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reportagem cultural

- Publicada em 16 de Setembro de 2021 às 20:17

Bicentenário de Anita Garibaldi resgata sua história com homenagens no Brasil, Itália e Uruguai

Rio Negro, em Aceguá, na Fronteira, local por onde Anita e Garibaldi passaram para o Uruguai

Rio Negro, em Aceguá, na Fronteira, local por onde Anita e Garibaldi passaram para o Uruguai


Arquivo Elma Sant'Ana/Divulgação/JC
Considerada um símbolo da capacidade de luta por ideais e por amor, Anita Garibaldi (1821-1849) está sendo homenageada de diferentes formas no Brasil, Itália e Uruguai durante todo este ano, que marca o bicentenário de seu nascimento. No Rio Grande do Sul, as cerimônias estão concentradas neste mês de setembro, já que a heroína de dois mundos foi figura destacada na Revolução Farroupilha (1835-1845), ao lado do italiano Giuseppe Garibaldi.
Considerada um símbolo da capacidade de luta por ideais e por amor, Anita Garibaldi (1821-1849) está sendo homenageada de diferentes formas no Brasil, Itália e Uruguai durante todo este ano, que marca o bicentenário de seu nascimento. No Rio Grande do Sul, as cerimônias estão concentradas neste mês de setembro, já que a heroína de dois mundos foi figura destacada na Revolução Farroupilha (1835-1845), ao lado do italiano Giuseppe Garibaldi.
São mais de 200 eventos, que vão desde homenagens promovidas pelos governos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, passando por exposições, colóquio internacional, lançamentos de livros, recuperação de quadros, concursos literários, lançamentos de medalha e selo, e o plantio da Rosa de Anita nos municípios por onde a combatente passou (Porto Alegre - na Praça Garibaldi e no Campus Fapa da UniRitter -, Florianópolis, Laguna, Imbituba, Tubarão, Anita Garibaldi, Lages, Curitibanos e Garopaba).
Outra capital que também recebeu uma muda da flor foi Curitiba, como parte das comemorações dos 138 anos da Associação Giuseppe Garibaldi, herói Farroupilha e marido de Anita. A Capital do Paraná teve sua amostra plantada no começo de julho, nos jardins da associação fundada em 1883 para reunir imigrantes italianos na cidade. Hoje, a instituição é considerada Palácio da Cultura Italiana no Paraná. Na Europa, os direitos de reprodução da rosa são do Museo Renzi, que autorizou o Instituto Cultural Anita Garibaldi (CulturAnita), de Laguna (SC), a cloná-la e distribui-la no Brasil e na América do Sul. A ideia, segundo os responsáveis pela organização do Bicentenário, é difundir e promover a história desta destemida mulher.
Segundo a presidente de honra do Instituto Anita Garibaldi e presidente do Bicentenário, Elma Sant'Ana, que é também folclorista e pesquisadora gaúcha, um dos pontos altos ocorreu em Aceguá, na fronteira entre Brasil e Uruguai, no início de setembro, na presença de autoridades dos dois países. "Fizemos uma homenagem e colocamos uma placa perto do Rio Negro, por onde Anita, Giuseppe e o filho passaram para fixar residência em Montevidéu", explica Elma.

1° Pantheon Municipalista do RS foi inaugurado em Guaíba nesta quinta-feira (16)

1° Pantheon Municipalista do RS foi inaugurado em Guaíba nesta quinta-feira (16)


