No coração do Centro Histórico de Porto Alegre, o Mercado Público - o mais antigo do Brasil, prestes a completar 156 anos - busca se reerguer após os prejuízos da enchente de 2024, que o manteve fechado por 41 dias e causou perdas de cerca de R$ 40 milhões. O desastre veio justamente quando os mercadeiros começavam a recuperar o ritmo após a pandemia. Agora, com melhorias no prédio, lojas renovadas e novas operações chegando, o espaço retoma seu papel com esperança renovada - e com um detalhe simbólico: o aroma marcante do mercado voltou, graças à modernização do sistema hidrossanitário.

Mais antigo do Brasil, inaugurado em 3 de outubro de 1869, o Mercado da capital gaúcha é hoje uma referência gastronômica e turística da cidade
TÂNIA MEINERZ/JCQual cidade do mundo não se orgulha de seu Mercado Público, um espaço inclusivo e democrático, onde se misturam cores, aromas e sabores? Em Porto Alegre não é diferente. Mais antigo do Brasil - inaugurado em 3 de outubro de 1869 - o mercado da capital gaúcha é hoje uma referência gastronômica e já foi palco de grandes discussões dos rumos da história brasileira.
Figuras ilustres como D. Pedro II e Getúlio Vargas são nomes que frequentaram o grande prédio amarelo localizado em um quadrilátero de 80 x 80 metros no coração do Centro Histórico. Paladino da história do Mercado, o atual gestor, Ronaldo Pinto Gomes, conta que até os anos 1970 ali era o centro das decisões políticas, econômicas, sociais e culturais não só da cidade, mas, em alguns momentos, do Brasil.
Hoje, o empreendimento construído em estilo arquitetônico eclético, mesclando elementos neoclássicos e influências do período imperial, recupera-se da calamidade que o manteve fechado por 41 dias, em 2024, quando a água alcançou 1,80m no centro do prédio e promoveu prejuízos estimados em R$ 40 milhões.
Para o restabelecimento do fluxo diário de 30 mil pessoas, as 104 operações do Mercado se firmam no tripé tradição, atendimento e qualidade. "Embora ainda não tenhamos o mesmo movimento de antes da enchente, temos certeza de que alcançaremos em breve", avalia Rafael Sartori, presidente da Associação dos Permissionários do Mercado Público (APMP), ao adiantar que a chegada de novos mercadeiros será importante para a retomada.

Outras melhorias, conforme Gomes, serão feitas com aporte de R$ 15 milhões
Carmen Carlet/Especial/JC
Entre as novidades que chegam estão um boteco, um restaurante tailandês, a ampliação de um café e uma cervejaria artesanal. Além disso, Sartori conta que projetos que foram desacelerados no ano passado devem retomar agora, como a instalação de parklets (que são as extensões da calçada) na lateral do Paço Municipal. Outras melhorias, conforme Gomes, serão feitas com o aporte de R$ 15 milhões - via lei Rouanet - para recuperação do telhado e pintura interna.
O gestor estima que esta reforma deverá acontecer ainda em 2025. Outra novidade e que já pode ser detectada é o "cheiro do mercado". Se podemos considerar resultados positivos da enchente, uma delas foi a recuperação e modernização do sistema hidrossanitário.

Sartori destaca investimentos de cerca de R$ 700 mil na recuperação do local
TÂNIA MEINERZ/JC
"Hoje quem anda pelos corredores consegue sentir o cheiro dos alimentos frescos, das especiarias, das carnes e das cozinhas", comemora Sartori, ao dizer que foram investidos cerca de R$ 700 mil na obra. "Todo encanamento foi potencializado com bitolas e caixas maiores para poder ter um melhor escoamento, principalmente da água da chuva que desce pelos pilares do mercado e acaba indo para o hidrossanitário tirar para fora do mercado", explica.
Cronologia da tragédia

