O vidro é um dos poucos materiais que podem ser 100% reciclados e transformados em novos objetos, em um processo que pode ser repetido infinitas vezes. A eficiência alta, entretanto, não se traduz na sua valorização pela cadeia de recicladores.
Isso porque a logística é mais difícil, devido ao peso e aos riscos de lesões acidentais, e o valor comercial é inferior ao do alumínio, presente nas latinhas de refrigerante, por exemplo. Quem decide apostar no vidro precisa investir em um bom volume de itens coletados. E é nesse aspecto que a expansão do complexo fabril da Verallia, na cidade de Campo Bom, pode auxiliar a alavancar a reciclagem.
A indústria francesa, que já estava instalada no município do Vale do Sinos, inaugurou uma ampliação da planta no dia 23 de outubro, que contou com um investimento de R$ R$ 690 milhões. Com isso, a capacidade de produção será quase dobrada, passando das atuais 700 mil embalagens fabricadas por dia para 1,3 milhão, o que representará 820 toneladas diárias. A proximidade com consumidores, entre eles o setor vitivinícola, também acarretará em redução de custos logísticos.
Quando as embalagens são transformadas em produtos e consumidas, gera-se o resíduo vítreo. E uma das preocupações da Verallia é realizar a logística reversa e reciclá-lo. "A reciclagem é um ponto pendente no Brasil. Sempre estamos abertos a utilizar mais caco, trabalhando em parceria com municípios e governos. Hoje, basicamente, 30% do vidro utilizado é reciclado e temos que fomentar isso, trabalhando com as autoridades e com a educação, para incrementar essa porcentagem", avaliou o CEO da Verallia para a América Latina, Quintin Testa, durante a inauguração em Campo Bom.
Empresa apoia iniciativas de coleta de vidro para a reciclagem
Nesse sentido, a empresa apoia iniciativas de coleta de vidro. Além dos 800 pontos de entrega voluntária do projeto autoral Vidro Vira Vidro, instalados em diversas cidades — incluindo Porto Alegre —, a Verallia possui uma parceria com a Arco Resíduos, na iniciativa #VemDeLong. Por ela, estabelecimentos contratam a Arco para realizar a coleta de garrafas de vidro vazias em grandes quantidades.
"Já fazemos a coleta de vidro desde que criamos a Arco. E notamos que esse material era um desafio para bares e restaurantes em função do peso e do risco de quebrar e machucar alguém. Esses estabelecimentos acabavam envolvendo em muitos sacos de lixo e a gente começou a entregar um recipiente específico para vidro, o que facilitou muito. Por um lado, reduz os custos da empresa, por outro, nos ajuda a receber o material já separado", explica a co-fundadora da Arco, Natália Pietzsch.
O programa já coletou e reciclou quase 356 mil toneladas de vidro desde dezembro de 2022, quando iniciou, sendo que 100% do material foi reciclado pela Verallia e transformado em novas garrafas. E, com o início do programa, a quantidade de vidro que chegava à Arco Resíduos duplicou, segundo Natália.
Estabelecimentos recebem display da Arco Resíduos para coletarem garrafas de vidro a partir de parceria com a Verallia
EVANDRO OLIVEIRA/JC
"Precisamos de volume para trabalhar com resíduos de uma forma geral. E a gestão de resíduos se viabiliza com volume. Aí o reciclador tem mais viabilidade econômica para vir buscar esse material e levar para a reciclagem. Se eu tenho uma tonelada de vidro apenas, ninguém vai querer vir buscar, porque o custo do frete não vai compensar a compra do material. Tudo se justifica por volume", destaca Natália.
A cadeia de reciclagem do projeto é curta: da coleta, passa ao beneficiador, que faz a limpeza do vidro, e, de lá, para a Verallia, que é a recicladora. "Normalmente, o material passa por muitos intermediários que compram e revendem múltiplas vezes. Com a ampliação da fábrica da Verallia aqui no Estado, isso favorece mais ainda esse encurtamento da cadeia, para chegar o quanto antes no reciclador", acrescenta a co-fundadora da Arco.
Para Natália, esse fator deve ampliar a reciclagem. "Você consegue valorizar o material. Porque vai estar mais perto do reciclador e ter menos intermediários, e cada intermediário tira uma fatia do preço (do vidro). Diminuindo a cadeia, o valor agregado fica muito maior para quem está coletando na ponta, o que inclui também as cooperativas de triagem e outras indústrias que possam estar coletando resíduos. E a própria indústria precisando de mais matéria-prima puxa esse mercado", avalia.
Falsificações podem ser reduzidas com a reciclagem
O escândalo do surto de intoxicações por metanol em bebidas falsificadas ocorridas a partir de agosto de 2025 trouxe à tona um assunto que já preocupava a indústria. Durante o evento do Mapa Econômico do RS em Garibaldi, esse foi um dos grandes desafios do setor vitivinícola apontados pelo presidente da vinícola Garibaldi, Oscar Ló. Na ocasião, ele destacou que de cada três garrafas de vinho que chegam ao Brasil pela fronteira com a Argentina, pelo menos uma é fruto do descaminho e que a falsificação de produtos também preocupa.
Parceria entre Arco Resíduos e Verallia garante reciclagem de vidros pela logística reversa
TÂNIA MEINERZ/JC
A logística reversa e a aposta em reciclagem, no entanto, podem ser uma forma de combate às atividades ilegais. “É uma prática que existe há muito tempo. Vender a garrafa unitária é uma prática no mercado clandestino há muitos e muitos anos. Então, de repente, ter o reciclador mais perto e com maior demanda, pode ser uma ferramenta de redução desse problema", conjectura Natália.
Novo forno instalado na ampliação amplia sustentabilidade
Além da reciclagem, a Verallia também tem iniciado ações de sustentabilidade nas suas plantas industriais ao redor do mundo. No caso da expansão de Campo Bom, a novidade é um forno de oxicombustão com uma tecnologia chamada HeatOx, desenvolvida pela AirLiquide, que reduz o uso de combustíveis fósseis e oxigênio, assim como as emissões de carbono.
"O grande diferencial da tecnologia, que utiliza o princípio da combustão regenerativa, é a sua capacidade de recuperar calor. O sistema utiliza o calor contido nos gases de exaustão do forno, chamados de fumos, que normalmente seriam perdidos pela chaminé. Esse calor recuperado é usado para pré-aquecer intensamente o oxigênio e o combustível antes que ele entre no forno. Como o oxigênio e o gás natural já entram muito quentes, é necessário muito menos combustível para atingir e manter a temperatura desejada no processo", explica o gerente sênior do Centro de Tecnologia da Air Liquide para a América Latina, Mario Feltrin.
Além disso, a tecnologia proporciona um melhor aproveitamento da areia, matéria-prima para a fabricação de vidro. "A HeatOx™ proporciona um aquecimento muito mais uniforme dentro do forno. Isso pode levar a menos defeito, com um melhor controle da temperatura é reduzido a quantidade de produto defeituoso, ao reduzir defeitos, menos matéria-prima é desperdiçada e menos material precisa ser reprocessado, o que também gasta energia", acrescenta Feltrin.
O novo forno atraiu, ainda, a White Martin para Campo Bom. A indústria, inaugurada em outubro, fornece 120 toneladas diárias de oxigênio para abastecer a Verallia através de dutovia. Além disso, a planta tem mais 250 toneladas de capacidade diária para a produção de oxigênio, nitrogênio e argônio, somando um total de 370 toneladas por dia. Para os demais clientes, o transporte dos insumos se dá por carretas.