos disciplinados por uma ordem desconfortável diante de críticas e observações que ousam procurar causas em vez de destacar apenas os efeitos mais visíveis.

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