Mercadeiros tiveram muitas perdas com o avanço das águas
Giulian Serafim/PMPA/JCMaio de 2024 não foi fácil para os gaúchos. De forma incrédula, os mercadeiros acompanharam hora a hora a chegada das águas que culminou numa das mais emblemáticas imagens da enchente gaúcha. Sartori conta que, no feriado do dia 1º de maio, bancas e restaurantes estavam fechados. No dia seguinte, observaram o avanço da tragédia pelo Estado. Em 3 de maio, uma sexta-feira, o Guaíba não resistiu e as águas invadiram diversas áreas da Capital, incluindo regiões centrais e populosas, transformando paisagens e causando grande impacto na população. No Mercado Público não foi diferente.
Bem cedo, às 6 horas, quando os corredores estariam a pleno movimento com a chegada das mercadorias do dia, a tampa do hidrossanitário foi aberta para verificação do nível de água. O presidente da Associação dos Permissionários do Mercado Público (APMP), Rafael Sartori, relembra que já estava em 10 cm, quando, em condições normais, alcança 2 cm. "Ali, o desespero começou a pegar", conta Sartori, ao dizer que, na sequência ocorreu uma reunião com o poder público.
Às 10 horas, o gestor do Mercado Público, Ronaldo Pinto Gomes, se posicionou no centro do prédio anunciando com um megafone que as portas seriam fechadas e os permissionários deveriam se organizar para retirar o que poderia ser salvo até as 16 horas. Gomes lamenta que nem todos tenham acreditado na catástrofe que estava prestes a acontecer e muitos mercadeiros tiveram sérios prejuízos. Uma das bancas que se mobilizou e conseguiu salvar boa parte do estoque foi a do Holandês.
Construção resistiu a outros sinistros

Atualmente, o Bará do Mercado é tombado como patrimônio
TÂNIA MEINERZ/JCA história da formação e desenvolvimento de Porto Alegre está estreitamente ligada às margens do Guaíba, ao porto, ao comércio. A ideia de construir o Mercado Público Central começou a ser debatida em 1857, uma vez que o mercado anterior - datado de 1844 - não atendia as necessidades do estágio de desenvolvimento em que se encontrava a capital gaúcha.
Para resolver a questão, foi encomendado um projeto ao arquiteto alemão Friedrich Heydtmann. Concluído em 1869, o Mercado Público tornou-se o mais importante centro de abastecimento organizado da cidade. Originalmente, foi erguido em um único pavimento, abrigando as mais diversas atividades, como armazéns, bares, açougues, fruteiras, restaurantes, barbearias, companhia de seguro e até hotéis.
No entanto, o prédio sofreu várias transformações ao longo do tempo. Entre 1871 e 1873, o pátio interno foi calçado e arborizado, quando também começaram as discussões sobre a construção de um segundo pavimento. Antes de ser concluída a nova obra, outra alteração aconteceu no pátio central, em 1886: a construção de chalés de madeira, que eram utilizados como banca de vendas.

A ideia de construir o Mercado Público Central começou a ser debatida em 1857
TÂNIA MEINERZ/JC
Em 1912 foi concluído o segundo andar, que seria destinado a escritórios comerciais e industriais, agência de representações e repartições públicas. Na sequência, um incêndio destruiu as bancas internas, mais tarde substituídas por outras, com estruturas metálicas.
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A construção do segundo pavimento implicou na alteração das fachadas dando ao edifício a feição que mantém até hoje. Em 1962, foi coberta a passagem interna em forma de cruz. Na sua história, o Mercado passou por momentos difíceis tais como a enchente de 1941, os incêndios de 1976 e 1979. O sinistro de 2013 foi considerado o de maiores proporções e impacto, destruindo 60% do segundo piso - oito estabelecimentos e o memorial - e deixando toda a capital gaúcha espantada ao acompanhar pelas imagens das emissoras de televisão o "seu mercado" queimando.
O funcionamento normal viria a acontecer somente em 2022. Diante das dificuldades e tanto significado para a cidade, o MP se transformou em um símbolo de resistência, assim, através da Lei 4317/77 passou a ser Patrimônio Histórico Cultural de Porto Alegre. No que diz respeito ao caráter religioso que envolve o prédio, especialmente para a população negra ligada às religiões afro-brasileiras consta que, no miolo do mercado foi "assentado" um Orixá denominado Bará, cujo símbolo representa fartura, trabalho, abertura e fechamento dos caminhos.
Sem uma história totalmente comprovada, existem duas probabilidades para este assentamento. A primeira é que tenha sido feito pelos negros na época da construção do edifício. Alguns religiosos, porém, acreditam que foi obra do Príncipe Eusébio - mais conhecido como Custódio Joaquim de Almeida, um dirigente tribal africano, exilado no Brasil, onde se tornou famoso como curandeiro e líder religioso.
Banca mais antiga reverencia a ancestralidade

