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Publicada em 02 de Maio de 2025 às 16:33

Empresas perderam mais de R$ 20 bilhões na tragédia climática

Águas invadiram estabelecimentos no Quarto Distrito e ainda geram prejuízos a empreendedores

Águas invadiram estabelecimentos no Quarto Distrito e ainda geram prejuízos a empreendedores

EVANDRO OLIVEIRA/JC
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Ana Esteves, especial para o JC“Eu nunca estive numa guerra, mas acredito que o cenário seja bem parecido. A única vontade que eu tinha era de chorar." O sentimento do empresário do Quarto Distrito de Porto Alegre Thalisson Terras Spessatto dura até hoje, um ano após a tragédia da enchente, como um trauma para ele e, apesar de vivências diferentes, para todos os gaúchos. O cenário da maior catástrofe climática vivida por esses pagos não se apagará da memória. A dor e a tristeza das perdas durarão para sempre, junto com o medo de que aconteça novamente.
Ana Esteves, especial para o JC

“Eu nunca estive numa guerra, mas acredito que o cenário seja bem parecido. A única vontade que eu tinha era de chorar." O sentimento do empresário do Quarto Distrito de Porto Alegre Thalisson Terras Spessatto dura até hoje, um ano após a tragédia da enchente, como um trauma para ele e, apesar de vivências diferentes, para todos os gaúchos. O cenário da maior catástrofe climática vivida por esses pagos não se apagará da memória. A dor e a tristeza das perdas durarão para sempre, junto com o medo de que aconteça novamente.
O impacto econômico da enchente foi gigantesco: conforme dados da Fecomércio-RS, as perdas empresariais provocadas por danos patrimoniais foram estimadas em R$ 20 bilhões, fato que culminou com o fechamento de empresas na área afetada, como indica o nível 10% menor de estabelecimentos que haviam emitido notas fiscais eletrônicas em novembro na área inundada, segundo dados do boletim da Receita Estadual.
Informações do relatório completo de extinção de empresas no Estado, divulgado pela Junta Comercial do Rio Grande do Sul, mostram que, em 2024, no segmento de comércio, se extinguiram 18.241 empresas e, na indústria, foram 6.493. Em 2023, as extinções no comércio foram de 6.680 e na indústria foram 2.735. Os dados de 2022 apontam que no comércio fecharam as portas 5.325 empresas e na indústria, 2.129.
Diante da extensão da área afetada pelas águas, a interrupção do fluxo de atividade e as dinâmicas de reativação distintas em diferentes locais impuseram grandes perdas de faturamento. “Em um contexto da falta de medidas mais abrangentes para empresas fora da área de inundação, a maior parte das empresas tiveram na descapitalização, dos negócios e dos sócios, a principal forma de enfrentar as dificuldades impostas pela tragédia. Ou seja, os impactos foram sem precedentes, e as sequelas sobre nossa estrutura produtiva e capacidade de investimento também”, diz o presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn.
As enchentes atingiram fortemente os principais centros econômicos do Estado, com oito dos dez municípios com as maiores economias do Rio Grande do Sul tendo ficado em estado de calamidade pública. "A dimensão fica evidente quando se observa que os 95 municípios em calamidade, mesmo representando menos de 20% de todos municípios, respondiam por mais metade da economia gaúcha (53,8% do PIB) e mais de 60% do setor de serviços (61,4%), que inclui o comércio”, afirma o presidente da Fecomércio-RS.
Segundo ele, para entender o cenário presente é preciso de duas lentes: a da atividade econômica e dos impactos na estrutura produtiva. Se os dados agregados da atividade econômica são positivos e mostram, além da sustentação da agropecuária, o movimento da reconstrução, por outro lado, a abertura dos resultados do comércio, pelas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra uma dinâmica heterogênea que marcou 2024. “Houve crescimento extraordinário do comércio gaúcho (+9,3% RS; +3,7% Brasil), que respondeu à injeção de recursos e à necessidade imediata de recomposição de itens urgentes, e o desempenho muito fraco dos serviços (-7,3% RS; +3,1% Brasil), ainda em patamar muito baixo e distante de recuperar o nível pré-enchente”, afirma Bohn.
Essa heterogeneidade no fluxo de recuperação entre os setores também é verificada entre as empresas de cada segmento e entre as regiões do Estado, o que leva ao questionamento de quanto a estrutura produtiva segue impactada pela tragédia.
No setor industrial, o efeito da enchente histórica foi muito significativo e atingiu 63% das
empresas no pior momento. Essa situação gerou perdas significativas em empregos, arrecadação de impostos e produção. “Apesar dos esforços e já de alguns resultados positivos, muitos negócios ainda lutam para retomar operações normais. As empresas necessitam de crédito e apoio para regularização de questões tributárias”, afirma o presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Claudio Bier.
Um estudo realizado pela Unidade de Estudos Econômicos da Fiergs revela que nos municípios afetados – em estado de calamidade pública ou situação de emergência – estavam localizadas 47 mil do total de 51 mil indústrias e que empregavam 813 mil pessoas.
 

