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Construção Civil

- Publicada em 06 de Agosto de 2018 às 01:00

Construção civil em transformação


FREEPIK/DIVULGAÇÃO/JC
As construtoras gaúchas não apresentam mais as características típicas de empresas com berço familiar. A passagem, de forma hereditária, dos cargos de diretoria das incorporadoras, embora ainda presente, não representa mais a unanimidade na área. A modernização tecnológica - que trouxe mudanças pontuais de produção no setor - modificou a forma como se gerencia uma incorporadora.
As construtoras gaúchas não apresentam mais as características típicas de empresas com berço familiar. A passagem, de forma hereditária, dos cargos de diretoria das incorporadoras, embora ainda presente, não representa mais a unanimidade na área. A modernização tecnológica - que trouxe mudanças pontuais de produção no setor - modificou a forma como se gerencia uma incorporadora.
A migração de gestores em empresas consolidadas do ramo também introduziu novos agentes na disputa do mercado imobiliário no Estado: Marcos Colvero, ex-diretor de incorporações Melnick Even, tornou-se sócio na Rotta Ely, e Ricardo Sessegolo, antigo executivo da Cyrela Goldsztein, é sócio - em conjunto com Sérgio Goldsztein - da Wolens Incorporadora. Já Paulo Zago e Ênio Pricladnitzki, antigos diretores da Nex Group, deram início às suas incorporadoras, Up e Wikihaus, respectivamente. Esses exemplos, mesmo apresentando suas justificativas individuais, apontam para um possível novo cenário do mercado de construção em Porto Alegre.
As primeiras mudanças mais significativas desse período giraram em torno das relações econômicas entre grandes construtoras do Sul com empresas de São Paulo. Em 2006, a maior incorporadora do País, a paulista Cyrela, firmou parceria com a gaúcha Goldsztein - que três anos depois viria a ser adquirida na totalidade pela empresa do Sudeste.
Em 2008, no início do boom imobiliário, uma das maiores construtoras gaúchas, a então Melnick Construções e Incorporações, tornou-se Melnick Even, em uma ação de partes iguais com a gigante paulista Even. No entanto, a construtora gaúcha tornou-se a maior acionista dentro da incorporadora paulista, adquirindo 26% das ações da companhia.
Essas transações econômicas aconteceram em uma realidade muito distante da atual para o segmento. Em 2009, o setor da construção civil vivia um momento de expansão no mercado e cresceu 12,1% em relação ao ano anterior, segundo dados da Pesquisa Anual da Indústria da Construção (Paic) divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Inflado economicamente pelo governo, o setor chegou a movimentar R$ 199,5 bilhões. Desse total, 44,1% - o equivalente a R$ 85,4 bilhões - atrelados diretamente a iniciativas públicas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa, Minha Vida. Distante da crise atual do segmento, e com uma população com mais segurança na economia, a construção civil apresentava um momento bastante favorável para investimentos.
A recessão econômica de 2014 e o consequente recuo do PIB trouxeram também a queda econômica para o âmbito das incorporadoras: a Paic do ano em que o Brasil sediou a Copa do Mundo apresentou retração, em número reais, de 0,8% em relação a 2013. A queda no faturamento da construção civil fez com que o Produto Interno Bruto (PIB) do setor caísse 6,6% - com o PIB geral subindo 0,5%, demonstrando o início de um período bastante difícil para as construtoras do País.
Naquele ano, a receita bruta, divulgada pela pesquisa, foi de R$ 368,7 bilhões. No comparativo com a Paic mais recente, de 2016, a receita bruta teve um decréscimo de R$ 49,1 bilhões, ou seja, atingiu o montante de R$ 319,6 bilhões - demonstrando que o período de declínio ainda não finalizou. O contexto econômico no Rio Grande do Sul acompanhou o panorama nacional. Segundo os estudos da Fundação de Economia e Estatística (FEE), o PIB total do Rio Grande do Sul apresentava um crescimento de 8,4% entre 2005 e 2009. O crescimento observado no cálculo do PIB estadual geral também foi acompanhado pelo PIB específico: passando de R$ 144 bilhões, em 2005, para R$ 215 bilhões, em 2009.
Durante o auge imobiliário do País, o Estado manteve também a relação de similaridade com o Brasil como um todo. Em 2015, o PIB da construção civil gaúcha sofreu queda de 7% em relação ao ano anterior - do início da crise, segundo os dados da FEE. A queda, somada a falta de saídas para a redução dos rendimentos, trazem a obrigação do Estado e o País de buscarem alternativas e soluções.
De abril para maio deste ano, o Rio Grande do Sul apresentou queda de 11% no PIB da construção, segundo os Indicadores Conjunturais da Indústria do IBGE. Nesse contexto de crise, as transformações tendem a ser mais rápidas e direcionadas. Apesar das transformações visíveis e aceleradas pelas quais o mercado passa, o coordenador do curso de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), Felipe Viegas, alerta que as mudanças ainda devem ser melhor compreendidas. "Precisamos entender mais sobre essas nuances para desenhar um cenário novo", diz.
Com o crescimento da construção civil, a conjuntura apresentou um novo estilo de concorrência às empresas familiares e às grandes incorporadoras - que dominavam o mercado na época. O setor, que sempre foi segmentado pela dimensão das empresas, com um capital cíclico de investimento (obra, lucratividade e reinvestimento), agora apresenta novas formas de sustentação financeira.