A banca número 1 Claudia de Paoli, proprietária, Mercado Público
Carmen Carlet/Especial/JCO Mercado Público possui quatro bancas de artigos religiosos e flora localizadas no lado esquerdo de quem entra no prédio por qualquer um dos portões. A banca número 1 é uma delas. "Na minha ingenuidade não imaginei que a água subiria tanto, quando o 'Seu Ronaldo' anunciou que o Mercado fecharia, imaginei que a água ficaria, no máximo, na canela e chegou a mais de um metro e meio", relembra Claudia de Paoli, proprietária, ao destacar que foi muito difícil reabrir a loja e constatar toda a destruição que tinha acontecido.
"A primeira vontade foi virar as costas e ir embora", rememora a empreendedora. Um ano depois, a loja está funcionando e se readapta ao novo momento. "A vida está aos poucos retomando, embora o movimento ainda esteja abaixo do ideal", fala Claudia, ao contar que tem buscado repor estoque com fornecedores de empresas que não foram atingidas além de representantes de São Paulo e Paraná.
A banca Bandeira - a número 1 - tem uma história peculiar. A atual mercadeira conta que, de acordo com as informações que passam por gerações, o espaço foi um presente ao príncipe Eusébio e dado em honraria aos escravizados que construíram a edificação. Ela acredita que ali foi inaugurada uma flora justamente por conta da ascendência desses escravizados que não encontravam um local onde comprar elementos e materiais para serem usados em rituais para seus Orixás. A loja ficou na família Bandeira até 1986, quando a última proprietária do ponto, já em idade avançada, se viu obrigada a vender com a intenção de que o negócio continuasse. Quem adquiriu foi Leonel de Paoli, em sociedade com seu irmão e sobrinho.
"Foi muito estranho porque nossa família é católica e meu pai queria instalar um petshop", conta Claudia. Porém, manter o ramo era uma exigência de dona Morena ao novo proprietário. Como saída, ele aprendeu e passou a conhecer as religiões de matriz africana. Hoje, Claudia (segunda geração da nova família) toca o negócio e tenta ter uma variedade que atenda todas as demandas dos clientes. "As pessoas chegam aqui com uma listinha na mão e vamos encontrando nesses milhares de itens que comercializamos aqui".
Grupo Press prepara a maior loja do Mercado

Carla quer levar um formato mais adequado ao espaço icônico da Capital
Marketing Press/Divulgação/JCGrupo Press e Carla Tellini são dois nomes ansiosamente comentados e aguardados no Mercado Público. Afinal, a marca já tradicional na cidade prepara o início das operações para o segundo semestre deste ano. "Estamos seguindo o cronograma previsto no edital", afirma a empresária e publicitária que comanda a empresa, destacando, entretanto, que como todo projeto com a magnitude do que está sendo implantado no Mercado Público, podem acontecer alguns ajustes ao longo do caminho, "mas estamos trabalhando com muito empenho para que tudo avance dentro do esperado", tranquiliza.
Neste momento, eles estão na fase de levantamento técnico do espaço. "Na última semana, recebemos a visita do arquiteto responsável pelo projeto, que já está analisando a planta baixa e avaliando as condições estruturais do local", conta Carla ao destacar que a limpeza do ambiente também já começou, o que marca o início efetivo dessa etapa. "É um processo detalhado, conduzido com muito cuidado, especialmente por se tratar de um prédio histórico", analisa.
A nova operação terá 388 m², distribuídos em dois andares, com uma vista privilegiada para o Largo Glênio Peres — um ponto simbólico da cidade, que certamente dará ainda mais vida ao projeto. Ainda sem ter definido o tipo de operação que vai instalar, a empresária diz que está estudando com muito cuidado o local, o público e as características do Mercado Público para definir o formato mais adequado.
"Nesse processo, avaliamos também o portfólio do Grupo Press para entender qual ou quais das nossas marcas se conectam com esse espaço tão especial", adianta a futura mercadeira, não descartando a possibilidade de apresentar novidades ou até mais de uma marca envolvida, "por enquanto ficamos no suspense", afirma entre risos. Ela garante, porém, que tudo está sendo pensado com muita responsabilidade e carinho, para que a entrega esteja à altura da história e da importância do Mercado para os gaúchos e para quem nos visita.
Carla destaca que o Mercado Público é um símbolo da história, da cultura e da identidade de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. "É um espaço onde as tradições e as diferentes expressões da culinária se encontram, é onde tudo começou", comenta acrescentando que estar nesse local é, para o Grupo Press, uma responsabilidade enorme e também uma honra. "Nossa trajetória sempre foi pautada pela busca constante pela excelência, pelo cuidado com a experiência do cliente e pelo uso de ingredientes de altíssima qualidade".
Ao assumir a maior loja do Mercado, Carla quer somar, contribuir com a sua expertise, e a solidez construída, além de assumir o compromisso de valorizar ainda mais esse espaço tão icônico. "Queremos que a nossa presença seja um tributo à tradição e, ao mesmo tempo, uma ponte para o novo — respeitando o passado e olhando para o futuro com inovação e responsabilidade", finaliza a CEO e fundadora do Grupo Press.
Gambrinus inova com carta de vinhos gaúchos