RAFAEL VARELA/SEDAC/DIVULGAÇÃO/JC
Nesta quinta-feira (16), dentro das comemorações da Revolução Farroupilha, ocorreu evento na cidade de Guaíba, onde foi inaugurado o 1° Pantheon Municipalista do Rio Grande do Sul. É a primeira vez que as bandeiras dos 497 municípios do Estado estarão reunidas em um mesmo local. "Uma grande festa pelo aniversário do filho de Anita e Garibaldi, Menotti Garibaldi, que nasceu em Mostardas, em 1840", ressalta a folclorista. A exposição itinerante Caminhos de Anita leva a vida da heroína para vários municípios gaúchos, entre eles Caxias do Sul, São Francisco de Paula e Gramado.
Organizado pela Comissão dos Festejos Farroupilhas e dividido nas categorias público geral e público escolar, o concurso Artístico-Literário Festejos Farroupilhas 2021 vai premiar produções gráficas, como desenhos, e literárias, como contos e poesias, que abordem a temática deste ano, Caminhos de Anita. O resultado do concurso está previsto para o final deste mês.
Em 20 de setembro, uma das datas mais importantes da história do Rio Grande do Sul, será lançada a Medalha Comemorativa Anita Garibaldi esculpida pela Casa da Moeda. O presidente do CulturAnita, Adílcio Cadorin, explica que as medalhas terão de um lado a imagem da heroína e do outro os mapas do Brasil e da Itália, com o desenho da rosa criada especialmente para o Bicentenário. A flor, diz ele, simboliza o projeto "Due mundi una rosa per Anita" - Dois mundos e uma rosa para Anita. As medalhas, diz Cadorin, não são moedas ou cédulas de dinheiro, são produtos criados para marcar eventos históricos e culturais.
O bicentenário também está preocupado com o resgate de obras envolvendo o casal. A obra Fuga de Anita Garibaldi a cavalo (1917-1918), de Darkir Parreiras, foi restaurada pelo Laboratório Aberto de Conservação e Restauração de Bens Culturais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e entregue ao Museu Histórico Farroupilha da cidade de Piratini.
Em Santa Catarina, estado onde nasceu Anita Garibaldi, os eventos se concentraram no mês do nascimento e morte da heroína, em agosto, e uma das principais homenagens é a exposição sobre Anita no Palácio Cruz e Sousa, em Florianópolis, que fica aberta ao público até o final do ano. "Sua história é ainda muito atual e vivenciada por milhões de Anitas", disse o presidente da Fundação Catarinense de Cultura, Edson Lemos. "Ela nos deixa um legado como guerreira e mulher."
Em 30 de agosto, ocorreu a cerimônia de lançamento do selo alusivo aos 200 anos de nascimento de Anita Garibaldi, produzido pelos Correios. A arte é de José Carlos Braga e conta com uma composição de Anita Garibaldi em suas múltiplas facetas: a mulher, a guerreira, a mãe, além de uma rosa, símbolo de Anita. Foram usadas três cores que, em conjunto com a cor do papel, representam o Brasil e a Itália, que a reconhece e a seu companheiro Giuseppe Garibaldi como heróis responsáveis pela unificação daquele país. Anita foi homenageada com selos nos anos de 1967 e 1971.

