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Cresce a procura por fundos de investimentos da agroindústria
O primeiro fundo de investimento agroindustrial começou a ser negociado em outubro de 2021
Sandra Chelmicki, especial para o JC*
Há dois anos, a cadeia produtiva do agronegócio ganhou uma nova fonte de financiamento que não para de crescer. Os Fiagros (Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais) vêm demonstrando a importância da democratização de acesso ao investimento no setor pelos seus números: mais de 300 mil investidores e patrimônio líquido de R$ 15 bilhões (julho/23). A alternativa de aplicação cresce em popularidade, segundo especialistas, por ser segura, ter bom rendimento e ainda financiar diretamente o setor considerado o mais dinâmico da economia brasileira.
Os Fiagros (Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais) estão prestes a completar dois anos de existência. Inspirados nos fundos imobiliários e regulados provisoriamente por meio da Resolução 39 da CVM (Comissão de Valores Imobiliários), em julho de 2021, o primeiro deles começou a ser negociado em outubro daquele ano. De lá para cá, são 48 Fiagros, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
O patrimônio líquido desses fundos chegou a R$ 15 bilhões em julho de 2023. Segundo a Anbima, eles alcançaram R$ 4,7 bilhões em emissões no primeiro semestre de 2023, volume que representa um incremento de 50,4% em relação ao resultado obtido nos seis primeiros meses do ano passado (R$ 3,1 bilhões). No primeiro semestre deste ano, a diferença entre aportes e regastes alcançou R$ 1,6 bilhão, superando o patamar registrado no mesmo período do ano anterior (R$ 1 bilhão). "Esse resultado está diretamente ligado ao papel do mercado de capitais no financiamento das atividades do agronegócio, que se torna cada vez mais relevante no PIB nacional", afirma Sergio Cutolo, vice-presidente da Anbima.
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A maior parte dos Fiagros, 30 deles, estão listados em bolsa, e números consolidados da B3, de julho, dão conta de 338,4 mil investidores e estoque ultrapassando os R$ 8,8 bilhões. De acordo com Marielle Brugnari, gerente de Produtos de Commodities da B3, a maioria dos investidores são pessoa física, que investem buscando os rendimentos gerados. "O mercado cresceu rápido, mas ainda há muito espaço, dado o próprio tamanho e importância do setor subjacente e sua necessidade de crédito", aponta.
O agronegócio é um setor extremamente dinâmico, representando aproximadamente 25% do PIB do Brasil. Segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) o PIB do setor apresentou ligeiro avanço (0,19%) no primeiro trimestre de 2023, após um ano de queda (em 2022, foi registrado -4,22%, representado 24,8% do total do PIB nacional). "Esse desempenho foi devido a custos muito elevados, e neste ano temos visto que está sendo diferente e a expectativa para 2024 também é boa", afirma Bruno Santana, fundador e CEO da Kijani Investimentos.
Já a participação do agronegócio no mercado de capitais é de menos de 5%, de acordo com Santana. Nessa direção, Octaciano Neto, diretor de Agro no Grupo Suno, posiciona os Fiagros como uma ferramenta poderosa, pois se trata de uma indústria que não existia e que em dois anos passa a atrair mais de 300 mil brasileiros. "Existia o desejo de se investir e faltava o produto. Acredito que até o fim da década de 2020 o mercado de capitais será a principal fonte de financiamento do setor", diz.
Assim, os Fiagros atendem não só à necessidade de crédito do produtor rural mas também a um nítido desejo do investidor. "É uma excelente alternativa de investimento, paga mais do que as operações bancárias, e ainda financia o agronegócio na veia", resume o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz. Ele lembra que os Fiagros foram construídos para ser uma alternativa de elo entre o produtor e o mercado de capitais, encurtando o caminho entre o bolso de um e o de outro.
A perspectiva geral do mercado é de que o crescimento continue. "Do lado do investidor, é um investimento atrativo, pois não há um movimento brusco de queda da taxa de juros. Então, não existe uma perspectiva de que de alguma forma, isso vai a curto prazo, médio prazo, tornar o produto menos atrativo aos investidores", acredita Marielle. Para Neto, a redução na Selic, se olhada isoladamente para esse tipo de investimento, é ruim, já que é atrelado a CDI. "Por outro lado, nesses cenários, o investidor tende a migrar para a renda variável, pois a diferença de rentabilidade é ampliada".