João Alberto Melo criou nova carta de vinhos valorizando a produção gaúcha
Carmen Carlet/Especial/JCConsiderado o restaurante mais antigo do estado e um dos mais tradicionais do Brasil, o Gambrinus foi fundado em 1889 - ano da Proclamação da República - por uma confraria de alemães que utilizavam o espaço para confraternizar e beber cerveja. A história atual iniciou nos anos 1950, quando uma família vinda de Portugal em uma viagem de navio que durou 30 dias aportou na capital gaúcha, sem nada.
"A cidade os acolheu e deu oportunidades", destaca João Alberto Melo, terceira geração frente ao tradicional restaurante que foi assumido pela família em 1964. Desde então, o Gambrinus preserva suas origens ofertando uma gastronomia regional brasileira com influência portuguesa. No cardápio tradicional (com poucas alterações ao longo dos anos), predominam os pratos de frutos do mar, com destaque para bacalhau à Gomes de Sá e linguado ao molho de camarão.
Filés de carne e pratos típicos regionais também são servidos no restaurante que é ponto de encontro tradicional, no happy hour, oferecendo os famosos bolinhos de bacalhau e petiscos variados consumidos com acompanhamento de um chopp gelado ou uma taça de vinho.
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Bastante afetado pela enchente, tendo perdido todo maquinário, equipamentos de cozinha, mesas e cadeiras centenárias, Melo estima que o prejuízo do Gambrinus ultrapassou a casa de R$ 1 milhão. Um ano depois, a recuperação está lenta. "Já vínhamos com dificuldades desde a pandemia, onde todos foram afetados", conta o empresário ao destacar que a reabertura do aeroporto e o retorno do Trensurb melhoraram um pouco o cenário, com a vinda de turistas.
Formado em administração de empresas, Melo está sempre em busca de novidades. No pós-enchente, desenvolveu em parceria com o Sebrae-RS e Abrasel, uma carta de vinhos gaúchos de pequenos produtores com rótulos, métodos de produção e uvas diferentes. "Estamos buscando valorizar o local e mostrar para quem vem de fora a qualidade produzida aqui", finaliza Melo.
O sanduíche de mortadela gaúcho

