Carmen Carlet, especial para o JC*
Um ano atrás, o Rio Grande do Sul vivenciava a maior tragédia ambiental da sua história: rios transbordavam, casas caiam e sonhos eram destruídos. O Estado superava largamente a enchente de 1941 que, até então, era a referência de catástrofe. Maio de 2025, em meio a rescaldos e com a tristeza motivada pelas famílias que ainda não conseguiram voltar para suas casas, o Rio Grande do Sul começa a respirar de novo. No lugar dos escombros, a vida volta a pulsar. A união dos gaúchos em prol da reconstrução falou mais alto. Cidades que desapareceram sob as águas, como Muçum (foto) voltam a acreditar na esperança. A tragédia promoveu uma onda de solidariedade e união de esforços. A sociedade civil mostrou sua melhor face com a mobilização dos governos, ONGs, entidades e dos principais protagonistas da corrente do bem, as pessoas comuns. O Rio Grande do Sul venceu.

As cinco cidades mais destruídas pela enchente - Eldorado do Sul (foto), Muçum, Canoas, São Leopoldo e São Sebastião do Caí - são exemplos da superação
/ASCOM Eldorado do Sul/Divulgação/JCExatamente um ano atrás, em 5 de maio de 2024, o rio Guaíba - um dos símbolos máximos de Porto Alegre - alcançava seu nível mais alto. Os 5,37m registrados no Cais Mauá colocavam todos em situação de apreensão e direcionavam os holofotes do Brasil para o Rio Grande do Sul, afinal sua capital estava sitiada pelas águas daquela que se transformaria na maior tragédia ambiental vivida pelos gaúchos e pelos brasileiros.
As chuvas intensas iniciadas em 27 de abril espalhavam destruição por todas as regiões. Sonhos, casas, vidas caiam diante da subida das águas que transformaram o Estado em um cenário pós-apocalíptico.
Um ano depois, com luta, garra e resiliência, os gaúchos, ainda impactados, retomam a esperança e começam a reconstruir suas vidas. As cinco cidades mais destruídas pela enchente - Eldorado do Sul, Muçum, Canoas, São Leopoldo e São Sebastião do Caí - são exemplos da superação e estão voltando, pouco a pouco, a reerguer o que foi perdido. Esta reconstrução, no entanto, não está sendo fácil e deixa marcas que ainda levarão tempo para serem apagadas da memória. Diante de um quadro complexo e com tantas dificuldades, a boa notícia chegou, inicialmente, através dos indicadores econômicos que, apesar do cenário adverso, registraram crescimento em 2024.
"Além das ações emergenciais de resgate e atendimento humanitário às vítimas das enchentes, o governo implementou rapidamente medidas para acelerar a reconstrução da infraestrutura nas cidades mais afetadas, como a recuperação de estradas, escolas e hospitais. Em paralelo, não deixamos de lado a recuperação econômica do Estado, com foco no restabelecimento das empresas e na preservação de empregos e renda dos gaúchos", afirma o governador Eduardo Leite ao destacar que foi um pacote robusto de iniciativas que contribuiu para a rápida recuperação do setor produtivo, refletida no bom desempenho arrecadatório e no crescimento de 4,9% do PIB gaúcho no ano passado.
Os números compilados pelo Departamento de Economia e Estatística (DEE), vinculado à Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), comprovam o crescimento e mostram que o resultado positivo foi impulsionado pela agropecuária, com alta de 35% na comparação com o ano anterior. No caso dos outros dois grandes segmentos da economia, os serviços tiveram alta de 3,5%, enquanto a indústria apresentou oscilação de -0,4% no mesmo período.
Um outro levantamento foi efetuado pelo Núcleo de Contas Nacionais do FGV IBRE. De acordo com Juliana Trece, economista e coordenadora do Monitor da Atividade Econômica da entidade, a extensão do Brasil e suas diferentes peculiaridades já vinham motivando a ideia de mensurações regionais. "A enchente gaúcha nos levou a iniciar o estudo pelo Sul", relata. Juliana destaca que o PIB gaúcho registrou um bom crescimento em 2024, graças ao campo. A especialista explica que, dos 4,2% de avanço estimado para a economia gaúcha, a metade é atribuída ao setor primário, com destaque para a soja que teve um papel determinante, até porque sua colheita é concentrada nos quatro primeiros meses do ano.
A economista destaca que o esforço de reconstrução também contribuiu para o desempenho positivo da economia como um todo. "A própria indústria conseguiu ter um crescimento, embora houvesse registrado queda em 2023 e a base de comparação estivesse baixa", afirma ao destacar que o movimento para reconstruir as cidades contribuiu para o desempenho positivo. O Núcleo de Contas Nacionais do FGV IBRE estima que, para este ano, poderá haver um crescimento do Rio Grande do Sul, graças ao esforço de retomada.
