Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Reportagem Cultural

- Publicada em 08 de Junho de 2023 às 12:03

Shana Müller consolida carreira e se destaca na música nativista

Voz feminina do nativismo, artista foi parceira musical do cantor e compositor Luiz Carlos Borges, falecido no mês passado

Voz feminina do nativismo, artista foi parceira musical do cantor e compositor Luiz Carlos Borges, falecido no mês passado


ANA TERRA FIRMINO/JC
No dia em que essa entrevista foi feita, em meados de maio, Shana Müller ainda se recuperava da morte de Luiz Carlos Borges. O músico e compositor havia falecido seis dias antes, aos 70 anos, e Shana se mostrava abatida não apenas por perder o grande parceiro musical, mas também por perder um grande amigo, alguém que havia acreditado nela desde os primeiros momentos de sua carreira. "Em todas as etapas da minha vida musical, o Borges esteve presente. Foi um amigo, um parceiro, um conselheiro. Sentirei para sempre a sua falta", lamenta Shana.
No dia em que essa entrevista foi feita, em meados de maio, Shana Müller ainda se recuperava da morte de Luiz Carlos Borges. O músico e compositor havia falecido seis dias antes, aos 70 anos, e Shana se mostrava abatida não apenas por perder o grande parceiro musical, mas também por perder um grande amigo, alguém que havia acreditado nela desde os primeiros momentos de sua carreira. "Em todas as etapas da minha vida musical, o Borges esteve presente. Foi um amigo, um parceiro, um conselheiro. Sentirei para sempre a sua falta", lamenta Shana.
Ela via em Borges, também, um exemplo. A visão que o músico tinha do tradicionalismo, da música feita no Rio Grande do Sul, era bem a linha que ela esperava que fosse seguida por todos: uma arte ao mesmo tempo regional e plural, que se comunicasse e atravessasse fronteiras nacionais e internacionais. Shana, acompanhando o que Borges pensava, afirma que acreditava (e ainda acredita) que a música produzida e consumida aqui tem tudo para ser compreendida e assimilada em outras paragens: Rio de Janeiro, São Paulo e Nordeste, por exemplo, ou, por outro lado, no Uruguai, na Argentina, no Paraguai, no Chile e em tantos locais onde a música pode servir como elemento de integração. "Além de se esforçar para que a música regional avance, Shana está sempre preocupada em ser ouvida pelos mais diversos públicos", destaca Andréia Martins Feyh, produtora musical que convive e trabalha com a cantora há quase três décadas.
Integração, aliás, é um sentimento-chave para Shana, uma artista e mulher que teve que construir uma carreira e se estabelecer num meio majoritariamente masculino, muitas vezes até machista. "É um mercado que só tem homem, em todas as etapas", reconhece a cantora. "E não foram poucas vezes que eu escutei, no tempo em que eu trabalhava em rádio, ouvintes que se queixavam até mesmo do fato de serem obrigados a ouvir suas músicas prediletas interpretadas por vozes femininas."
"Conheci primeiro a sua voz, ainda criança, em meados dos anos 1990, na canção Vitória Régia (de Wilson Paim e de Salvador Lamberty)", lembra o cantor, produtor cultural e biógrafo de Luiz Carlos Borges, Vinícius Brum. "Anos mais tarde, ela, já estudante de Jornalismo, me foi apresentada por Luiz Carlos Borges, quando, início dos anos 2000, montávamos o grupo para o show Palco do Rio Grande, visitando a obra do Conjunto Farroupilha e do Grupo Os Gaudérios", acrescenta Vinícius. "Shana Müller é uma das cantoras mais importantes da sua geração. Ela mantém viva a linhagem de várias vozes femininas que contribuíram na construção do cancioneiro regional gaúcho, principalmente, no fenômeno do movimento nativista surgido a partir da Califórnia da Canção Nativa, em 1971", acrescenta, fazendo um alto reconhecimento da trajetória da intérprete.
Em 2024, Shana comemora 20 anos de carreira. "Mais recentemente, meu grande trabalho musical tem sido o Canto de América, espetáculo em que visito todas as minhas influências musicais e percorro caminhos por essa América do Sul".
 
