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Opinião Econômica

Publicada em 14 de Agosto de 2025 às 19:23

BPC tem regras ruins, e o Supremo pode piorá-las

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Agências
Cecilia Machado, economista-chefe do Banco BoCom BBM e professora do departamento de economia da PUC-Rio
Cecilia Machado, economista-chefe do Banco BoCom BBM e professora do departamento de economia da PUC-Rio

Entre os itens do Orçamento de maior crescimento, está o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que concede um salário mínimo para idosos com 65 anos e pessoas com deficiência em situação de pobreza. Neste espaço, venho argumentando que esse é um programa de baixo custo-efetividade, que deveria, ao contrário, ter seu escopo reduzido.
De forma breve, o BPC relega as crianças do Bolsa Família a uma situação de pobreza menos importante, já que transfere mais para o idoso ou deficiente, mesmo quando os investimentos nas crianças trazem retornos duradouros. Além disso, as regras geram inúmeras distorções e incentivam fraudes.
O BPC para o idoso pobre estimula a informalidade, já que é possível receber um salário mínimo aos 65 anos sem nenhuma contribuição à seguridade social. O valor do benefício —equiparado ao salário mínimo que é pago para quem trabalha— faz com que muitos busquem recebê-lo mesmo quando não se qualificam para ele, conforme auditoria do TCU.
Ainda assim, uma nova expansão do BPC encontra-se em discussão no STF, que considera incluir mulheres pobres que são vítimas de violência entre os beneficiários. Na decisão de Flávio Dino, há entendimento de que a vítima deve ter direito ao benefício do INSS, seja ele previdenciário, seja assistencial, conforme vínculo com a seguridade social. Para as não seguradas, Dino defende o recebimento do BPC.
Não há dúvida de que a violência doméstica seja um problema perverso. Por mais que direcionar recursos para as vítimas possa ser importante, atrelar o benefício ao mínimo, dando a ele características previdenciárias ou assistenciais, não é prescrição óbvia.
No país onde o número de beneficiários do seguro-defeso é cerca de quatro vezes maior que o de pescadores artesanais, onde idosos têm aposentadorias descontadas em folha sem consentimento, os incentivos para que as mulheres pobres pleiteiem um benefício que é muito mais generoso que os demais oferecidos na rede de proteção social ficam dados.
Vale lembrar que uma mulher vítima de violência doméstica passaria a receber mais que o dobro dos recursos que são direcionados a uma mulher com dois filhos no Bolsa Família. Seguindo por esse caminho, é justo concluir que expandir o BPC para as vítimas de violência torna-se equivalente a indexar o Bolsa Família ao salário mínimo.
Com relação ao pagamento de um benefício que pressupõe o afastamento das vítimas do mercado de trabalho —seja na concessão previdenciária, seja na assistencial via BPC—, estudo recente mostra que essa política pode gerar efeitos contrários ao esperado. Isso porque a perda do emprego e as políticas que protegem a renda, como o seguro-desemprego, afetam a violência doméstica de duas formas. De um lado, o seguro-desemprego reduz a instabilidade financeira da família e os episódios de conflito. De outro, eleva o tempo de permanência em desemprego, gerando maior exposição ao parceiro.
Expandir um programa como o BPC para as vítimas de violência doméstica, sem considerar alternativas de maior custo-efetividade, como as que promovem o acesso das mulheres ao emprego, é um uso ineficiente de recursos públicos, que pode, ao contrário, magnificar o problema que se pretende resolver. Considerando que esse seria também o primeiro passo para indexar toda a rede de proteção social ao mínimo e diluir todas as vantagens que programas focalizados possuem, essa é uma direção que deveria ser evitada no julgamento do STF.

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