As novas regras do mercado

Com um consumidor mais inseguro para investir, as construtoras tiveram que se atualizar nas tendências do mercado. Esse entendimento das novas formas de atuação culmina em um conceito bastante debatido atualmente: o design thinking. Definido como um processo crítico e criativo - organizando as informações e aprimorando as funcionalidades -, o design thinking revoluciona a forma como as empresas preparam seus produtos, visando uma aproximação maior das necessidades do consumidor. No ramo da construção civil, o cenário não é diferente. "É na crise que surgem as grandes ideias disruptivas", ressalta Marcos Colvero, que deixou a Melnick Even após mais de 12 anos na empresa, objetivando novos projetos e desafios com outra incorporadora.
As construtoras enxutas e eficientes abrem espaço para uma nova forma de operar. Com times adequados à demanda, e sobretudo otimizados pela qualificação profissional, o gerenciamento da incorporadora mudou. Essa alteração era o que Colvero buscava quando deixou a Melnick Even. "Procurava uma participação societária relevante com papel estratégico", conta o executivo. Com a analise dos modelos de negócios e participação em todos os estágios da construção, desde a compra do terreno até a estratégia de marketing do produto final, as incorporadoras passaram a tratar a gestão interna como uma prioridade dentro do processo.
Colvero, que trabalhou na Melnick - antes e depois da parceria com a Even -, ressalta que ter presenciado a estruturação da empresa, desde as bases familiares, trouxe uma experiência muito importante para a Rotta Ely. Esta empresa, já com 18 anos de mercado, abriu um processo de reestruturação, e já não pode mais representar uma incorporadora familiar pequena.
A mudança da relação do produto das construtoras com o consumidor é um desses fatores disruptivos pelos quais passa o setor. Como exemplo disso, a Wikihaus Incorporadora, criada pelos engenheiros Ênio Pricladnitzki e Alexandre Dode de Almeida e o administrador Eduardo Pricladnitzki, sustenta sua metodologia de forma colaborativa e participativa. "'Wiki' significa colaboração, 'haus' vem de casa, isso explica como a Wikihaus trabalha, tanto internamente como em relação com o consumidor", conta Pricladnitzki - antigo fundador da EGL Engenharia, junto com Almeida.
Em 2010, a EGL Engenharia, a Capa Engenharia, a Lomando Aita e a DHZ Construções se fundiram, criando a Nex Group, uma companhia que visava potencializar a capacidade produtiva das quatro empresas. Pricladnitzki aponta para uma diferença clara entre as novas incorporadoras e as empresas já consagradas no ramo: "as incorporadoras de grande porte tem a logística de pensar no volume, enquanto as 'novas' incorporadoras trabalham analisando nichos", conta.
Essa estratégia, que serve para otimizar os resultados, também se apresenta como uma saída para se destacar em um mercado de crise. "Pensar com foco no consumidor é um dos novos fatores que poucas incorporadoras fazem no Estado", ressalta Pricladnitzki. Entender o perfil dos compradores é um dos grandes pontos dessa transformação trazida pelo design thinking. Esse entendimento pode refletir não só na forma como a construção é planejada e conduzida, mas também como o gerenciamento de finanças e estratégias de marketing são pensadas.