 

Um caminho sem fronteiras

A cantora é herdeira do que pode ser considerada a terceira grande era do tradicionalismo

A cantora é herdeira do que pode ser considerada a terceira grande era do tradicionalismo


ANA TERRA FIRMINO/JC
O nascimento em Montenegro (em fevereiro de 1980), a criação no Alegrete e as passagens (ao lado da família e sozinha) por Santa Cruz do Sul e Porto Alegre deram à Shana Müller o espírito andarilho, o gosto por conhecer o interior do Rio Grande do Sul e por se integrar ao ambiente da cultura feita no Estado. Desde criança, ela aproximou-se da música, solidificando essa proximidade a partir da gravação da já lembrada Vitória-Régia. A partir daí, a trajetória foi marcada por reconhecimentos como o fato de ser Primeira Prenda Juvenil do RS, num concurso promovido pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), em 1993, e a participação, com o CTG Aldeia dos Anjos, do Festival Mundial de Folclore de Drumondville, no Canadá, em 2001.
Três anos depois, em 2004, Shana sentiria que sua carreira poderia mesmo ser profissional. Com músicas da linha campeira rio-grandense e do folclore latino-americano, ela lançou seu primeiro trabalho destacando, novamente, a presença feminina na interpretação das temáticas regionais, cantando milongas, chamamés, chacareras e zambas argentinas. O trabalho, independente, foi financiado pelo pai, mas permitiu que Shana o usasse como cartão de apresentação, o que lhe garantiu contatos com gravadoras e produtoras de shows e de festivais.
Desde então, não parou mais. Sua agenda está quase sempre completa e ela precisa se dividir em muitas para dar conta de tantas exigências externas. Nas últimas duas décadas, Shana atuou em outros países, como Uruguai e Argentina, em festivais de folclore, dividindo o palco com nomes como Luiz Carlos Borges e Yamandu Costa por diversas vezes. Há dez anos, representa o Brasil na Fiesta Nacional del Chamamé, evento que reúne artistas da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Herdeira do que pode ser considerada a terceira grande era do tradicionalismo - a primeira estabelecida pelos pioneiros Paixão Côrtes e Barbosa Lessa, a segunda surgida a partir de Renato Borghetti, em meados da década de 1980 - Shana representa uma renovação na música feita no Rio Grande do Sul.
 

Dentro e fora do Galpão

Na área da comunicação, Shana deu visibilidade a muitos artistas de sua geração, em programas da TV

Na área da comunicação, Shana deu visibilidade a muitos artistas de sua geração, em programas da TV


STEFANIE TELLES/DIVULGAÇÃO/JC
Em paralelo à música, Shana atuou como jornalista e como comunicadora. Formada como estagiária nos primeiros anos da Rádio Rural, ela, na emissora, exerceu as funções de produtora e de apresentadora do programa Na Estrada dos Festivais e Revista Rural, além de ter integrado a equipe do projeto de festivais nativistas, transmitindo mais de 100 eventos de várias cidades gaúchas e catarinenses.
Fora da Rádio Rural, Shana passou uma temporada na TVE, onde se destacou e foi novamente chamada pela RBS, agora em papel de destaque. A partir de 2 de agosto de 2012, ela passou a ser uma das apresentadoras do programa Galpão Crioulo, depois de anunciada a aposentadoria de Antônio Augusto Fagundes.
Nessa nova fase, Shana - ao lado de Neto Fagundes - ficou dez anos à frente do programa. "Ter sido a primeira mulher a apresentar o programa foi algo fundamental não apenas na minha trajetória como também na história do programa", avalia. "Em tudo que a Shana se envolve, ela demonstra conhecimento. Ela estuda, se dedica. Suas opiniões são sempre com uma boa capacidade de argumentação", aponta a amiga Andréia Martins Feyh.
"Shana iniciou no grupo RBS fazendo uma participação especial no meu programa chamado A Hora do Mate, na Rádio Rural", lembra o músico e apresentador Ernesto Fagundes, irmão de Neto e sobrinho de Antônio Augusto. "Acredito que Shana viveu no Galpão Crioulo o grande momento de sua carreira, dando visibilidade não apenas ao seu trabalho, mas a muitos outros artistas da nova geração", completa. "Mais recentemente, choramos juntos a partida do Luiz Carlos Borges, pouco tempo depois de termos comemorados os 70 anos dele".
 