"É um estado importante, com potencial para melhorar o seu desempenho", avalia. Sem fazer projeções específicas, e considerando Brasil, a economista salienta que os setores de indústria e serviços são muito associados à taxa de juros "então, como há uma expectativa de aumento de juros, provavelmente, haverá freio nos investimentos, o que poderá ser uma barreira para geração de novos empregos e também aquisição de bens, em todo o País e com reflexos no Rio Grande do Sul", projeta.
O crescimento para os gaúchos poderá vir, novamente, do setor agropecuário. De acordo com Juliana, a projeção do IBGE é de que o Brasil terá uma super safra de grãos em 2025, e o Estado participará com uma fatia de 10,1%, o que será significativo para sua recuperação.
Estado já investiu R$ 6,7 bilhões em programas de reconstrução
A tragédia climática do ano passado promoveu uma onda de solidariedade e união de esforços. A sociedade civil mostrou sua melhor face com a mobilização de ONGs, entidades e dos grandes protagonistas da corrente do bem, as pessoas comuns.
Os executivos - federal, estadual e municipais - deram sua cota de contribuição, com projetos e investimentos específicos para os atingidos pela enchente. O governo do Rio Grande do Sul, por exemplo, desenvolveu o Plano Rio Grande - programa de reconstrução, adaptação e resiliência climática -, que está estruturado em três frentes: ações emergenciais (curto prazo), ações de reconstrução (médio prazo) e os projetos estruturantes no eixo "Rio Grande do Sul do Futuro" (longo prazo). Todas articuladas em parceria com os municípios e mobilização de recursos públicos e privados.
O Mapa Único Plano Rio Grande (Muprs) promoveu o Mapeamento das Áreas Diretamente Atingidas pelos eventos climáticos de abril e maio de 2024 identificando e quantificando populações atingidas. Considerando os 10 municípios mais afetados, 319.323 gaúchos foram impactados. Direcionar políticas públicas de forma mais ágil e precisa, além de simplificar os processos para a chegada de recursos foram objetivos do levantamento.
Para essas cidades, proporcionalmente às populações afetadas, o Estado deliberou mais de R$ 201 milhões destinados a repasses fundo a fundo para hospitais e entidades de assistência social, auxílio às famílias atingidas, linhas de crédito subsidiadas, manutenção em prédios escolares e outras iniciativas.
De acordo com a Secretaria da Fazenda (Sefaz), esse valor não inclui os investimentos diretos do Estado em obras e ações com impacto local, como a recuperação da ponte sobre o Rio Forqueta, no km 75 da ERS-130. A obra contou com investimento de R$ 22 milhões e beneficiou cidades do Vale do Taquari, como Muçum.
Iniciativa privada garante investimentos para ajudar a reerguer cidades
Mesmo após a tragédia climática, o Estado se mantém no radar dos grandes investimentos privados. As ações de reconstrução com foco na resiliência, o estímulo a um ambiente favorável aos negócios — por meio de iniciativas do Plano de Desenvolvimento Econômico, Inclusivo e Sustentável — e os incentivos fiscais propiciam um ecossistema atrativo para novos empreendimentos, inclusive em municípios fortemente atingidos pelo evento climático.
Um dos destaques é o novo data center da Scala, que será instalado em Eldorado do Sul. A chamada "cidade dos data centers" receberá um investimento inicial de cerca de
R$ 3 bilhões apenas na primeira fase, representando um passo decisivo para posicionar o Brasil como polo central na revolução da inteligência artificial (IA) e para transformar o Rio Grande do Sul por meio do fortalecimento da infraestrutura digital.
R$ 3 bilhões apenas na primeira fase, representando um passo decisivo para posicionar o Brasil como polo central na revolução da inteligência artificial (IA) e para transformar o Rio Grande do Sul por meio do fortalecimento da infraestrutura digital.
Com a assinatura do protocolo de intenções, o Estado assumiu o compromisso de viabilizar a estrutura necessária do ponto de vista governamental, dando origem ao primeiro distrito industrial de data centers do País.
Na mesma região, em Barra do Ribeiro, a Celulose Rio Grandense (CMPC) confirma o maior investimento privado da história do Rio Grande do Sul. Em 29 de abril do ano passado, a empresa anunciou aporte de R$ 25 bilhões para a instalação de uma nova planta industrial de produção de celulose e de um terminal portuário no município.
