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Publicada em 07 de Junho de 2024 às 15:28

Artistas gaúchos propõem Fundo de Emergência para a reestruturação do setor

Classe artística tem enfrentado dificuldades para retomar as atividades, após inundação dos principais centros culturais da Capital e do Estado

Classe artística tem enfrentado dificuldades para retomar as atividades, após inundação dos principais centros culturais da Capital e do Estado

EVANDRO OLIVEIRA/JC
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Adriana Lampert
Adriana Lampert Repórter
Um manifesto assinado por centenas de trabalhadores e entidades da Cultura, destinado a representantes do poder público de Porto Alegre e do Estado, reúne uma série de propostas para recuperar o setor após as enchentes que assolaram a maioria dos municípios gaúchos. Desde o início de junho, o documento já foi entregue à Funarte e à assessoria do deputado Paulo Pimenta e, nos próximos dias, deve ser apresentado à Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul (Sedac-RS) e à Câmara dos Deputados. 
Um manifesto assinado por centenas de trabalhadores e entidades da Cultura, destinado a representantes do poder público de Porto Alegre e do Estado, reúne uma série de propostas para recuperar o setor após as enchentes que assolaram a maioria dos municípios gaúchos. Desde o início de junho, o documento já foi entregue à Funarte e à assessoria do deputado Paulo Pimenta e, nos próximos dias, deve ser apresentado à Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul (Sedac-RS) e à Câmara dos Deputados
Com o calendário cultural suspenso na maior parte das cidades do Rio Grande do Sul - onde os principais teatros e centros de eventos foram inundados - os artistas têm enfrentado dificuldades para retomar as atividades e solicitam, entre outras ações, a criação de um Fundo de Emergência para o setor. A proposta solicita os recursos destinados ao Fundo de Reconstrução do RS para a Cultura, bem como a integralidade dos recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do Governo do Estado e 6,5% do Fundo Nacional de Cultura, conforme percentual do PIB no Rio Grande do Sul. 
O documento sugere que, nos dois primeiros anos, a totalidade dos recursos seja aplicada para auxílio emergencial a trabalhadores e espaços culturais, além de pequenos e microempreendedores da Cultura. "E que isso se dê exclusivamente por meio de cadastros específicos para um momento de exceção e, de maneira nenhuma, via editais, como nos tempos de normalidade", ressalta o texto. "Diante da realidade dos efeitos da calamidade hoje, consideramos necessária a aplicação de, no mínimo, R$ 900 milhões no Fundo de Emergência (Fetac)", segue o documento.
"São inúmeros os espaços culturais, escolas livres de artes em geral, salas de cinema, pontos de cultura, teatros, bibliotecas, ateliês, museus e arquivos, feiras de artesanato, casas do artesão afetados no Estado", sinaliza o manifesto. "Constatam-se centenas de empresas sem atividades de trabalho para a geração de emprego e renda, e milhares de trabalhadoras e trabalhadores da Cultura – em grande maioria sem vínculo empregatício formal para poder acessar direitos como o FGTS ou o seguro desemprego – que estão parados porque tiveram suas atividades drasticamente interrompidas, o que impacta diretamente na renda familiar destes indivíduos", sinaliza o texto do documento.
Segundo a diretora de Assuntos de Circo do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado do Rio Grande do Sul (Sated-RS) e presidente da Associação de Circo do Rio Grande do Sul (Circo Sul), Consuelo Vallandro, é difícil mensurar o tamanho do impacto na classe artística. "Estamos realizando um mapeamento entre os atingidos, para doação de itens de alimentação, higiene e roupas, no entanto nem todos procuraram ajuda junto ao Sindicato (o que acaba prejudicando o levantamento). Temos registrado, até agora, uma ponta do iceberg, que gira em torno de 100 pessoas", calcula. "No entanto, sabemos que este número é maior, pois muita gente acaba não querendo fornecer dados ou procura apoio entre amigos e familiares."
A dirigente destaca que, além de salas de teatro públicas, como a Sala Álvaro Moreyra, situada no Centro Municipal de Cultura, vários espaços culturais foram alagados, e a maioria dos grupos e técnicos das artes cênicas teve suas atividades canceladas. "Somente na dança, por exemplo, ao menos 40 escolas foram afetadas direta ou indiretamente, seja porque inundaram ou perderam alunos", comenta Consuelo. "Pensando nesse efeito em cascata, pedimos ajuda à coordenadora de Artes Cênicas e Visuais do Sesc/RSJane Schoninger, que pensou numa programação especial para fomentar o trabalho da classe. Isso acabou reverberando também no projeto do Festival Porto Alegre em Cena, que vai selecionar somente artistas do Rio Grande do Sul na sua próxima edição." 