Tomasel criou a versão "gaudéria" do prato característico de São Paulo
Carmen Carlet/Especia/JCO Mercadão de São Paulo é famoso por seu sanduíche de mortadela. Porém, o de Porto Alegre não fica atrás. Rodrigo Tomasel, proprietário do Essencial, restaurante que oferece chopp artesanal, comenta que em 2011 fez um curso de sommelier de cervejas em São Paulo e experimentou o famoso sanduíche.
Se perguntando porque não fazer um ao estilo gaúcho, Tomasel retornou com a intenção de incrementar o cardápio do Essencial com a iguaria. "Iniciei as pesquisas de ingredientes e acho que comi mais de dois quilos de mortadela até chegar à ideal", comenta o empreendedor, ao mostrar parte de sua receita: pão cacetinho, mortadela bolonha ouro, queijo colonial, rúcula, tomates secos e uma pasta verde, cuja preparação é secreta. O sanduíche tem tamanho suficiente para ser compartilhado entre duas ou três pessoas, acompanhando um chopp artesanal gelado.
Localizado no térreo, o Essencial foi bastante atingido pelas águas de maio e Tomasel estima que teve prejuízos mínimos de R$ 350 mil entre equipamentos e móveis. O empreendedor faz coro aos outros mercadeiros, quando salienta que a enchente só piorou uma situação que já vinha desde a pandemia que diminuiu o movimento de pessoas no centro da cidade.
A sobremesa dos tempos da Guerra

Bannel Júnior está à frente da Banca 40, famosa por suas sobremesas geladas, e uma das mais disputadas pelo público
Carmen Carlet/Especial/JCA Banca 40 - famosa por suas sobremesas geladas - teve toda sua estrutura destruída pelas águas que ocuparam o local por cerca de 20 dias. Conforme João Bonnel Júnior, gerente, foram 85 dias fechados e o prejuízo estimado em mais de R$ 250 mil com perda dos móveis de madeira, equipamentos e estoque.
"Em 2023 estava começando a melhorar o movimento e em maio do ano passado, desandou tudo", lamenta Júnior ao mesmo tempo em que se prepara para atrair a clientela de novo com os pratos próprios para os dias mais frios, como a sopa de capeletti.
Porém, mesmo com novidades sazonais, as sobremesas geladas continuam sendo a atração principal da banca que data de 1927. Entre as várias opções do cardápio, a Bomba Royal é a estrela. Reunindo salada de frutas, três sabores de sorvete e morango com nata batida, a sobremesa foi batizada com esse nome por ter sido criada na época da Segunda Guerra Mundial.
O proprietário na época, seu Manoel, atendeu pedidos dos clientes que queriam provar todos os sabores em um único doce. "Hoje é nossa sobremesa campeã", conta o gerente ao revelar que a empresa já está se mobilizando para comemorar o centenário com novidades.
Misturas personalizadas para matear

A Casa da Erva-Mate, ou banca 33, perdeu todo estoque. conta Giovanaz
Carmen Carlet/Especial/JCA Casa da Erva Mate - ou banca 33 - perdeu todo estoque que é formado em grande parte por produtos à granel. Gilmar Giovanaz, um dos sócios, conta que em maio do ano passado estava hospitalizado e não acompanhou de perto a subida da água. "Fui informado pelo meu filho", diz "seu Gilmar", ao apontar para sua loja e mostrar a marca resultante da enchente. Uma das bancas mais acolhedoras do Mercado Público, a 33 rescende a cheiro de couro das mateiras, folhas verdes, fumo de corda e artigos tipicamente gaúchos.
Fundada em 1963, ela se transformou em ponto certo para uma passada dos apreciadores do chimarrão. Esse encantamento não é por acaso. Muito acolhedor e com uma memória invejável, o proprietário sabe exatamente as proporções de misturas que seus clientes pedem.
Assim, ele foi angariando clientes fiéis e famosos, como o ator Thiago Lacerda, que tem sua mistura própria (50% pura folha e 50% erva fina), a qual é um sucesso de vendas na 33. O proprietário, no entanto, salienta que o cliente pode criar sua própria combinação. Se fizer sucesso e os amigos começarem a comprar, a mistura ganha o nome do autor.
Abastecido por produtores de municípios gaúchos como Venâncio Aires, Arvorezinha, Ilópolis e Palmeira, que fazem entregas semanais para que a erva mate esteja sempre verdinha, a Casa também trabalha com ervas de Santa Catarina e Argentina, que têm características diferentes das produzidas no Estado.
Chega a primeira hamburgueria