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Outro anúncio recente ocorreu em Guaíba, com a construção de um hub viário e a implantação do Aerocentro Integrado de Tecnologia e Inovação (AeroCITI) pela empresa Aeromot S.A. O investimento supera R$ 3 bilhões e deve gerar cerca de 1,5 mil empregos ao longo das diferentes fases do projeto. Em março, o governo assinou o termo de concessão da área destinada ao complexo industrial-aeronáutico, que será implantado gradualmente, tendo como projeto âncora a fábrica de aeronaves Diamond Aircraft DA62.
Principais programas emergenciais RS

Pesquisa mostra que 7% dos empreendimentos sequer retomaram atividades; outros 2% fecharam as portas
Bruno Peres/Agência Brasil/JCFundo a Fundo da Defesa Civil: R$ 148 milhões investidos desde o início da calamidade
Desassoreamento de rios e canais: R$ 300 milhões destinados ao planejamento e execução das obras (em andamento)
Dragagem das hidrovias gaúchas: R$ 731 milhões investidos (em execução)
Programa Volta por Cima: Repassados mais de R$ 251 milhões às famílias atingidas pelas enchentes. Beneficiadas 100.448 famílias inscritas no CadÚnico, com o pagamento de uma parcela única de R$ 2,5 mil.
Fonte: Assessoria de Comunicação Sefaz RS
Municípios com maior % da população em domicílios particulares atingidos
Município População atingida - % da população atingida
Eldorado do Sul - 31.96480,8%
Muçum - 3.05266,3%
Canoas - 152.85244,0%
São Leopoldo - 88.53140,7%
São Sebastião do Caí - 8.86036,3%
Marques de Souza - 1.27532,1%
Relvado - 52729,3%
Cruzeiro do Sul - 2.98325,7%
Guaíba - 22.76824,5%
Triunfo - 6.51123,7%
Muçum - 3.05266,3%
Canoas - 152.85244,0%
São Leopoldo - 88.53140,7%
São Sebastião do Caí - 8.86036,3%
Marques de Souza - 1.27532,1%
Relvado - 52729,3%
Cruzeiro do Sul - 2.98325,7%
Guaíba - 22.76824,5%
Triunfo - 6.51123,7%
Elaborado pelo DEE/SPGG e DEPLAN/SPGG. Dados da 3ª versão, de 23/05/2024.
Departamento de Economia e Estatística da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão
Valores repassados pelo governo do Estado aos 10 municípios mais atingidos
Departamento de Economia e Estatística da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão
Valores repassados pelo governo do Estado aos 10 municípios mais atingidos
Cidade - Repasse R$ (em milhões)
Eldorado do Sul - 18
Muçum - 2,4
Canoas - 77
São Leopoldo - 41,7
São Sebastião do Caí - 8,9
Marques de Souza - 1,4
Relvado - 1,9
Cruzeiro do Sul - 15,5
Guaíba - 23,8
Triunfo - 10,5
Muçum - 2,4
Canoas - 77
São Leopoldo - 41,7
São Sebastião do Caí - 8,9
Marques de Souza - 1,4
Relvado - 1,9
Cruzeiro do Sul - 15,5
Guaíba - 23,8
Triunfo - 10,5
Fonte: Assessoria de Comunicação Sefaz RS
Planejamento e resiliência são fundamentais para a retomada

São Sebastião do Caí, que tem uma série de cheias em sua história, está entre as áreas de altíssimo risco e exige estratégias de prevenção urgentes
/Anselmo Cunha/AFP/JC
Rafael Drumond observa que as menores permanecem com recuperação mais lenta
Rafael Drumond / Arquivo Pessoal / JC
Um ano depois da grande enchente no Rio Grande do Sul, muita coisa ainda está fora do lugar. O mestre em planejamento urbano Rafael Drumond observa que muitas cidades gaúchas foram afetadas, sendo que as menores permanecem com recuperação mais lenta. "Nesse contexto, um conceito que precisa entrar de vez no nosso vocabulário é a resiliência urbana, que define a capacidade que uma cidade tem de responder rapidamente aos impactos de desastres ambientais. E isso não se resume à infraestrutura física. Envolve planejamento, educação, rotas de fuga, protocolos de emergência e o engajamento da população".
Para Drumond, do ponto de vista urbanístico, corremos risco de novas tragédias ambientais como as de 2024. "Em grande parte isso se deve à forma como o Brasil se urbanizou ao longo das décadas, ignorando quase completamente a questão ambiental, tornando esse tipo de desastre cada vez mais provável diante das mudanças climáticas", explica. E o acúmulo de equívocos nesse processo, segundo ele, exige uma reestruturação profunda, que ainda acontece numa velocidade inferior à urgência do problema.