Cervejaria ficou 34 dias submersa e teve prejuízo de R$ 150 mil

Humberto Fröelic viu a história da empresa, fundada em 2013, ser levada junto com as águas

Humberto Fröelic viu a história da empresa, fundada em 2013, ser levada junto com as águas

BRENO BAUER/JC
A cervejaria Babel, localizada no bairro Anchieta, em Porto Alegre, ficou 34 dias submersa: foram mais de dois metros de água, misturada com esgoto e barro, banhando tudo o que, desde 2013, fazia parte da cervejaria. “Tudo o que era metal enferrujou, o que era madeira apodreceu, os plásticos ficaram manchados e tudo que era papel embalagem virou mingau, foi dissolvido”, afirma o proprietário da empresa, Humberto Fröhlich.
O prejuízo financeiro ficou na casa dos R$ 150 mil. Eles conseguiram recuperar R$ 40 mil, através de doações, vaquinhas, financiamentos coletivos ou de pessoas que quiseram ajudar, dos quais R$ 15 mil vieram do Sebrae. “Conseguimos comprar peças para o maquinário e, como sou engenheiro, nós mesmos fomos consertando, limpando, pintando o ambiente e recuperamos só com esse valor. Essa foi a nossa saga no pós-enchente”, conta.
Fröhlich lembra que a água da enchente se misturou com os produtos químicos das indústrias do bairro, os quais ficaram todos diluídos nessa água. “Ficava aquela mancha tipo de solvente, de óleo, em cima da superfície. O que fez muitas peças das máquinas, os portões de metal, descascar a tinta, ficando tudo muito danificado." Segundo ele, todos os motores precisaram ser abertos e consertados, rolamentos trocados, todas as peças elétricas, os painéis tiveram que ser integralmente refeitos, além da limpeza geral e pintura de todo o local. “E foi muita coisa jogada fora: toda a mobília, os documentos, as memórias, certificados de concursos, premiações foram perdidos. O que a gente tinha era uma pilha de sucata, de entulho que a gente conseguiu reverter e fazer com que voltasse a ser uma empresa."
O empresário revela que a ideia foi recuperar o que deu para, caso resolva decretar falência, tenha algo em mãos para vender, sejam os equipamentos ou o nome da empresa. “Seria uma forma de não ter uma perda total, de ter algum valor na mão para não ter que reiniciar a vida absolutamente do zero." Fröhlich conta que deve seguir no bairro Anchieta, mesmo com medo de que aconteça nova enchente, pois falta recurso para abrir em outro local. “Considerando que o Executivo Municipal é o mesmo e que não resolveu nada, se acontecer uma enchente daqui a uma semana, não estamos protegidos, talvez estejamos menos protegidos agora do que em maio de 2024. A ideia não seria nem mudar para outro local, para outra região na cidade, mas deixar o município”, revela.

Ferragem optou por ficar no Quarto Distrito apesar do medo de novo alagamento
Com um prejuízo de R$ 850 mil, além do trauma do que passou e do medo de que aconteça novamente, o empresário do Quarto Distrito Thalisson Terras Spessatto reconstruiu o que pode da casa de materiais elétricos que ele e a família mantêm há 42 anos no bairro. Sair do local da tragédia e buscar um mais seguro, longe das águas do Guaíba, não era opção devido à crise que enfrenta após as enchentes e a falta de recursos para tal. “Decidimos ficar no Quarto Distrito, pois não temos fluxo de caixa o suficiente para realizar a troca da empresa de local, pois os prédios são próprios e tema questão sentimental desse lugar, onde criamos a empresa”. Ele conta que viveu “cenas muito fortes” e que nunca pensou que iria andar de barco no meio da Avenida São Pedro. “Foi muito complicado voltar na empresa e ver tudo destruído”. Spessatto conta que não acreditava que a água pudesse subir tanto, uma vez que a loja está a mais de um quilômetro do Guaíba.
Por isso, ele e os funcionários optaram por erguer poucas coisas que foram colocadas em cima de mesas. “Se soubéssemos da dimensão do alagamento, a gente poderia ter subido tudo para o segundo ou para o terceiro andar.” O resultado foi a perda de tudo o que estava no térreo da loja e do estoque, ambas na avenida São Pedro. As vitrines caíram, a porta de ferro rompeu com a força da água, vidros foram quebrados e os móveis em MDF todos perdidos. Além disso, a loja ficou 45 dias fechada, sem faturar “O investimento para reabrir foi de cerca de R$ 80 mil. Contou com a colaboração de alguns fornecedores que adiaram as cobranças, outros ofereceram móveis para reestruturar a loja." O empresário acrescenta que o processo de reconstrução foi complicado pela falta de linha de crédito do governo. “As que os bancos particulares ofereciam eram linhas com custo muito elevado. A única coisa que nós conseguimos do governo foi a habilitação dos funcionários no seguro-desemprego”, protesta. Além disso, o empresário espera medidas públicas para evitar que uma nova tragédia aconteça. “Quando a chuva está contínua, olhamos na câmera para ver se a água chegou, se está longe”.
O presidente da Associação dos Empresários do Quarto Distrito, Arlei Romero, afirma que foram 4.299 empresas atingidas nessa região de Porto Alegre, enquanto que, em toda a Capital foram 45.970 empresas atingidas, conforme dados da Prefeitura de Porto Alegre. “Não temos o número de quantas fecharam, mas basta dar uma volta no bairro para ver a quantidade de estabelecimentos que fecharam. O lado bom é que das que reabriram, 90% voltaram em melhores condições do que estavam antes da enchente", afirma.

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