Os mundos de Anita

Rau com tela de Anita, em 1998, em foto de Olívio Lamas para livro de Markun

Rau com tela de Anita, em 1998, em foto de Olívio Lamas para livro de Markun


/OLÍVIO LAMAS/ACERVO DUDA HAMILTON/DIVULGAÇÃO/JC
O amor entre Anita e Giuseppe Garibaldi nasceu na Revolução Farroupilha, em Laguna, Santa Catarina (SC), resistiu aos combates nos cânions, serras e verdejantes campos do Rio Grande do Sul e abriu caminhos na luta pela liberdade dos povos, como Uruguai e Itália. Bastou pouco mais de um ano para Anita conquistar a Itália e ser reconhecida como heroína.
Ela viveu no século XIX, por apenas 27 anos, lutou em dois mundos - Brasil e Itália -, em defesa dos ideais republicanos, da liberdade dos povos, e é musa inspiradora de pintores, cineastas, historiadores, escritores, jornalistas e apaixonados, como seu maior biógrafo e divulgador, o arquiteto e colecionador Wolfgang Rau. Só ele possuía, antes de morrer, em 2009, em Florianópolis, 1.200 volumes em vários idiomas sobre o casal Garibaldi, 15 quadros da libertária e inúmeras peças que pertenceram à família. Rau tornou Anita mais conhecida no País ao escrever, além do perfil da guerreira, mais seis obras abordando o tema, e serviu como fonte para outros muitos livros de autores brasileiros e italianos (veja box abaixo).
A mulher que se vestia de homem nos momentos de luta, empunhando espadas e garruchas, era uma amazona corajosa, mãe de quatro filhos e "apaixonada, ciumenta e perigosa", segundo Rau. Outros escritores exaltam em suas obras as qualidades desta heroína de dois mundos: doce, lutadora, ousada para o tempo em que viveu, valente, com ideias próprias e aventureira. Ela vivenciou intensamente o amor que vingou na Revolução Farroupilha, em agosto de 1839, na cidade de Laguna, que acabava de ser tomada por terra e por mar e batizada por David Canabarro como República Juliana.
Nasceu Ana Maria de Jesus Ribeiro, em 30 de agosto de 1821, filha de tropeiro e costureira, era a terceira de dez filhos. Aprendeu a cavalgar com seu pai nos Campos de Cima da Serra, em Lages (SC). Em Laguna, por pouco tempo, foi Aninha de Bentão, uma referência a seu pai, e depois somente Aninha, quando aceitou um casamento arranjado meteórico com o sapateiro Manoel Duarte de Aguiar para ajudar a família depois da morte do pai, segundo seus biógrafos. Não existem registros claros sobre a separação de Aninha do sapateiro. Alguns pesquisadores indicam que ele, um homem calado e trabalhador, foi lutar ao lado das forças imperiais e nunca mais voltou. Mas uma pista é encontrada na primeira versão das memórias de Garibaldi, publicada em inglês por Theodore Dwight. Nela, o general se recrimina por ter tirado a jovem de seu lar.
Aninha virou Anita justamente nos braços daquele loiro, de barba, com 1,66m, um conquistador italiano, que chegou à cidade pelo rio Tubarão lutando ao lado dos farroupilhas. Giuseppe Garibaldi estava no convés da Itaparica espiando as casas da barra com sua luneta quando mirou uma jovem. No mesmo dia, se deslocou até a casa de um conhecido e teve uma surpresa ao ver a moça servindo o seu café. Pouco antes de sair, ele agarrou as duas mãos da jovem Aninha e, como conta em suas memórias, disse: "Tu devi esse mia" - tu vais ser minha.
O amor entre os dois foi imediato, fulminante, e durou uma década, entre muitas batalhas e poucos dias de sossego. Entusiasmada pelas ideias democráticas e liberais do novo amor, Anita não desgrudou mais do garboso italiano, seja para viver a bordo de um barco no litoral de Santa Catarina, na fuga de Curitibanos, na travessia de um rio, nos campos gaúchos, nas ruas de Montevidéu ou atravessando a Itália a cavalo. A heroína combateu em terra e mar, criou os quatro filhos que teve com Garibaldi no Uruguai e na Itália, e foi fiel até o fim a esse amor nascido na guerra.
Anita Garibaldi é considerada uma grande personalidade da História. No Brasil, por sua incansável e corajosa luta na Revolução Farroupilha, comandada pelo general Bento Gonçalves, que buscava uma descentralização do estado brasileiro por descontentamento com a política imperial regente. Em favor das causas revolucionárias, a jovem aprendeu a viver em acampamentos, manusear armas de fogo e a lutar com espadas. Mais tarde, outra vez ao lado de Garibaldi, lutou pela unificação da Itália.
A História confirma que Anita foi muito mais do que a mulher de Garibaldi, era uma soldado cheia de estratégias e coragem, como atestam escritores que se debruçaram sobre a sua história. No imaginário popular, Anita é uma heroína apaixonada e sem papas na língua. O jornalista Paulo Markun, em seu livro Anita Garibaldi - Uma heroína brasileira (1999), lembra: "Anita foi capaz de combater por um grande amor e foi uma mulher à frente de seu tempo".
Ivonne Capuano, que escreveu a obra mais volumosa sobre o casal, ressalta suas aventuras de luta ao lado de seu amor, mas contesta o registro de que Anita foi heroína apenas por amor. "O amor facilitou, abriu as portas, mas ela não se expôs a tiros de garrucha apenas por paixão", disse a médica e empresária durante uma entrevista em julho de 1999, na ocasião do lançamento do livro De Sonhos e Utopias... Giuseppe e Anita Garibaldi, com quase mil páginas.
A folclorista gaúcha Elma Sant'Ana, por exemplo, se apaixonou por Anita ao pesquisar para o seu livro A mulher na Guerra dos Farrapos. Ela conta que se fascinou pela figura e começou a estudar a extensa bibliografia de Anita Garibaldi: "Tenho a missão de divulgar nacional e internacionalmente essa mulher, seja ela como mãe, mulher, esposa, mãe e personagem destacada nas lutas nacionalistas".
O escritor e cineasta gaúcho Tabajara Ruas, no romance histórico Varões Assinalados, que trata da Guerra dos Farrapos, também abordou a luta e o amor de Anita e Garibaldi. Para Tabajara Ruas, Anita é a maior heroína brasileira: "Sua vida é uma epopeia verdadeira, que não cabe num livro ou filme ou série. Só cabe no coração dos brasileiros".