Segundo o especialista, políticas públicas que não apenas preservem, mas ampliem as áreas verdes nas cidades são fundamentais, pois ajudam a conter enchentes, melhoram o microclima urbano e aumentam a resiliência como um todo. "Sem isso, continuamos expostos", alerta. Drumond explica que cidades menores, como Eldorado do Sul, Canoas, São Leopoldo, Muçum e São Sebastião do Caí, são exemplos claros dessa vulnerabilidade, sendo algumas das mais afetadas pelas enchentes. "Hoje, já sabemos onde estão os problemas. O que falta é agir com a mesma intensidade com que eles nos atingem", define o urbanista.
Na mesma linha de pensamento, Rualdo Menegat, professor e pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), destaca que devemos reconhecer que grande parte dos problemas ocorridos em 2024 deveu-se à ausência de um plano de gestão de riscos. "A gestão ambiental do Estado, assim como dos municípios, está colapsada", observa. Ele argumenta que neste momento o que está em discussão são projetos para reparar aquilo que foi impactado em termos de infraestrutura. "O que não se olha são os grandes contingentes populacionais que se encontram em situação de desalojamento, pois ainda há famílias desabrigadas nas cidades mais atingidas", alerta.
A pergunta, segundo o professor, é quais estratégias estão sendo implantadas para reverter, do colapso que passamos para uma situação de gestão de riscos? Ele destaca a urgência de adotarmos uma agricultura regenerativa no sentido de proteger o solo e não, facilitar a sua erosão. Para ele, a grande falha em 2024 foi a ausência de um plano de gestão de riscos e o entendimento de que os eventos climáticos extremos vão continuar.
E essa questão, na sua opinião, nos leva a pensar fortemente sobre as estratégias de futuro. Para o professor, é preciso um bom plano estratégico considerando as áreas de altíssimo risco e territórios de transição climática, como os vales do Taquari, Alto Caí, Alto Jacuí, Sinos e Gravataí, que necessitam de um planejamento diferente dos executados até o momento.
"Então, na medida em que os organismos do Estado que têm a responsabilidade de fazer os planejamentos territoriais, não orientam, o que podemos esperar num futuro próximo é que eventos extremos vão ocorrer e as populações não terão mecanismos de defesa, justamente por falta deste planejamento estratégico". O professor da Ufrgs destaca, ainda, que é importante direcionar um olhar para o futuro com outro viés.
"Precisamos comunicar às gerações futuras que desastres como o de 2024 não são um destino ou uma fatalidade". Para ele é fundamental que o sistema educacional gaúcho se reoriente, desde já, para que as crianças e os jovens saibam que podemos, com base no conhecimento e na técnica, enfrentar os desafios do século XXI.
Qualificação dos sistemas de alerta está entre as prioridades do governo gaúcho
O governo do Estado garante que a qualificação dos sistemas de alerta está entre suas prioridades. De acordo com a Secretaria de Comunicação, um novo radar meteorológico já está em operação, com investimento de R$ 25,94 milhões, e outros três estão em fase de contratação, o que garantirá cobertura de todo o Estado.
A meteorologista Caarem Studzinski, especialista em riscos climáticos e planejamento de resiliência, afirma que aquisição de radares não deveria ser uma das principais prioridades, embora reconheça sua importância. "Radar vê a chuva chegando. Nós precisamos investimentos em sistemas que façam previsões a médio e longo prazo", sustenta a especialista ao explicar que são fundamentais leituras com antecipação suficiente para, por exemplo, haver tempo hábil para planejamento e criação de rotas de fuga das populações em caso de eventos extremos.
Mesmo assim, o executivo lista outras ações em andamento com o objetivo de melhorar a preparação para eventos climáticos futuros e transformar o Rio Grande do Sul em uma referência nacional em resiliência climática: reorganização urbana em municípios afetados; revisão de planos diretores; reestruturação da Defesa Civil; levantamento batimétrico dos rios; instalação de estações hidrometeorológicas; modelagem hidrodinâmica e mapeamento topográfico.
Vale destacar que intervenções de maior porte, como a implantação de sistemas de proteção contra cheias, demandam mais tempo e recursos. Para isso, o governo federal liberou R$ 6,5 bilhões no final de 2024. Esses projetos serão executados em parceria entre Estado e União.
Eldorado do Sul: O ressurgir de uma comunidade devastada

Destruição de casas, estabelecimentos comerciais e industriais agravou situação econômica do município
/Rafa Neddermeyer/Agência Brasil/JCA enchente de 2024 atingiu 80,8% da população de Eldorado do Sul causando um impacto humano e econômico devastador. A cidade que possui cerca de 39 mil habitantes e um PIB estimado em R$ 1,2 bilhão (2022) sofreu danos significativos. O município, que já enfrentava desafios econômicos, viu sua situação agravada com a destruição de estabelecimentos comerciais e industriais, perda de estoques e equipamentos, interrupção prolongada das atividades econômicas, danos à infraestrutura pública e prejuízos no setor agrícola, incluindo perda de safras e degradação de terras cultiváveis.
