No Brasil, do total de 350 mil denúncias de violência protocoladas em 2020 a partir de denúncias recebidas e analisadas pelos canais oficiais mantidos pelo governo federal, como o Ligue 180 e o Disque 100, 67 envolvem especificamente vítimas identificadas como ciganas. O valor, divulgado no painel da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, representa apenas 0,01% das denúncias, o que sugere uma subnotificação de casos no País.
Dentre os casos denunciados estão casos de constrangimento, ameaça, coação, exposição de risco à saúde, maus-tratos, exposição, agressão e injúria. "Sabemos que os povos ciganos são violentados em diversas hipóteses, mas ainda acessam muito pouco os canais da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos", aponta Fernando César, ouvidor nacional de direitos humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH)
Segundo o painel, a violência contra a pessoa idosa reúne cerca de 30 das 67 denúncias registradas. Em seguida, aparecem violência contra crianças e adolescentes e violência doméstica familiar contra mulheres. A violência contra a pessoa socialmente vulnerável e violação de direitos humanos completam o quadro da Ouvidoria Nacional sobre povos ciganos.
Em território brasileiro, os ciganos só passaram a ter um reconhecimento público mais visível no final da década de 1990, durante as primeiras discussões étnico-raciais no plano nacional de direitos humanos. Mas a agenda passou a ganhar mais impulso a partir de 2003, com a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, com status de ministério. Em 2006, um decreto criou o Dia Nacional do Cigano, celebrado em 24 de maio.
A invisibilidade e a marginalização da comunidade cigana no Brasil são expressas também na falta de dados atualizados. O único dado oficial existente começou a ser coletado em 2011, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) concluiu um levantamento sobre a existência de acampamentos ciganos em 291 municípios de 21 estados.
No entanto, o mapeamento é impreciso, pois só foram contabilizadas as prefeituras que voluntariamente responderam à pesquisa. Além disso, a maioria dos ciganos no país não está mais localizada em acampamentos e muitos já se fixaram em áreas urbanas, constituindo em bairros inteiros onde praticamente só vivem ciganos, já que a cultura de viver em proximidade é muito forte entre eles.
O último levantamento foi feito em 2014. Naquele ano, o instituto registrou a existência de acampamentos ciganos em 22 estados brasileiros. Atualmente, não se sabe ao certo o tamanho dessa população no Brasil nem sua distribuição geográfica. Algumas estimativas apontam que vivem no Brasil de 600 a 800 mil ciganos, mas as comunidades acreditam que o número é muito maior.
"É um povo esquecido. Nós chegamos no Brasil em 1574, então são mais de 400 anos de anonimato. O nosso objetivo é ser reconhecido como brasileiros de origem cigana, porque querendo ou não nós fizemos parte da construção desse país. E o Estado não sabe quem somos, onde estamos e muito menos quanto somos", critica Maura Piemonte, cigana da etnia Calon, a maior no País.
De acordo com ela, que também integra a Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, praticamente 90% do povo Calon é analfabeto. "Gera desemprego, problemas de saúde, dependência, fica o povo ocioso, abandonado à sua própria sorte", completa.
Maura também trabalha para desenvolver políticas específicas para as mulheres ciganas, principalmente para protegê-las de situações de violência. Ela conta que um dos seus maiores objetivos é empoderar a mulher cigana, que é quem mais sofre dentro da barraca. "É muito difícil você estar de madrugada e a polícia invadir seu acampamento, botando fogo, jogando as comidas fora. É doloroso e não temos para onde correr, não adianta um cigano ir para porta da delegacia reclamar, porque ele vai preso", relata.
Ainda de acordo com o painel, 70% das vítimas são do sexo feminino e 49% têm mais de 80 anos. "Se nós fossemos desenhar um perfil hoje da vítima cigana de violação de direitos humanos, ela é uma mulher acima de 80 anos", aponta Fernando César. Já os suspeitos da violência são, em sua grande maioria (66%), pessoas do sexo masculino e, em cerca de 37% dos casos, vizinhos da vítima.