Fugindo da crise

"No contexto de crise, e pela característica do setor imobiliário de apresentar um investimento de longo prazo, diferenciar o seu produto é uma saída para crescer", aponta o coordenador do curso de engenharia civil da Pucrs, Felipe Viegas. Nesse sentido, as novas incorporadoras apostam em alternativas para atrair o consumidor. No caso da Wikihaus Incorporadora, a ligação com o consumidor é parte da criação do projeto: "trabalhamos muito com o conceito de colaboração para compreender exatamente o que o consumidor quer e precisa", ressalta Ênio Pricladnitzki, um dos fundadores da Wikihaus.
Esse pensamento voltado à compreensão das necessidades e vontades do público consumidor é bastante visível neste modelo de empresa mais enxuta e de investimentos rápidos. Para Marcos Colvero, sócio-diretor da Rotta Ely, as incorporadoras mais ágeis, conseguem realizar uma maior atenção aos anseios do consumidor. "A identificação da demanda e do que ela espera, da forma como o mercado vem evoluindo, tem uma mudança significativa no produto final". Essas mudanças influenciam a característica das habitações padrão da sociedade.
Paulo Zago, o fundador da UP Incorporações, ex-DHZ Construções e NEX Group, apresentou neste ano um modelo novo de negócio. Através de uma nova relação entre a incorporadora e o consumidor, a estratégia - embora inovadora no Estado - assemelha-se a tendências de identificar perfis. O projeto de Zago é voltado a atender um público específico: o comprador assalariado e estabilizado economicamente. Como esse é um grupo de interesse para todo o mercado, a UP propôs um diferencial aos seus clientes: uma garantia financeira em caso de perda parcial de renda. Na prática, Zago oferece desconto aos consumidores que, após finalizada a compra, vierem a perder parte da renda. Essa renda perdida também será eliminada nas parcelas seguintes, com limite de desconto máximo de 40%.

Avanço tecnológico


CHAAY TEE/FREEPIK.COM/DIVULGAÇÃO/JC
Essas atualizações acontecem não somente para as questões de gestão. Os avanços tecnológicos trouxeram modificações ao campo imobiliário, tanto na parte estrutural de projeção e construção, quanto na forma como se pensa as etapas de criação de uma habitação ou de um planejamento de escritório. O engenheiro Felipe Viegas aponta a uma tendência de maior aporte tecnológico nas obras, distanciando-se da ideia retrógrada de que construção civil é um segmento com poucos avanços em tecnologia.
Um exemplo dessas novas ferramentas que otimizam o tempo de planejamento e de obra é a tecnologia Building Information Model (BIM). A BIM permite uma projeção mais precisa e mais clara, otimizando o tempo de obra e trazendo menos riscos para os funcionários e empresários do ramo.
O momento de pouca prosperidade econômica também acaba sendo influenciado por atrativos da tecnologia. "No cenário da crise que é a hora de se reinventar, hora de ter um produto mais competitivo, de diminuir custos e ter soluções técnicas mais avançadas", explica Viegas, que defende a necessidade de uma qualificação dos profissionais da área imobiliária, junto a cursos de terceiros ou junto à academia.