Dicas de leitura

Relação de livros sobre trajetória de Anita Garibaldi

Relação de livros sobre trajetória de Anita Garibaldi


/ARTE/JC
  • Anita Garibaldi - O perfil de uma heroína brasileira (1975), de Wolfgang Ludwig Rau
Com mais de 500 páginas, é ainda hoje referência mundial e fonte de informação sobre o tema. Rau dedicou 30 anos de estudos e pesquisas sobre Anita e este livro trouxe uma nova visão da catarinense, revelando seu lado heroína, mãe, dona de casa e guerreira. O arquiteto e pesquisador ainda escreveu As sucessoras de Anita (1987); Vida e morte de José e Anita Garibaldi (1989) e Cronologia de Giuseppe e Anita Garibaldi 1807-1882 (1982).
  • Os Varões Assinalados - O romance da Guerra dos Farrapos (1985), de Tabajara Ruas
No século XIX, no Rio Grande do Sul, os caudilhos Bento Gonçalves da Silva e Antônio de Souza Netto comandaram uma revolução republicana e abolicionista contra o império monárquico. A rebelião durou dez anos, de 1835 a 1845. O livro narra desde as negociações que fracassaram e precipitaram a sangrenta guerra até as batalhas, as marchas, os entreveros, as prisões, as fugas espetaculares, os amores, as paixões, as vitórias, as derrotas e as traições.
  • Anita Garibaldi - Uma heroína brasileira (1999), de Paulo Markun
Biografia com muitas imagens, em que a objetividade da comunicação do jornalista Paulo Markun se alia ao rigor da pesquisa histórica. Na vida da brasileira Anita Garibaldi parece não haver limite entre ficção e realidade. Personalidade indissociável de seu marido - o aventureiro italiano Giuseppe Garibaldi -, Anita foi uma figura cativante de mulher e guerreira.
  • De Sonhos e Utopias... Anita e Giuseppe Garibaldi (1999), de Yvonne Capuano
Narrativa vibrante e apaixonada, enriquecida com imagens significativas, sobre os passos e as lutas heroicas do casal. Ivonne Capuano, que escreveu a obra mais volumosa sobre o casal, com quase mil páginas, ressalta suas aventuras de luta ao lado de seu amor, mas contesta o registro de que Anita foi heroína apenas por paixão.
  • Anita Garibaldi - Guerreira da Liberdade (2003), de Adílcio Cadorin 
O livro narra a vida e a saga desta mulher guerreira, corajosa, independente e libertária que, após lutar na Revolução Farroupilha e conhecer seu grande amor, segue com Garibaldi para a Itália, onde lutou pela unificação do país do marido no Velho Continente.
  • Anita Garibaldi - A estrela da tempestade (2013), de Heloisa Prieto
Dona de uma vasta obra para crianças e jovens (série da editora Rocco), Heloisa Prieto, em linguagem leve e acessível, narra a trajetória de Anita Garibaldi, um dos principais nomes da Revolução Farroupilha.