De acordo com a Defesa Civil municipal, o impacto foi amplificado porque embora o município tenha uma economia diversificada, apresenta forte dependência do agronegócio e da indústria. A prefeitura estimou prejuízos de, aproximadamente, R$ 150 milhões apenas em infraestrutura pública. Além disso, os números foram críticos: mais de quatro mil imóveis danificados, cerca de 85% dos estabelecimentos comerciais sofreram algum tipo de dano e o setor agrícola reportou perdas superiores a R$ 50 milhões em safras e equipamentos. Esses dados, entretanto, representam estimativas preliminares, já que o processo de avaliação completa dos danos continua em andamento.
Atualmente, a cidade está em recuperação, com avanços desiguais em diferentes setores, porém, a esperança permeia toda a comunidade. A infraestrutura básica foi majoritariamente restaurada, o comércio central apresenta sinais de retomada, com aproximadamente 70% dos estabelecimentos já reabertos.
O setor industrial tem se recuperado mais lentamente, com algumas empresas ainda operando em capacidade reduzida e as áreas residenciais apresentam graus variados de recuperação, com comunidades mais vulneráveis enfrentando mais dificuldades. Já, a recuperação agrícola demanda mais tempo devido à natureza sazonal da atividade e ao comprometimento dos solos. Uma questão persistente é o impacto psicológico na população, que continua a enfrentar traumas e insegurança quanto a possíveis novas enchentes.
Mesmo assim, a reconstrução vai acontecendo com o direcionamento de verbas. Até agora foram investidos R$ 195 milhões advindos dos governos federal, estadual, municipal bem como de doações privadas e de ONGs. Além disso, Eldorado do Sul conta com linhas de crédito especiais que somam R$ 120 milhões disponibilizados por bancos públicos e privados.
A evasão de parte da população economicamente ativa pode representar um desafio adicional para a recuperação a longo prazo. No entanto, como estima a administração municipal, há oportunidade para reconstruir a cidade com base em princípios de resiliência e sustentabilidade, transformando a tragédia em uma chance de modernização urbana. A Prefeitura de Eldorado do Sul, por meio de articulação com os governos do Estado e Federal, está implementando um conjunto de ações estruturais estratégicas voltadas à mitigação de riscos e à prevenção de novos episódios de alagamentos no município. As medidas, planejadas com base em diagnósticos técnicos e na experiência vivenciada durante as enchentes, abrangem intervenções emergenciais, obras de infraestrutura e o desenvolvimento de instrumentos de planejamento urbano.
Panvel reafirma compromisso com a cidade e com colaboradores afetados pela tragédia

Depois de cerca de três meses da enchente, a sede e o CD de Eldorado do Sul voltaram à operação total
/Panvel/Divulgação/JCA sede do grupo Panvel, localizada em Eldorado do Sul, ficou inacessível, assim como seu maior Centro de Distribuição (CD), o que afetou direta ou indiretamente mais de 80 lojas. De acordo com Roberto Coimbra, diretor executivo de operações, os impactos diretos registrados nas demonstrações financeiras no segundo trimestre de 2024 atingiram R$ 15,2 milhões, equivalentes a 1,2% da receita bruta do grupo. Coimbra destaca que, mesmo com as enchentes, a Panvel entregou forte crescimento, e teria alcançado resultados ainda mais expressivos em um cenário normalizado.
Com mais de 1.500 colaboradores diretamente afetados - cerca de dois terços em Eldorado do Sul -, o Grupo se mobilizou para auxiliar os colaboradores com suporte financeiro, adiantamento do 13º salário, kit saúde e cestas básicas, entre outras. A Panvel também mobilizou esforços emergenciais, conseguindo manter suas operações ativas mesmo diante de um cenário desafiador.
"Essa resposta rápida foi possível graças à atuação exemplar de nossos colaboradores, que, apesar de enfrentarem perdas pessoais, demonstraram compromisso admirável com a empresa e com a comunidade. Sua dedicação, solidariedade e resiliência foram fundamentais nesse processo, e merecem todo o nosso reconhecimento, respeito e gratidão", avalia o diretor de operações.
Depois de cerca de três meses da tragédia, a sede e o CD de Eldorado do Sul voltaram à operação total. E, mesmo diante das perdas, Coimbra reafirma que Eldorado do Sul é uma cidade estratégica para a operação da Panvel.