Luz lembra que a Farsul participou das discussões sobre a criação dos Fiagros e afirma que nunca teve dúvidas do potencial desses fundos - ele mesmo é um investidor - e também acredita na sua expansão, pois os pequenos e médios produtores podem ter seu acesso ao mercado ampliado. "A tendência é ter financiamentos mais diretos, fazer a cidade participar mais dos resultados do campo e o campo crescer mais com a ajuda da cidade", sintetiza.
Entendendo os Fiagros
Os Fiagros são fundos que alocam o patrimônio de seus investidores em ativos do agronegócio. Ou seja, é possível investir no setor sem ter que plantar soja ou comprar uma fazenda, por exemplo. Seu funcionamento é semelhante ao de outros fundos de investimentos, especialmente dos fundos imobiliários, no qual ele foi inspirado. Existem três categorias: FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios), FII (Fundo de Investimento Imobiliário) e FIP (Fundo de Investimento em Participações).
Os Fiagros buscam democratizar o acesso ao investimento em imóveis, dívidas de produtores, títulos de securitização e participação societária no capital de negócios do agro. Entre as vantagens para o investidor estão a diversificação com ativos do próprio setor (veja o box), o que diminui consideravelmente os riscos inerentes. A gestão profissionalizada dos Fiagros, o baixo valor de entrada (cotas podem ser adquiridas por cerca de 10 reais, nos chamados fundos de base 10) e a liquidez (pelo fato da maioria ser negociada em bolsa, há facilidade de aplicação e resgate) também são atrativos.
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"Os principais riscos estão relacionados às condições macroeconômicas em geral (ex. taxas de juros, inflação e cotação do dólar), às políticas públicas (ex. tributária), ao preço das commodities, e às adversidades no clima", elenca Bruno Santana, fundador e CEO da Kijani Investimentos. A sazonalidade do setor também pesa, pois diferentemente de outras áreas e negócios, a agricultura apresenta períodos específicos para realizar o plantio e a colheita - por isso, as receitas não são constantes.
O investimento em Fiagros, em grande parte negociados na bolsa, pode ser feito por uma corretora, sendo necessária a abertura de uma conta. A rentabilidade geralmente é atrelada ao CDI, indicador que acompanha os movimentos da taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 13,25% ao ano (veja no quadro os principais Fiagros listados na B3).
Ao aplicar nesses fundos, os investidores esperam o retorno de capital pela distribuição de rendimentos, pela venda das cotas em mercado ou pelo resgate dessas cotas pelo fundo (devolução do capital investido aos cotistas), tudo a depender das regras de constituição de cada um. "As distribuições mensais ocorrem se o fundo trabalha com uma estrutura financeira capaz de compensar meses em que não ocorrem pagamentos", explica Octaciano Neto, diretor de Agro no Grupo Suno.
Como a legislação optou por concentrar a tributação dos rendimentos e ganhos no nível dos cotistas, em regra, eles não serão tributados em sua carteira de rendimentos. Para pessoa física, o rendimento é isento de IR se cumpridas as regras de número mínimo de 50 cotistas e máximo de 10% de participação por pessoa física. No entanto, há incidência de 20% de IR sobre o ganho de capital, no caso de venda de cotas com lucro. As pessoas jurídicas não são isentas e pagam 20% de IR.
Fundos de investimentos da agroindústria marcam evolução no mercado de capitais
O cenário do financiamento para o agronegócio evoluiu nos últimos 20 anos, e hoje é possível para o setor acessar inclusive os recursos das pessoas físicas interessadas em investir na cadeia. Num cenário de constante escassez de recursos para um setor que sempre demanda muito crédito (compra de sementes, adubo, máquinas, financiamento de terra e capital de giro, etc.) no longo processo entre plantio e colheita, a boa notícia é que a competição na oferta pode fazer o custo do dinheiro cair.
Segundo o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, o governo e as instituições financeiras não acompanham o crescimento do setor. "Hoje vemos a LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) com muita força, mas são recursos que ainda dependem da intermediação dos bancos para chegar ao produtor", sinaliza. Na LCA, parte da captação é direcionada para os produtores rurais, e o banco e o produtor definem prazo, juro e limite - de livre negociação entre as partes -, o que não acontece com o crédito oferecido pelo governo.