Conversas de mãe

Há pouco mais de um ano, a artista assumiu também uma nova identidade pública, a de mãe que usa seus espaços como comunicadora para debater temas ligados à maternidade, em especial um que lhe diz muito: a convivência com um filho diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA). Shana lembra a descoberta: "Francisco chegou a falar algumas palavras e parou. Não desenvolveu mais o linguajar. Aí fomos ficando cada vez mais atentos a tudo. Era preciso compreender o que estava acontecendo e como deveria ser feito esse acompanhamento".
Shana resolveu expôr o assunto em público, como forma de assimilação. "Foi uma nova situação que se apresentou, que exigiu de mim e do meu marido, Juliano, uma nova compreensão de como lidar com um problema tão grave".
Uma das ideias surgidas nesse período, como forma de debater o tema, foi a criação do podcast Tudo sobre mim: a mãe. "Ao debater os temas ligados à maternidade com outras mães e com especialistas, eu me fortaleço e me sinto mais bem preparada para compreender os problemas que me cercam", revela.
Casada com o médico Juliano Chibiaque, Shana é mãe de três filhos: Gonçalo, de seis anos de idade; Francisco, que está com quatro anos; e Mercedes, de dois.
"Cantora, mãe, mulher, ativista cultural, eloquentemente múltipla e brilhante em seus fazeres. Devo também registrar a importância de sua presença pública nas mais diversas atividades às quais se envolve. É um privilégio ser mais um dos admiradores do seu talento. Podia ser melhor? Sim, eu posso dizer em voz alta e escrever em letras grandes que sou seu amigo", conclui Vinicius Brum.
 

Shana lembrada por três ídolos

Shana Müller também é reconhecida por grandes artistas

Shana Müller também é reconhecida por grandes artistas


EDUARDO ROCHA/DIVULGAÇÃO/JC
"Esta é uma nova geração de cantoras que aparecem: extraordinárias! A conheci em Cosquín, na Argentina, e cantou para mim em uma pousada onde estávamos... Falei: esta é uma artista extraordinária, maravilhosa!"
Mercedes Sosa, após a participação
de Shana, em seu show em Cachoeira do Sul
"Num curto espaço de tempo, dá para dizer que ela galgou uma carreira muito bonita, que está ainda, obviamente, num crescente constante. Sabe-se lá onde vai chegar esta cantora porque a cada mês, a cada semestre, a cada ano, nos apresenta um apanhado de coisas boas que traz para o palco, para a TV, para a roda de amigos. Tem uma voz privilegiada, muito bonita e sabe das coisas do Sul. Acho uma das cantoras mais preparadas do Sul para representar a música do Rio Grande, com conhecimento de causa."
Luiz Carlos Borges, no show
50 Anos, no Theatro São Pedro.
"É uma grande cantora, uma excelente voz, merece o sucesso que está fazendo. Shana sempre foi muito talentosa e bonita, bem mais do que eu era quando comecei a apresentar o Galpão, em 1982! Só nisso, o Galpão já sai ganhando. É a marca da mulher gaúcha no programa! O Galpão ficará mais bonito."
Nico Fagundes, quando Shana
passou a apresentar o programa Galpão Crioulo.
 

