O ano de 2022 foi o melhor na carreira de mais de 20 anos de estrada da Fresno. Fundada em Porto Alegre, mas radicada em São Paulo há 15 anos, a banda lotou shows por todo o país, se apresentou em festivais de porte internacional e tem um álbum novo na boca dos fãs. E o encerramento dessa grande fase não poderia ser em maior estilo: a Fresno lotou o Araújo Vianna no último show do ano da turnê Vou Ter Que Me Virar.
O reencontro da banda com o - saudoso - público aconteceu em março deste ano no Lollapalooza Brasil. Reformulada, a Fresno passou a ser oficialmente um trio, com Lucas Silveira (vocal), Gustavo “Vavo” Mantovani (guitarra) e Thiago Guerra (bateria). O show foi marcado pela posição política marcada da banda de rock, em um momento em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) havia proibido críticas ou defesas de candidatos no festival. O vocalista puxou o grito de "Fora, Bolsonaro", enquanto a frase era exibida nos telões durante quase um minuto.
Após o pontapé inicial, a banda aterrissou em Porto Alegre em abril, quando também encheu o Araújo de fãs. No decorrer deste ano, a Fresno rodou o país com shows que atraíram milhares de pessoas e consolidaram o bom momento da banda. No reencontro com o público gaúcho na turnê, a Fresno apresentou um repertório majoritariamente do álbum novo, mas sem deixar de lado os clássicos que conquistaram o público cativo.
Em um palco azul e envoltos em fumaça, a Fresno subiu ao palco do auditório para abrir os trabalhos ao som dos acordes de Essa coisa. Com a mudança da atmosfera para um forte vermelho, tem início Vou Ter Que Me Virar, faixa que dá nome ao nono álbum de estúdio da banda, lançado em 4 de novembro de 2021, e levanta as mais de 4 mil pessoas que compareceram ao show.
A sequência é com a explosiva FUDEU!!!, seguida por Natureza caos, lançada em 2018 como single que seria o embrião do que se tornaria o álbum Sua Alegria Foi Cancelada (2019). Na música, predominam sintetizadores e elementos eletrônicos, sem deixar de lado as guitarras elétricas - características muito marcantes do oitavo álbum de estúdio da banda.

Lucas Silveira interage com o público e conta curiosidades sobre a banda durante o show. Foto: Isabelle Rieger/JC
A próxima da setlist é Manifesto, um feat da Fresno com Emicida e Lenine. A bateria forte é marca da música, e Guerra não deixa nada a desejar nessa parte. "Como é bom estar de volta", diz Lucas ao fim da música. O vocalista também usa o momento do boa noite para apresentar toda a banda - que, além do trio, contou com Michelle Abu na percussão, temos Tom Vicentini no baixo e o gaúcho Lucas Romero nos teclados.
"E no público, nós temos os emos mais véios do Brasil", disse Lucas, arrancando gritos dos fãs. A próxima é Quebre as correntes, do álbum Ciano (2006). "Segue nesse mood assim, tá, segue nesse mood", avisa o vocalista antes de iniciar Cada poça, que contou com ativa participação do público, que seguiu a indicação do cantor para entoar o refrão baixinho e, depois, cantar a plenos pulmões Eu pude ver o sol desaparecer do seu rosto / Dos seus olhos, da sua vida / Eu pude ver o sol desaparecer do seu rosto / Dos seus olhos, da sua vida.
Para apresentar a música da sequência, Lucas conta a história de que, há alguns anos, tinha a teoria de que precisava dar um rolê por Porto Alegre para ouvir todo álbum da Fresno que ficava pronto. "Eu tava com meu walkman desse tamanho [faz sinal de que era muito grande] embaixo do braço e eu saí pra ouvir o álbum. Só que começou a chover, pra variar, e aí eu pensei 'vou ter que caminhar mesmo assim, o que pode ser mais emo do que caminhar na chuva, ouvindo coisas tristes?'. É só mais um dia de chuva, e eu vou pra Redenção, pois amanhã já vou estar em outro lugar, longe pra um caralho daqui", o vocalista introduz os versos de Eu sei.
A canção do álbum Revanche, de 2010, é um dos pontos altos do show, com o público acompanhando do início ao fim e, em especial, por um momento criado pela banda. Lucas comenta que os shows da Fresno são basicamente a mesma coisa sempre e quem faz ser diferente são os fãs - aos quais o vocalista se referia com bastante carinho e palavrões. "A gente cria os momentos foda às vezes, e vocês cantarem esse refrão vai ser um momento foda", pede o vocalista, que é acompanhado pela voz do público.