No caminho que o setor vem percorrendo rumo ao amadurecimento da relação com o mercado de capitais, uma das iniciativas importantes foi a da utilização da própria produção como garantia, por meio da CPR (Cédula de Produto Rural), por exemplo. "Depois, por volta da crise de 2008 no mercado internacional, temos as primeiras indústrias do agro, principalmente as grandes indústrias de proteína animal e as usinas de açúcar e etanol, acessando o mercado via emissões de dívidas, e mais tarde com a abertura de capital", lembra Bruno Santana, fundador e CEO da Kijani Investimentos.
Já o CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), instrumento que mais identifica o acesso do agronegócio ao mercado, teve crescimento muito grande entre 2015 em 2020. Com ele, o dinheiro é captado no mercado de capitais e o produtor é financiado, porém, com um ticket de entrada muito alto para o investidor. No Fiagro, é o inverso: uma gestora de ativos monta a estrutura do fundo e vai atrás do investidor, e é possível fazer isso inclusive com CRAs de uma determinada empresa. "Nesse sentido, o Fiagro é melhor, muito mais seguro", afirma Luz.
Para Octaciano Neto, diretor de Agro no Grupo Suno, o Fiagro muda o jogo porque é um comprador do CRA. "Comparando os dois, a criação de um Fiagro é muito mais simples e barata", analisa. Santana aponta também que esse tipo de fundo permite pulverizar os ativos. "Quando você coloca um investimento no Fiagro, sabe que não tem mais do que 5 ou 10% de exposição em cada elo da cadeia, e isso dá um conforto muito grande", destaca.
Em termos da participação de cada um desses instrumentos do financiamento privado do agronegócio, em junho deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado, os maiores estoques estavam na LCA, com R$ 420,8 bilhões, e na CPR, com R$ 259,58 bilhões. Os dados são do Boletim de Finanças Privadas do Agro, produzido pela Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que avalia o desempenho dos principais instrumentos de captação privada de recursos para o financiamento das cadeias produtivas do agronegócio. De todo o montante, o Fiagro responde por quase 2% do financiamento da cadeia.
Ainda de acordo com o boletim, o estoque do Fiagro foi o que teve maior variação no período (de R$ 5 bilhões para R$ 15,6 bilhões), representando incremento de 212%. Isso é natural em se tratando de instrumento novo, porém não é possível negar sua popularidade, motivada pela diversificação com ativos do próprio setor, o baixo valor de entrada e a liquidez, e seu potencial de crescimento, pela representatividade do agronegócio na economia.
De acordo com Santana, estima-se que a cadeia do agro demanda entre 800 e 900 bilhões de reais de financiamento todos os anos. "Desse montante, um terço é financiado via linhas subsidiadas, outro terço é financiado pela cadeia de indústrias do agro, como cooperativas, revendas agrícolas e tradings, e o último terço é financiado pelo chamado mercado privado, bancos e mercado de capitais", diz.
Bolsa e balcão:quais são as diferenças?
Os primeiros Fiagros - e a maioria deles hoje - em oferta no mercado estão listados na bolsa de valores, a B3. Os Fiagros de balcão, ou "cetipados", surgiram depois e são negociados no ambiente da Cetip. Ambos são fiscalizados por entidades administradoras autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mas têm suas diferenças, especialmente no que se refere à volatilidade e liquidez.
De acordo com Bruno Santana, fundador e CEO da Kijani Investimentos, gestora que tem foco 100% na cadeia do agro, as vantagens e desvantagens entre uma operação listada e uma cetipada são exatamente opostas. "O fundo listado tem uma liquidez maior e também uma volatilidade maior. O cetipado tem uma liquidez um pouco menor e também menos volatilidade", compara.
Os fundos listados em bolsa têm uma flutuação do preço principal, que pode acontecer por dinâmicas de mercado, como taxa de juros e câmbio, que nada tem nada a ver com os fundamentos do ativo específico, com sua rentabilidade. Já o fundo cetipado tem uma liquidez um pouco menor e também menos volatilidade. "Ele tem a marcação do preço muito vinculada à marcação do patrimônio do fundo. Em última instância, o investidor vai perceber seu patrimônio muito mais vinculado àquilo que está sendo empregado em termos de gestão efetiva do risco/retorno", explica Santana. Ele acredita que é fundamental entregar para o investidor uma pulverização setorial e regional em termos de ativos, em razão das dinâmicas do agronegócio.