Cavalheiro relata que, nos fins de semana, são servidas cerca de 200 refeições
Carmen Carlet/Especia/JCPedro Albeche, Henrique Cavalheiro e Rafael Sartori abriram a Larguito no dia do aniversário de Porto Alegre no ano passado. Com pouco mais de um mês de funcionamento, a hamburgueria fechou e perdeu cerca de 20% do investimento inicial estimado em R$ 500 mil. O trio, quando pensou o negócio, optou por uma cozinha tecnológica - chamada concha e conduzida por uma pessoa, por tudo ser automatizado -, afinal a casa está localizada em uma porta e possui 36m² de área, precisando que tudo seja compacto.
Tendo a carne como diferencial dos seus pratos - a família de Sartori é proprietária da Casa de Carnes Santo Ângelo, um dos mais tradicionais açougues do Mercado.
Nos finais de semana são servidas, aproximadamente, 200 refeições para famílias e turistas em passagem por Porto Alegre. Para contemplar essa diversidade, a hamburgueria lançou uma feijoada com costela assada, servida aos sábados no almoço. "As pessoas desfrutam de mais tempo e, por consequência, mais tranquilidade para saborear o prato", observa Cavalheiro.
Ter CD fez a diferença para a Banca do Holandês

Adriana diz que levar mercadoria para o centro de distribuição foi essencial
Carmen Carlet/Especia/JCFundada em 1919 por Dirk Van Den Brul, a Banca do Holandês é uma das poucas que ainda mantém sua posição original e é considerada a primeira loja de especiarias de Porto Alegre. Destino obrigatório para chefs, gourmets e cozinheiros, a banca é especializada na comercialização de bacalhau, queijos, fiambres nobres, azeites e especiarias.
A história desta banca iniciou em 1907, quando a família de Dirk Van Den Brul saiu da Holanda por conta de uma grave crise econômica que assolava a Europa no começo do século XX. No início, a banca era de madeira e suas janelas se abriam para o atendimento ao público. Ao longo dos anos, a estrutura do pequeno comércio foi modernizada e, atualmente, ocupa um espaço de 34m² no centro do Mercado.
Em 2008, a banca 38 foi incorporada à marca, passando a se chamar Adega do Holandês e oferecendo aos clientes mais de mil rótulos de bebidas. Em 2018, a Holandês apostou no crescimento e investiu em Centro de Distribuição no bairro Floresta e três anos depois rompeu as fronteiras do Mercado Público, com a abertura da sua primeira loja de bairro no Bela Vista. Hoje possui também uma unidade no Higienópolis e deve inaugurar outra próximo ao Shopping Iguatemi.
A empresa, hoje, é comandada por Sérgio Lourenço, sua esposa Adriana Rosa e os filhos do casal. Adriana conta que a filha Renata foi quem tomou a iniciativa de precaver-se contra possíveis dificuldades que poderiam decorrer das chuvas, no ano passado. "Ela optou por levar a quantidade de estoque possível para nosso CD", relembra a gestora, ao dizer que a atitude foi essencial para reduzir os impactos do prejuízo. Mesmo assim, a Holandês está totalmente reformulada com balcões mais atrativos, onde os clientes têm uma melhor visibilidade das iguarias.
A gastronomia passeia pelas mais diversas culturas

Os sócios Guert Schinke e Caroline Borges anunciam a ampliação da área do Baden Café do Mercado Público
Carmen Carlet/Especia/JCO segundo andar é um território ainda a ser explorado pelo público. Totalmente reformulada, a praça de alimentação conta com cerca de 100 mesas, localizadas no centro e nas laterais que podem ser utilizadas pelos restaurantes: Rincón 74, Di Toni, Baden Café, Restaurante Sayuri, Bar Chopp 26, Taberna 32, Giallo Sanduicheria, Bistrô do Mercado, Osteria Del Mercato, Beijo Frio, além dos novos Tchê Boteco e Woking Thai Food.
No segundo semestre, devem se juntar a Mina Beer e o Grupo Press. Com uma grande mobilização para transformar o Mercado Público em um local de gastronomia variada, que atraia além dos clientes que passam pelas bancas do térreo, também turistas e famílias, o cardápio oferece um passeio pelas gastronomias brasileira, italiana, argentina, cafés especiais, frutos do mar, lanches, tailandesa, japonesa e comida vegana.
O Baden Café, inaugurado três dias antes da enchente, não foi diretamente atingido pelas águas. Porém, os sócios Guert Schinke e Caroline Borges não tiveram tempo para comemorar, pois fecharam logo em seguida. Na reabertura, a solidariedade veio à tona com a doação de cafés para as pessoas que estavam trabalhando na recuperação das lojas e bancas. Schinke conta que um dos motivos para instalar a conhecida marca especializada em cafés especiais no Mercado foi justamente pelo caráter democrático representado pelo local.
"É muito legal ver a vida que circula por aqui", comenta Schinke, ao observar que não há distinção de classes sociais. "A gente vê o desembargador, o político, o empresário, o funcionário público, o segurança", elenca. Hoje, o Baden que está localizado próximo a uma das escadas de acesso em uma loja de 64 m² e 26 lugares vai ter sua área ampliada para 90 m² com a abertura da porta ao lado onde será instalada uma vitrine do negócio, ainda neste primeiro semestre.
"A ideia é que, ao entrar na loja, o cliente conheça, inclusive, a torrefação de grãos", conta Caroline. Criada em 2012 como cafeteria, a empresa cresceu abrindo também a torrefação, no Passo D'Areia, em 2014, de onde fornece café para diversas cafeterias de Porto Alegre.
Mercado ganha boteco e tailandês democrático