"A presença da empresa no município reflete um compromisso de longo prazo, reforçado pelos investimentos contínuos realizados na estrutura local", garante o dirigente ao observar que nos últimos anos o CD passou por importantes expansões.
Durante o período mais crítico da enchente, não houve comprometimento estrutural da unidade, mas inacessibilidade temporária causada pela elevação do nível das águas e pelas restrições de acesso à cidade, o que impactou temporariamente a operação.
Muçum se reconstrói depois de quatro eventos climáticos

Cidade do Vale do Taquari passou por duas enchentes e chuva de granizo em 2023, além da catástrofe do ano passado
/Bruno Peres/Agência Brasil/JCCom 66,3% da população atingida no ano passado, o município de Muçum - localizado no Vale do Taquari, a cerca de 154 km de Porto Alegre - registrou mais de R$ 400 milhões de prejuízo por conta de eventos climáticos extremos nos últimos anos: duas enchentes e granizo em 2023 e a catástrofe do ano passado.
"De imediato, assim como todos os demais setores, a economia foi duramente afetada. A maior parte do comércio e boa parte da indústria sofreram prejuízos imensos", lamenta o prefeito Mateus Giovanoni Trojan ao incluir as perdas que ocorreram no setor agropecuário, prejudicando inúmeros produtores do município.
No entanto, ele argumenta que a comunidade muçunense sempre acreditou que iria superar o período de incerteza e de desafios. Desde quando tudo aconteceu, o poder público e o empresariado local procuraram retomar a normalidade, trabalhando em busca da reconstrução, acreditando na expansão urbanística e na composição de um futuro para a cidade. Trojan afirma que os desafios são muitos.
"A burocracia dos processos e a complexidade das obras de expansão nos impedem de dar maior celeridade às entregas", argumenta o Prefeito, embora destaque que, gradativamente, são perceptíveis evoluções em todas as áreas, "e essas conquistas vão reforçando nossa confiança de que, mesmo diante das dificuldades, estamos no caminho certo", garante.
Aos poucos, tanto a indústria de Muçum quanto o comércio, estão reiniciando suas atividades. A estimativa é de que 70% do ramo produtivo - ao todo são 616 empresas ativas - já tenha retomado.
Além do setor econômico, o foco da reconstrução também está na realocação das famílias atingidas que tiveram suas residências completamente destruídas ou condenadas, além das que estavam morando em locais que foram considerados de risco extremo, através dos programas habitacionais geridos pelo município em parceria com os governos federal e estadual.
No setor agropecuário, através do programa de recuperação de solos e das áreas agricultáveis, o investimento para a retomada passa de R$ 3 milhões. Já para o setor industrial e de serviços, o principal foco no momento é o incentivo para a retomada, através do Programa de Incentivo Empresarial Calamidade, que visa dar subsídios às empresas que se enquadram, através de retorno de parte do ICMS arrecadado. Além disso, a prefeitura, mediante lei de incentivo, promove um esforço para a manutenção de empresas na cidade com a destinação de terrenos em área livres de inundação. As empresas contempladas se comprometem a permanecer por mais 15 anos em Muçum, além de manter o nível de empregos e faturamento registrados em 2023. O valor investido no auxílio empresarial já ultrapassa R$ 5 milhões.
Embora com boas perspectivas, Muçum permanece em estado de alerta por conta da baixa evolução de ações na bacia dos rios Taquari e Antas. "Ainda precisamos avançar em algumas ações estratégicas que dependem de um esforço conjunto das esferas administrativas", afirma o Prefeito ao elencar o levantamento topográfico e batimétrico de toda a bacia, estudos aprofundados de possibilidades de obras estruturais e não -estruturais, qualificação dos sistemas de alerta e monitoramento, para maior precisão nas projeções de inundação e também o aprimoramento dos serviços de comunicação.
"Essas medidas são fundamentais para antecipar desastres, proteger as pessoas e garantir respostas rápidas em futuros eventos extremos", pontua Trojan.
Canoas busca a recuperação em meio a êxodo regional com 44% das residências atingidas

Águas invadiram o município da Região Metropolitana por dois pontos
/Rafa Neddermeyer/Agência Brasil/JCLocalizada na Região Metropolitana de Porto Alegre Canoas é cercada por diques. Em maio do ano passado, as águas chegaram à cidade por dois pontos: na BR-448, uma obra na rodovia danificou o dique, que rompeu e, nas margens da BR-116, uma parte do dique foi retirada. Essas falhas determinaram a velocidade com que a água subiu e chegou às casas, sem tempo de reação. Segundo estimativas da Câmara de Indústria e Comércio e Serviços de Canoas (Cics Canoas), 44% das residências foram atingidas diretamente, sendo que 90% dessas se localizam no lado oeste da cidade, totalizando 80 mil casas.