Banda colocou o Araújo Vianna para aplaudir de pé o espetáculo. Foto: Isabelle Rieger/JC
A sequência é com Já faz tanto tempo, que acompanhada por grande parte do público, mesmo sendo do álbum mais recente. ELES ODEIAM GENTE COMO NÓS segue a noite, com uma letra que fala sobre como enfrentar os desafios da vida e as coisas que nos aterrorizam no cotidiano. A música lembra os velhos tempos da banda, com guitarras muito presentes e vocais marcantes.
"Agora começa a parte sensual do show", diz Lucas antes do início de Cada acidente, que é acompanhada por palmas do público e encerrada com um rápido solo de guitarra. Então, tem início a parte mais intimista do show, na qual Lucas fica sozinho no palco, apenas com seu microfone e guitarra, e toca Agora deixa, Redenção e Porto Alegre.
Em Maré viva, que o vocalista chama de "hino", luzes dos celulares são acesas e o público vê Vavo e Guerra trocarem de função, o guitarrista comandando a percussão, e o baterista, a guitarra. Outro clássico da banda, Diga, Parte 2, do álbum Infinito (2012), é a próxima canção, com os fãs, literalmente, gritando a letra e alguns se emocionando na plateia. Já em Milonga, os emos tiram os pés do chão e entoam os versos dramáticos que costumavam pertencer a Tavares na música.
Surpreendendo a todos, a banda toca alguns versos de Amigo punk, da banda Graforréia Xilarmônica, lançada em 1995, antes mesmo da Fresno existir - e a iniciativa é acompanhada pelo público.
Em tom mais ameno, a próxima é Caminho não tem fim, que tem uma iluminação harmoniosa, com tons laranjas no vocalista e roxos na banda. Considerada uma das melhores composições da Fresno, Quando eu caí dá sequência ao show, exemplificando grande parte das transformações musicais que a banda passou ao longo dos anos.
Sob gritos do público chamando a Fresno de melhor banda do Brasil, Lucas e Vavo, modestos, começam a listar bandas que consideram 'a melhor banda do Brasil' - incluindo Cidadão Quem, Tequila Baby, Comunidade Nin-Jitsu e Papas da Língua. "Muito obrigada de coração a cada um de vocês, que encheram essa casa aqui e encheram nosso coração de alegria. Fizeram a gente terminar esse ano muito mais forte do que a gente começou", agradece o vocalista.
"Às vezes, a gente acha que nada vai dar certo. Às vezes, a gente acha que tá há muito tempo se fodendo. Mas o tempo é uma parada muito foda. O tempo mostra muitas coisas pra gente. Mostra que a gente tá errado às vezes. Mas mostra que, pelo menos no caso dessa banda, a gente sempre teve certo de acreditar nos nossos sonhos, de ter sido uma banda independente por tanto tempo, de nunca ter entrado em hiato, de nunca ter parado", avalia Lucas.
O vocalista atribui essa certeza de nunca ter parado não a mérito da banda, mas dos fãs, que sempre mostraram que a música era feita para pessoas que se importavam e viam significado no trabalho feito. "Não tem como não sair inspirado daqui, não tem como a gente não voltar com um show ainda mais incrível e mais especial para vocês. Vamos tocar agora essa música que simbolizou muito o nosso ano, a nossa fase, esse momento, que é aquela que se chama Casa assombrada", afirma o artista, que é acompanhado pelo público em todos os versos da música.
A escolhida para fechar o show é Revanche, título do quinto álbum da banda, lançado em 2010, encerrando a noite com uma pegada nostálgica e coroando o ano que mostrou que a Fresno sobreviveu ao tempo, sim, por toda sua história, mas também pela constante inovação e por não temer em se posicionar.
Paixão que supera distância

Emo também ama: casal veio de Palmeira das Missões para curtir show na Capital
ISABELLE RIEGER/JC
O casal Carine Zandoná Badke e Alex Stein, e a amiga dos dois Mariana dal Forno, vieram de Palmeira das Missões para assistir ao show da Fresno na Capital. Os 371 quilômetros de distância não foram nada comparados ao amor pela banda.
"O meu primeiro show da Fresno eu saí do Rio Grande do Sul para São Paulo para ver eles e, agora, deu tempo de vir aqui pra Porto Alegre para ver eles. Viemos nós três juntos, que gostamos da Fresno e unimos o útil ao agradável", conta Mariana.
O primeiro show do casal foi o sold out de abril. "A gente sempre quis vir e aí quando deu aquela pausa na pandemia que abriu os shows e eles voltaram, foi o primeiro show que eles fizeram depois do Lollapalooza foi aqui em Porto Alegre e a gente veio. E, agora, estamos encerrando o ano vendo a Fresno em um show lindo e maravilhoso", afirma Carine.
"É como se fosse a primeira vez, a emoção é a mesma sempre", complementa Mariana.