Os vários retratos da heroína

Pintura de Anita e Giuseppe Garibaldi por Guido Mondim

Pintura de Anita e Giuseppe Garibaldi por Guido Mondim


ACERVO DUDA HAMILTON/DIVULGAÇÃO/JC
Assim como sua biografia, a imagem de Anita é coberta de mistérios e pouca documentação. Ela foi retratada por diferentes artistas plásticos, de diversas formas e em épocas distintas, cada um de acordo com sua visão particular. A mais conhecida e consagrada imagem foi feita pelo artista plástico Gaetano Gallino, na cidade de Montevidéu, no Uruguai, em 1845. É a mais aceita por seus biógrafos e está em quase todas as páginas de livros que tratam de Anita.
Outro pintor, Domenico Induno, também retratou a heroína e sua obra foi considerada por oficiais garibaldinos, que a conheceram, como a mais fiel aos seus traços originais. Mas a fama da heroína foi retratada também pelo italiano Tancredi Scarpetti e pelos brasileiros Guido Mondin, Dakir Parreiras e Walter Zumblick, entre muitos outros.
Foi em Imbituba (SC) que Anita recebeu seu batismo de fogo numa batalha com Frederico Mariath, da marinha imperial, em 1839. A partir deste momento, tomou gosto pelos combates. Ainda em Santa Catarina foi capturada na Batalha de Curitibanos, grávida de seu primeiro filho e informada de que Garibaldi tinha morrido. Fugiu a cavalo, atravessou o rio Canoas e ficou alguns dias sem comer. Seus perseguidores acreditaram que estivesse morta, mas Anita reapareceu em Vacaria (RS), lugar em que reencontrou Garibaldi.
No inverno de 1840, tempos ruins para os farrapos, nasceu, num rancho em Mostardas, no Rio Grande do Sul, o primogênito de Giuseppe e Anita: Domênico Menotti Garibaldi. Os três ficaram pouco tempo ali e, ao lado dos farroupilhas, se dirigiram para São Gabriel. Meses depois, cansado, Garibaldi desistiu das lutas e mudou-se para o Uruguai junto com sua Anita e o filho.
Foi em Montevidéu que a vida de Anita mudou radicalmente. Ela deixou de ser uma guerrilheira para ser mãe e mulher em tempo integral em uma boa casa localizada na Ciudad Vieja. Os dois casaram em 1842 e tiveram mais três filhos: Rosita, que morreu ainda pequena; Ricciotti e Teresita.
O agravamento da política na região fez com que Garibaldi voltasse aos campos de batalha para defender a integridade uruguaia à frente da Legião Italiana. Para livrar sua amada da guerra, mandou-a para a Itália, em 1848, com os três filhos, prometendo que em breve estaria em Nice, onde viviam sua mãe e seus irmãos. 
POSITIVO/DIVULGAÇÃO/JC
Pintura feita por Gaetano Gallino no Uruguai é imagem mais conhecida de Anita. Crédito: POSITIVO/DIVULGAÇÃO/JC

A moreninha de Garibaldi chega à Itália

Jornal O Estado de 1934 registra fala ofensiva de deputado constituinte Arão Rebello, eleito pelo Partido Liberal Catarinense

Jornal O Estado de 1934 registra fala ofensiva de deputado constituinte Arão Rebello, eleito pelo Partido Liberal Catarinense


/Hemeroteca Digital Catarinense/Reprodução/JC
Bastaram apenas um ano e oito meses de lutas em terras italianas para Anita se transformar na única mulher com monumento em Roma. Sua chegada à Itália foi registrada em carta a Garibaldi: "Fui muito festejada pelo povo genovês. Mais de 3 mil pessoas gritavam Viva Garibaldi! Viva a família!". Nos dias seguintes, jornalistas descreviam a chegada da heroína. Ettore Marziali escreveu: "Não era bela, tinha pele escura e traços irregulares, seu rosto estava marcado por varíola. Ninguém podia mirá-la senão com simpatia e admiração". Já Giacomo Lumbroso descreveu a moreninha de Garibaldi assim: "Não era bonita, mas atraente, pele cor de azeitona, olhos e cabelos negros". Escolhido pelo marido para ser seu guardião, Gaetano Maldini caracterizou a lutadora como "morena, linhas interessantes, alta, esbelta, com sardas, olhos negros, cabelos pretos e abundantes, quase sempre presos".
Mais uma vez, ela mostrou personalidade destemida e destreza com armas. Ao lado de Garibaldi, se envolveu, a cavalo, na luta pela unificação da Itália. Em 1849, as tropas foram derrotadas pelos franceses, e o casal saiu em retirada. Anita, doente, se recusou a abandonar o marido, perdeu a guerra e a vida aos 27 anos, grávida do quinto filho. Apesar da batalha perdida, não perderam a luta, já que a Itália foi unificada em 1871 sob o reinado de Victor Manuel II. Garibaldi morreu 33 anos depois de Anita, em 1882, na Ilha de Sardenha, onde foi enterrado. Anita foi sepultada sete vezes, sendo quatro por motivos políticos. Na última vez, em 1932, foi enterrada na presença do ditador Benito Mussolini, sob um enorme monumento na Colina do Gianícolo, em Roma.
Apesar de ser reconhecida como heroína de dois mundos, Anita não é uma unanimidade no Brasil. Alguns, para desqualificá-la, afirmam ainda hoje que ela era apenas uma mulher que largou tudo por Giuseppe. O deputado constituinte Arão Rebello, do Partido Liberal Catarinense, disse que Anita "não passava de uma vagabunda", o que foi registrado pelo jornal O Estado (1934). Ele era contrário à concessão de direitos políticos às mulheres. Adversa a este pensamento, Elma Sant'Ana salienta: "Ao abandonar Laguna e seguir Garibaldi na Revolução Farroupilha Anita carimbou seu passaporte para a História".