Discografia comentada, por Shana Müller

Firmando o passo, de 2006, é o segundo disco da artista

Firmando o passo, de 2006, é o segundo disco da artista


USA DISCOS/DIVULGAÇÃO/JC
GAÚCHA (2004)
Disco de estreia da cantora. Com este trabalho, Shana surgiu interpretando algumas canções conhecidas do repertório campeiro, com obras de Luiz Marenco e Gujo Teixeira, além de canções em espanhol, marca do seu trabalho, como Soy El Chamamé, de Antonio Tarrago Ros. Luiz Carlos Borges, Leonel Gomez, Juliano Gomes, Jayme Caetano Braun, entre outros, são alguns dos compositores desse disco de estreia, que teve a produção do violonista Márcio Rosado.
FIRMANDO O PASSO (2006)
Disco que foi indicado ao Prêmio Açorianos de Música em 2006, como Melhor Disco do Ano. O trabalho conta com uma variedade de compositores, como Érlon Péricles, Ricardo Martins, Gujo Teixeira, Ângelo Franco, entre outros. A produção musical foi de Márcio Rosado.
A BOMBACHA DA MODERNIDADE (2007)
Disco coletivo que marca o projeto Buenas e M'espalho, caracterizado pela reunião de quatro artistas do interior: Shana, Érlon Péricles, Ângelo Franco e Cristiano Quevedo, que juntos começaram a fazer shows na noite da capital Porto Alegre. O repertório mescla canções dos discos dos quatro, interpretadas a quatro vozes. O disco recebeu o Prêmio Açorianos de Música como Melhor da Categoria Regional. A produção foi de Paulinho Goulart e contou com os músicos Felipe Barreto, no violão; Marco Michelon, na bateria; e Felipe Alvarez, no baixo.
BRINCO DE PRINCESA (2010)
"É um disco divisor de águas na minha carreira", diz Shana. Com a produção musical de Paulinho Goulart, arranjos de Paulinho Fagundes, Guto Wirtti e Marcello Caminha, o disco contou com a participação de excelentes músicos, como o argentino Mariano Cantero, o baixista Edu Martins, Michel Dorfmann no piano, além dos arranjadores e do produtor Paulinho Goulart, responsável pelo acordeom do disco. A obra incluiu ainda a participação especial de Luiz Carlos Borges. O disco venceu o Prêmio Açorianos de Música, na categoria Regional, levando o troféu de Melhor Disco, Melhor Intérprete para Shana e de Melhor Compositor para Érlon Péricles. Além disso, com a turnê desse trabalho, a cantora excursionou pelas capitais brasileiras, através do Prêmio Petrobrás Cultural.
BUENAS 2 (2011)
Projeto coletivo apresentado nos principais eventos do gênero regional no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, gerando um novo registro discográfico. A produção musical é do músico Paulinho Goulart, e conta ainda com os músicos do projeto: Felipe Barreto, no violão; Marco Michelon, bateria; e Miguel Tejera, no baixo.
SHANA MÜLLER AO VIVO (2012)
Gravado no Teatro Renascença em Porto Alegre, o disco marca o início das comemorações de dez anos de carreira da cantora e um resumo da primeira década de música. No repertório, canções dos três discos solo da cantora. Entre os músicos, Paulinho Goulart, no acordeom; Felipe Barreto, no violão; Lucas Esvael, no baixo; e Rafa Bisogno, na bateria. Tem a participação especial de Texo Cabral e Luiz Carlos Borges.
CANTO DE INTERIOR (2016)
Disco e DVD gravados ao vivo na Fazenda São Francisco do Pinhal, em Júlio de Castilhos. O primeiro registro em vídeo traz no repertório novos compositores e parceiros, como Fausto Prado, Antonio Villeroy, Gisele de Santi, Fabricio Gambogi, regravação da carioca Fátima Guedes e de clássicos como Piazito Carreteiro, além de antigos parceiros como Érlon Péricles. Além do show, o DVD inclui um documentário de 40 minutos, em que Shana conta sua trajetória nas tradições do RS, e ainda extras com as participações especiais de Luiz Carlos Borges, Buenas e M'espalho e Zelito. A banda formada por Felipe Barreto, Cristian Sperandir, Vaney Bertotto, Lucas Esvael e Glauco Vieira, assina junto a Shana os arranjos do registro. A produção e direção Musical é de Duca Leindecker.
CANÇÕES GUARDADAS (2021)
Repertório montado com canções que haviam sido gravadas e não tinham sido lançadas, bem como alguns dos extras do Canto de Interior que não haviam saído em single. "Lancei durante a pandemia e a capa são autorretratos. Ali tem, por exemplo, uma gravação de um tango que interpreto ao lado do Yamandu Costa".
BUENAS E M'ESPALHO AO VIVO NO OPINIÃO (2021)
É um show gravado ao vivo em Porto Alegre. "Faz parte de um projeto que tive junto ao Erlon Pericles, Cristiano Quevedo e Ângelo Franco, que buscava reabrir portas na cena artística da capital para a canção regional. Estar num bar essencialmente de rock foi um marco". Participações de Luiz Carlos Borges, Renato Borghetti e Humberto Gessinger.
TODO DIA É TEU DIA (single/março 2023)
Foi lançado no mês da mulher, com música feita pelo Erlon, reforçando a importância de a data ser comemorada todos os dias. "O clipe tem roteiro do meu mano Diego e direção do Federico Bonani. No cenário, estão as mulheres-artistas referências de minha carreira e vida. Mulheres de diferentes nacionalidades e gerações, como Violeta Parra e Mercedes Sosa", explica Shana.
 

Assinatura

* Márcio Pinheiro é jornalista e escreveu os livros Esse Tal de Borghettinho e Rato de Redação - Sig e a História do Pasquim.