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Cultura

- Publicada em 17 de Setembro de 2020 às 18:30

Há 50 anos, o Black Sabbath tornava o heavy metal possível com 'Paranoid'

Banda britânica, que tocou três vezes na Capital, marcou história do rock com sonoridade pesada do segundo LP

Banda britânica, que tocou três vezes na Capital, marcou história do rock com sonoridade pesada do segundo LP


FREDY VIEIRA/ARQUIVO/JC
Igor Natusch
Curiosamente, aquele que seria um dos álbuns mais influentes da história do rock só ganhou contornos finais depois de estar praticamente pronto. O segundo LP dos britânicos do Black Sabbath se chamaria War pigs, e até a capa do álbum já estava em produção quando, na reta final das gravações, a banda percebeu que não tinha músicas suficientes para fechar o disco. Escreveram uma canção extra ali mesmo, em pleno estúdio: o guitarrista Tony Iommi inventou um riff, Bill Ward deu as acentuações na bateria, Ozzy Osbourne cantarolou uma melodia e Geezer Butler tirou o baixo do pescoço e, sentado sozinho em um canto, escreveu as letras em um pedaço de papel. Mais tarde, relembrando o processo, Butler diria que a nova música, da primeira ideia até a gravação final, ficou pronta em cerca de duas horas.
Curiosamente, aquele que seria um dos álbuns mais influentes da história do rock só ganhou contornos finais depois de estar praticamente pronto. O segundo LP dos britânicos do Black Sabbath se chamaria War pigs, e até a capa do álbum já estava em produção quando, na reta final das gravações, a banda percebeu que não tinha músicas suficientes para fechar o disco. Escreveram uma canção extra ali mesmo, em pleno estúdio: o guitarrista Tony Iommi inventou um riff, Bill Ward deu as acentuações na bateria, Ozzy Osbourne cantarolou uma melodia e Geezer Butler tirou o baixo do pescoço e, sentado sozinho em um canto, escreveu as letras em um pedaço de papel. Mais tarde, relembrando o processo, Butler diria que a nova música, da primeira ideia até a gravação final, ficou pronta em cerca de duas horas.
Pois foram, sem nenhuma dúvida, as duas horas mais bem investidas da história do rock pesado. A faixa, chamada Paranoid, se transformaria no mais bem-sucedido single da carreira da banda, e até hoje é um clássico indispensável no ensaio de qualquer banda iniciante. O disco mudou de nome - o que, é verdade, também tem a ver com o receio de complicações em meio aos protestos contra a Guerra do Vietnã nos EUA. E Paranoid, o álbum - lançado há exatos 50 anos, no dia 18 de setembro de 1970 - tornou-se um dos alicerces sobre o qual se ergue todo o heavy metal, talvez o mais resiliente e mutante de todos os subgêneros do rock.
Claro que, a essa altura, o quarteto surgido em Birmingham, na Inglaterra, já estava fazendo bastante barulho na cena musical de então. Na verdade, há razoável consenso entre os especialistas de que o primeiro álbum da banda britânica, auto-intitulado e lançado em fevereiro de 1970, foi o principal ponto de partida do heavy metal - ou seja, os próprios músicos haviam pavimentado, meses antes, a trilha pela qual seguiriam com seu bombástico segundo LP.
Na época, porém, esse cartaz esteve longe de ser unanimidade entre os críticos. Lester Bangs, que mais tarde ficaria famoso por sua associação com o punk rock norte-americano, escreveu uma famosa resenha para a revista Rolling Stone na qual diz que o LP Black Sabbath era "igual ao Cream, mas pior". Claro que, hoje, essa acusação soa injusta e até absurda, mas a verdade é que o histórico power trio de Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker era mesmo uma das principais influências do Black Sabbath, e isso surge com clareza nas várias jams daquele disco inaugural. Mais do que o primeiro exemplo acabado do que o heavy metal poderia ser, talvez se possa dizer que Black Sabbath é uma declaração de princípios, pegando elementos de várias tentativas anteriores de som pesado (promovidas por bandas tão díspares como Steppenwolf, Beatles e Blue Cheer) e dando a elas um formato coerente e original.
Em Paranoid, a coisa muda de figura. As oito músicas (muitas delas desenvolvidas no palco, em improvisações feitas para preencher as longas horas de shows) mantinham a fluidez do material anterior, mas ganharam uma abordagem mais direta e focada, sem muito espaço para voos individuais – restritos, talvez, ao instrumental Rat salad. A guitarra de Tony Iommi tornou-se definitivamente um elemento central, com um caráter por vezes quase narrativo: não é a toa que Ozzy, ao ouvir o hoje histórico riff principal de Iron man, acabou inadvertidamente batizando a música, dizendo aos colegas que aquilo “parecia um cara feito de ferro” andando pela sala de ensaios. Para o heavy metal, o caráter bombástico é uma das características principais – e o Black Sabbath foi, sem dúvida, o primeiro a pegar o blues rock de seus contemporâneos e dar a ele um elemento cinemático, evocando imagens e enredos pela força bruta do instrumental.
Outro elemento inovador de Paranoid está nas letras, quase todas escritas pelo baixista Geezer Butler. Nelas, surge a disposição de fugir das temáticas do flower power do final dos anos 1960, deixando de lado a esperança no poder transformador do amor e da liberdade individual em nome de um olhar mais sério, sombrio e até contestador sobre a realidade. Em Hand of doom, o Black Sabbath canta sobre soldados que voltam da guerra viciados em drogas; por sua vez, Electric funeral traz vívidas imagens de um holocausto nuclear. A própria War pigs, que quase virou título do disco, era originalmente batizada Walpurgis, em referência ao ritual homônimo das missas negras, e propunha uma reflexão sobre os poderosos que criam as guerras: eles, na visão do Black Sabbath, é que são os verdadeiros satanistas, as pessoas que, de fato, fazem o trabalho do Diabo sobre a Terra.
Produzido por Rodger Bain, que já havia pilotado a mesa de som no disco de estreia do quarteto, Paranoid também abre espaço para experimentações: Planet caravan é uma balada com sabor psicodélico, trazendo a voz distorcida de Ozzy Osbourne cantando sobre a viagem de dois amantes pelo espaço sideral. Única letra escrita pelo vocalista no disco, Fairies wear boots desce da Via Láctea direto para o asfalto das zonas industriais britânicas, narrando (em termos ao mesmo tempo cômicos e quase poéticos) o encontro do cabeludo músico com uma gangue de skinheads. Certamente não era o tipo de coisa que hippies cantariam em rodas de violão, e justamente aí está o impacto histórico de Paranoid: sua sonoridade pesada e aura pouco amistosa traduziam o sentimento de multidões que se sentiam do lado de fora das idealizações musicais de então, transformando todos, quase imediatamente, em fãs do recém-nascido heavy metal.
Dizer que Paranoid é o álbum que criou o metal seria um exagero, talvez. No entanto, é seguro afirmar que, nele, o Black Sabbath (que tocou três vezes em Porto Alegre, a mais recente em sua turnê de despedida em 2016) traz todos os elementos necessários para que o heavy metal, enquanto gênero musical, pudesse se desenvolver. Não há banda de rock pesado que não tenha tomado pelo menos alguns goles da fonte musical gerada por Iommi, Osbourne, Butler e Ward – um manancial que, cinco décadas depois, segue abastecendo os mais diferentes cantos do som pesado.
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