Linha do tempo da personagem histórica

Catarinense é única mulher com monumento em Roma, na Colina do Gianícolo

Catarinense é única mulher com monumento em Roma, na Colina do Gianícolo


/ITALIAPERAMORE.COM/REPRODUÇÃO/JC
1821 Nascimento de Ana Maria de Jesus Ribeiro, a Aninha
1835 Casamento de Aninha com o sapateiro Manoel Duarte de Aguiar, na Igreja Santo Antônio dos Anjos, em Laguna (SC)
1835 Início da Revolução Farroupilha
1836-1838 Aninha rejeita o marido, que vai lutar do lado das forças imperiais
1839 Garibaldi naufraga ao Sul do Farol de Santa Marta e abriga-se na Barra da Lagoa do Camacho. No dia 22 de julho, toma Laguna com 40 homens. Sete dias depois, é proclamada a República Juliana. Primeiro encontro entre Garibaldi e Anita.
1840 Anita é capturada em Curitibanos, então distrito de Lages. Em 16 setembro, nasce o primeiro filho, Domênico Menotti, e a casa, em São Luiz de Mostardas, em que vivem Anita e o bebê, é atacada, e eles fogem.
1841 Em abril, Giuseppe e Anita se desligam do exército farroupilha e se mudam para o Uruguai
1842 Eles se casam em Montevidéu, na Igreja São Francisco
1843 Batismo do filho mais velho; nascimento da filha Rosita
1845 Assinatura de paz entre Farrapos e Império. Nascimento, em Montevidéu, da terceira filha, Terezita, e morte de Rosita
1847 Nasce o filho Ricciotti. Em Montevidéu, no fim do ano, Garibaldi manda Anita e os filhos para a Itália.
1848 Anita e seus filhos desembarcam em Gênova e depois seguem para Nice. Passam a viver na casa da sogra, Rosa Raimondi. Em junho, Giuseppe chega à Itália, depois de 10 anos.
1849 Garibaldi proclama a República Romana. Em junho, Anita chega no Quartel General e Garibaldi a recebe dizendo aos companheiros: "Agora temos uma legionária a mais". No dia 2 de julho, Garibaldi, Anita grávida do quinto filho e quase 5 mil legionários iniciam a Retirada de Roma. Com febre e debilitada, Anita morre em 4 de agosto, na fazenda Marquês Guicciolli, em Ravenna. Dias depois, uma criança descobre o cadáver dela.*
1882 Morre Giuseppe Garibaldi, na Ilha de Sardenha, onde foi sepultado.
1998 No Brasil, por mandado judicial, é realizado o registro tardio do nascimento de Ana Maria de Jesus Ribeiro, em 30 de agosto de 1821, na cidade de Laguna (SC)
* Entre os anos de 1849 e 1932, os restos mortais da heroína foram sepultados e exumados por sete vezes, nas cidades de Ravenna, Nice e Gênova. Em 2 de junho de 1932, é concluído o monumento em memória de Anita no Monte Gianícolo, em Roma, e para lá são levados seus restos mortais.

* Nascida em Sant’Ana do Livramento, Duda Hamilton formou-se em Jornalismo em Porto Alegre e vive há 31 anos em Florianópolis. É autora de oito livros, entre eles o finalista do Prêmio Jabuti, 1961: Que as Armas não Falem e O Brasil entre a Ditadura e a Guerra Civil, em parceria com Paulo Markun; Unisul Muito além de um sonho e a biografia Manoel Zaroni: Foco nas Pessoas, Olhos no Futuro, em parceria com Nubia Silveira. Foi ainda pesquisadora de duas obras: Anita Garibaldi – Uma heroína brasileira, de Paulo Markun, e Chatô – O rei do Brasil, de Fernando Morais.