Para Octaciano Neto, diretor de Agro do Grupo Suno, independentemente do tipo de fiagro escolhido, estar fora do agronegócio é estar fora do setor que mais tem vantagem competitiva no Brasil. A diversificação de carteiras, segundo ele, com 30% dos investimentos no agro é um caminho natural - um pouco de ação, outro tanto de renda fixa, um pouco de fundo imobiliário. "O Fiagro tende a crescer bastante por ser um produto popular, mais fácil de investir e que as pessoas compreendem", diz.
Dos Fiagros listados na bolsa, o Suno Asset foi um dos mais negociados em julho. É um fundo de base 10, ou seja, cujas cotas são negociadas com valores próximos a R$ 10,00.
Em julho, registrou 46,3 mil cotistas e patrimônio líquido de R$ 302 milhões. Atualmente, 95% do patrimônio líquido do fundo é exposto ao mercado de soja, incluindo CRIs (Certificado de Recebíveis Imobiliários) e imóveis, mas segundo sua política de investimento, também pode investir em CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) e LCA (Letras de Crédito do Agronegócio).
Exemplo de fundo cetipado, Kijani Asatala, está entre os maiores do tipo do Brasil, com património líquido de mais de R$ 680 milhões - quase 5% de todo o patrimônio líquido dos Fiagros hoje. São 25 ativos no portfólio do fundo, que foi lançado em janeiro de 2022 e mais de 16 mil CPFs de pessoas físicas entre seus investidores. Independentemente do ambiente em estiver negociado, os Fiagros permitem a exposição do investidor à cadeia produtiva do agronegócio.
Regulação em pauta na CVM
Em 2021, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) possibilitou a criação de Fiagros por meio do aproveitamento da plataforma regulatória que já existia para outros fundos (especialmente o imobiliário) num caráter que ela própria determinou como experimental.
A iniciativa tinha o objetivo de atender a necessidade de estruturação, de forma rápida, de um veículo de investimento coletivo especifico para aplicação de recursos no agronegócio. A ideia é que até o final deste ano seja criada uma regulamentação específica dos Fiagros.
De maneira geral, o mercado entendeu como uma decisão acertada a da CVM, de basear a regulação dos Fiagros num produto que já era de bastante conhecimento, mas com expansão de escopo de investimentos e aprimoramentos para torná-lo flexível e atrativo. "Acho que o legislador teve gigantesco mérito ao fazer essa legislação transitória. Claro que não se teve tempo ainda para amarrar todas as pontas soltas, mas acredito que foi fantástico ter começado, tirado do papel, ter tracionado o mercado", avalia Bruno Santana, fundador e CEO da Kijani Investimentos.
A regulamentação específica de Fiagro integra a agenda regulatória de 2023 da CVM, ou seja, foi definida como uma de suas prioridades. Assim, a comissão deve soltar a audiência pública sobre os Fiagros e editar a norma definitiva ainda neste ano. "A CVM está muito atenta ao seu papel enquanto regulador para promover ainda mais o agronegócio e quer trazer o mercado de capitais para este contexto", comentou, no site da entidade, o presidente João Pedro Nascimento.
"O que se sabe é que a CVM pretende criar uma categoria única de Fiagro", afirma Marielle Brugnari, gerente de Produtos de Commodities da B3. Isso possibilitaria aos gestores criar outras estratégias de investimento dos próprios fundos, mesclando as categorias criadas na fase transitória, em 2021.
Octaciano Neto, diretor de Agro no Grupo Suno, acredita que a regulação deve fortalecer o ecossistema de soluções do agronegócio. "Torço para que traga alguns novos elementos e que ganhem espaço as agritechs (aproximadamente 2 mil empresas no Brasil) e as CPRs (Cédulas do Produto Rural), pois são mais simples do que o CRA e não necessitam de securitizadora", destacou.
*Sandra Chelmicki é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tem especialização em Gestão de Projetos e em Design Instrucional. Atuou como repórter e subeditora no Jornal do Comércio, como freelancer na Superinteressante e como editora na Artmed. Hoje, atua como freelancer em reportagem e em produção de conteúdo e de materiais didáticos.