"Consideramos que, indiretamente, o percentual ultrapassa 80%, pelos impactos gerados por conta do êxodo da região Oeste para Leste e pelos prejuízos na continuidade dos negócios locais, especialmente em razão da falta de mão de obra", explica Shirley Dilecta Panizzi Fernandes, presidente da entidade. Por um levantamento da Câmara, 30% das empresas, especialmente as micro e pequenas, não retomaram suas atividades na região atingida, notadamente nos bairros Rio Branco, Fátima e Mathias Velho, de maior densidade empresarial.
Além disso, no setor imobiliário, neste momento, não há como precificar a nova realidade do valor de mercado dos imóveis da zona Oeste. "Há certa desconfiança na retomada dos investimentos na região atingida pelas águas enquanto não houver garantia de conclusão da proteção da cidade contra novas cheias", explica Shirley.
Canoas foi uma das cidades mais impactadas pela enchente, com alcance de 156km², 180 mil pessoas e mais de 25 mil empresas, representando 51% dos negócios da cidade. O prejuízo estimado pela Cics chega a R$ 4,6 bilhões, o que equivale a um ano e meio de arrecadação da cidade. Não existem levantamentos oficiais que possam apontar com segurança o montante das perdas causadas.
Contudo, a dirigente avalia que a catástrofe teria acarretado danos a 40% do parque industrial, 80 mil casas, 41 escolas públicas e várias unidades de saúde, incluindo o Hospital de Pronto Socorro. Diante de tal quadro, o empresariado local, através da Câmara do Comércio, resolveu fazer a roda girar e levou adiante as primeiras ações para iniciar a recuperação.
Nesta surreal catástrofe, a entidade se mobilizou, formou comitê interno de crise, adotou medidas de socorro e apoio às empresas, criou um centro de distribuição de medicamentos para atender abrigos e hospitais e também foi a primeira voz no sentido de provocar a abertura da Base Aérea de Canoas para recebimento de voos não oficiais, viabilizando a chegada de doações e voluntários.
Para auxiliar na recuperação, a entidade, como conta Shirley, está estudando medidas tributárias que possam incentivar a reocupação e o investimento na região Oeste da cidade, por meio de proposição de redução/isenção de IPTU, ISS e ITBI. "Esperamos que sejam acolhidos pela unanimidade da Casa Legislativa", antecipa.
São Leopoldo faz as pazes com seu rio

Sarau do Rio voltou a ser realizado no fim de semana passado e marca a retomada um ano após a tragédia climática
/Giovani Paim / Divulgação / JCA mobilização da sociedade civil foi fundamental para que São Leopoldo - município com 40,7% da população atingida - voltasse a fazer as pazes com o Rio dos Sinos. Das cidades da região, é a única que se situa abaixo do nível do rio. Segundo o empresário Sandro Cassel, o município possui sete casas de bombas que precisam ser acionadas mecanicamente. Assim, o município se acostumou a conviver com alagamentos.
Porém, o volume de chuvas no ano passado elevou o nível do Sinos para 6,29 m, o que causou caos total. Cassel, que é proprietário de uma das pizzarias mais tradicionais da cidade, a Bucadisantantonio, resume o sentimento dos leopoldenses. "Penso que a data 3/5/24 ficará na retina como uma demonstração de como somos frágeis diante de uma catástrofe", afirma ele ao relembrar os acontecimentos e acrescentar que a desinformação também prejudicou a cidade.
Durante o período mais crítico, seu restaurante foi ponto de recebimento e distribuição de doações. "E, para honrar o pagamento dos 18 funcionários, mesmo com operação reduzida, buscamos empréstimos no montante de R$ 50 mil que vencerão a partir 2026. Mas, vamos em frente", afirma resignado e otimista.
Aliás, união foi a palavra de ordem na cidade. Hellen Carolina, proprietária de uma empresa de moda com sede no bairro Scharlau, conta que sua empresa não chegou a ser impactada diretamente, mas 90% de seus funcionários sim.
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"Diante disso, nos envolvemos ativamente com os recursos que tínhamos para ajudar a população", conta Carolina ao dizer que utilizou parte do estoque de tecidos destinados à confecção de casacos e blusões para produzir cobertores, totalizando mais de duas carretas que foram distribuídos à comunidade desabrigada.
A marca também promoveu um outlet emergencial com peças de inverno, oferecendo mais de 70% de desconto sobre o valor do atacado, diretamente para o consumidor final. Por outro lado, devido à grande demanda por roupas em geral, a empresa manteve o faturamento em um patamar semelhante ao do ano anterior.