Empresas & Negócios - Especial Mercado Público - Woking Tai Food Gabriel Gandolfi, Vanessa Vilchez e Marcelo Mancuso Foto_ Carmen Carlet
Carmen Carlet/Especial/JCDuas novas operações chegam para ampliar o leque de opções. O casal Claudemiro Adam e Janaina Ramos, que já comandam o tradicional Bar Chopp 26, especializado em comida brasileira, apostam na diversidade e abrem o Tchê Boteco, também nos altos do Mercado. "A ideia começou a ser maturada há um ano", conta Adam.
Ele e a esposa estudaram o mercado de alimentação e observaram o que poderia ser interessante para trazer mais pessoas. "Optamos por trazer para Porto Alegre o espírito da comida mais popular do Brasil", revela o mercadeiro, acrescentando que aposta no sabor delicioso das iscas de fígado com jiló e do joelho de porco - preferências nacionais nos botecos - além do prime rib suíno. Como acompanhamento, os sócios apostam nas cervejas especiais.
"Tenho certeza que vamos conquistar os corações e estômagos com essas opções diferentes", afirma o empreendedor, que trabalha com esta operação em um espaço de 60 m² abrigando 20 mesas.
Outra novidade que desembarca é o Woking Thai Food. A marca foi criada em 2014 por Gabriel Gandolfi e Marcelo Mancuso com o objetivo de democratizar a gastronomia tailandesa, através de um ambiente informal e com a flexibilidade de comer onde o cliente deseja. Onze anos depois, eles abrem uma nova operação, desta vez no Mercado Público. Gandolfi conta que os sócios sempre tiveram interesse pelo Centro Histórico.
"Acreditamos que circula muita gente de várias regiões e diferentes públicos que se fazem interessantes para nós", afirma o empreendedor, acrescentando que, na realidade, esta é a terceira operação em Porto Alegre. Eles abriram, em 2022, no Mercado Paralelo, no Quarto Distrito, fechado por conta dos severos danos causados pela enchente do ano passado. Conforme Mancuso, a operação do Mercado é bem focada no atendimento de balcão, com uma nova arquitetura e novos pratos que surgirão ao longo dos próximos meses. A loja, que possui 90 m² com 40 lugares, teve investimentos estimados em R$ 480 mil.
"Temos a expectativa de atender de 150 a 200 pessoas ao dia", afirma a terceira sócia, a peruana Vanessa Vilchez que se juntou à dupla em 2022. Para alcançar este movimento, a Woking Thai Food aposta em valores bem acessíveis, a partir de R$ 31,90. "É desafiador, pois nunca abrimos mão da qualidade e de usar produtos típicos tailandeses", garante Gandolfi ao informar que, neste modelo, é necessário volume. A empresa vende, considerando todas operações e tele entrega, cerca de 10 mil pratos por mês.
Sobre a autora da reportagem
* Carmen Carlet, especial para o JC
Carmen Carlet, jornalista formada pela Famecos, Pucrs. Atuou como colunista, repórter e correspondente de veículos especializados em propaganda e marketing. Atualmente, trabalha com assessoria de comunicação, produção de conteúdo e conexões criativas.