"Praticamos preços muito abaixo do custo real, direcionando os recursos para cobrir as despesas fixas da empresa e manter nosso compromisso com colaboradores e fornecedores. Fizemos o que estava ao nosso alcance, mesmo que isso significasse abrir mão da margem de lucro", conta Hellen que comemorou, em abril último, 10 anos da marca.
E para mostrar que o rio dos Sinos, realmente, voltou a se integrar com a comunidade, neste final de semana aconteceu o Sarau do Rio. Foi um momento carregado de significado para a cidade com diversas atrações artísticas. Um ano após a enchente que inundou o centro histórico e colocou o Museu do Rio dois metros abaixo da água, o Sarau retornou como um ato de resistência, ocupando novamente a Rua da Praia com música, arte, afeto, resiliência e esperança.
Juntos Pelo Caí une comunidade e empresários

Oderich comemora resultados da campanha que arrecadou recursos e doações
/Anderson Martins / Divulgação / JC
Empresas &Negócios - Especial 1 ano de enchente - Juntos Pelo Caí Primeira estrutura erguida
Acis Caí / Divulgação / JC
O município de São Sebastião do Caí, que completou 150 anos no dia 1º de maio deste ano, foi um dos mais atingidos pelas águas em 2024 e teve 36,3% de sua população afetada. Para reverter o quadro, os empresários locais iniciaram um movimento para reconstruir o que foi perdido. De acordo com Thomas Oderich, presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de São Sebastião do Caí (Acis Caí) e diretor regional da Federasul para o Vale do Caí, o projeto Juntos pelo Caí surgiu a partir de uma campanha para arrecadação de recursos financeiros e doações que ganhou robustez a partir do engajamento da cooperativa Sicredi Serrana que se comprometeu a dobrar todo recurso angariado.
"Isso de fato ocorreu e hoje o projeto já realizou diversas entregas que vão desde doação de cadeira odontológica, tanque para auxiliar na limpeza e desentupimento de bueiros, até apoio de reconstrução em abrigos e suporte em moradias", lista o dirigente. Entre os benefícios que a comunidade caiense está recebendo o maior é o Projeto Habitacional Integrado Parque das Bergamotas. De acordo com Oderich, o objetivo é construir uma nova sede para a Brigada Militar, uma escola modelo de Ensino Infantil e Fundamental que comportará mais de 300 alunos, além de 44 casas que serão destinadas às famílias ainda desabrigadas.
O modelo construtivo que foi contratado da empresa Mopo, de Gravataí, é constituído basicamente de estruturas metálicas. Conforme o presidente da Acis Caí, o projeto total está estimado em R$ 12 milhões, já tendo sido arrecadado até agora R$ 10,6 milhões. "O objetivo é trazer novas perspectivas de vida para a população caiense e direcionar o crescimento da cidade para outro lado, longe do rio Caí e que não é alagável", explica Oderich ao informar que 90% da região central da cidade foi afetada.
O Parque das Bergamotas - nome escolhido por ser a fruta símbolo da cidade - contará com árvores bergamoteiras enriquecendo o paisagismo das áreas comuns de parque e passeio e a previsão é estar totalmente concluído até o início do ano letivo de 2026. A obra do posto da BM já iniciou e deve ser entregue até julho. Na sequência, começam as construções da escola e primeiras moradias.
A indústria Conservas Oderich S.A. - fundada em 1908, em São Sebastião do Caí - foi uma das empresas que precisou paralisar atividades por conta das águas tanto nas sedes do Caí quanto na sua fábrica de embalagens metálicas em Eldorado do Sul.
No final do ano, depois de meses de burocracia, conforme ressalta Oderich, gerente de marketing, a empresa conseguiu que o BNDES aprovasse R$ 120 milhões de financiamento para garantir capital de giro para a retomada de suas atividades e minimizar os impactos da enchente.
Agora estão sendo feitas obras de ampliação e reestruturação do CD e almoxarifado, elevação dos pisos da área produtiva, recompra e recuperação de maquinário de várias linhas. Mais próxima de conseguir normalizar o abastecimento de diversos itens que ainda enfrentam ruptura, a companhia planeja retomar suas ações de marketing e lançamentos de produtos que haviam sido interrompidos.
Publicada em 29 de Abril de 2025 às 01:42
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*Carmen Carlet, jornalista formada pela Famecos, Pucrs. Atuou como colunista, repórter e correspondente de veículos especializados em propaganda e marketing. Atualmente, trabalha com assessoria de comunicação, produção de conteúdo e conexões criativas.