Ainda segundo Consuelo, o Saded/RS lançou, ainda, a Contrate um Artista, incentivando a contratação de profissionais em eventos fora do Estado. "Essas são ações complementares, junto ao pedido de quem tiver sala disponível para que abra um edital de ocupação emergencial, a exemplo do que o Sesc/RS - que nos atendeu prontamente - providenciou". A dirigente ressalta que o Fundo Emergencial terá um caráter mais amplo. De acordo com o manifesto, as finalidades desta medida seriam voltadas a um auxílio emergencial de, no mínimo, R$ 3 mil mensais (por um período de seis meses) para artistas e demais trabalhadores das artes e da Cultura que dependem predominantemente de sua atuação no setor para sobreviver (sem vínculo empregatício vigente, pensão ou aposentadoria); e de R$ 10 mil por mês (também durante um semestre corrido) para espaços culturais coletivos e/ou comunitários, pequenas escolas de artes e pontos de cultura, que foram afetados diretamente pelas enchentes e/ou deslizamentos. 
Os recursos do Fundo Emergencial, caso seja criado, também poderão organizar os cadastros e fazer cruzamentos entre os mapeamentos já existentes para complementar as informações com busca ativa, a fim de executar o auxílio emergencial. O texto destaca, ainda, a sugestão de que seja aprovado, em caráter de emergência, os Projetos de Lei: PL 1896/2024 – Auxílio emergencial para a cultura do RS de apoio a Espaços Culturais e micro e pequenos empreendedores da Cultura, de autoria da deputada Fernanda Melchionna, e o PL 110012/2024 – Auxílio Emergência para trabalhadores, espaços e instituições culturais, de autoria da deputada estadual Sofia Cavedon.
"Há muitas campanhas em prol dos artistas atingidos em seus espaços de trabalho ou residências. Mas precisamos de políticas públicas que olhem para esta devastação do meio cultural, que vai se perfurar por muitos meses", ressalta a coreógrafa, professora e produtora artística Juliana Prestes, sócia-proprietária da escola de flamenco Del Puerto. "Devemos receber, sim, subsídios para nos recompor e se colocar em trabalho novamente." Segundo a artista, o espaço Del Puerto é um dos poucos que não foi atingido e "está de portas abertas para receber propostas de grupos, ainda que gratuitamente, na arrancada inicial desta retomada".
O intérprete, coordenador, iluminador, contrarregra e educador teatral Sandro Marques, integrante da Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela, destaca outros pontos do manifesto que devem ser considerados, em âmbito estadual e federal. "Entendemos como necessário que os governos agilizem a realização da Política Nacional Aldir Blanc com editais simplificados, prêmios por trajetórias, com parte desta premiação voltada aos coletivos culturais representados por CPFs; e a criação de linhas voltadas especialmente a espaços e grupos afetados para que sejam realizadas chamadas públicas para contratação destes sem concorrência; além de agilizar o pagamento da Lei Paulo Gustavo (LPG) e publicar a lista de suplentes e pagamento de mais projetos com os rendimentos da LPG. Essas medidas estão pontuadas no manifesto."
Marques afirma que a questão dos editais, na sua opinião, são muito importantes "neste momento". "Nesses casos, a gente lida diretamente com o poder público para acessar as verbas, sem a necessidade de negociação com a iniciativa privada", opina. Segundo ele, o Levanta Favela, que integra o projeto Usina das Artes
"Além de toda a questão estrutural, precisamos trabalhar junto à sociedade a questão da importância da Cultura na vida das pessoas. Infelizmente, percebo que ainda se tem um certo estigma em relação à Cultura, e principalmente ao Teatro, como se não fosse algo necessário frente à reconstrução das cidades."  Esse pensamento também é sinalizado no manifesto, assinado inclusive por dezenas de organizações de fora do Estado, a exemplo da Cooperativa Habitacional de Paraty (CHAP), no Rio de Janeiro, e do Centro de Experimentação Artística e Cultural Encanto dos Alagados, no Amapá. 
"A arte e a Cultura carregam a essência das identidades de um povo, seus saberes e fazeres, sendo responsáveis ao mesmo tempo pelo sentimento de pertencimento e pela possibilidade de auto expressão e reconhecimento dos indivíduos", destaca o documento. "São instrumentos fundamentais para a recuperação de um povo após uma calamidade como esta que está sendo vivida pelo Rio Grande do Sul, um estado que levará anos para se reestruturar, tanto em âmbito material como psicológico", segue o texto. O manifesto ainda ressalta que estudos recentes comprovaram a importância da cadeia produtiva da economia criativa, a qual contribui para o desenvolvimento econômico do País gerando em média 3,5% do PIB, com um "aporte/participação/representatividade" maior que o da indústria automobilística (citando apenas um exemplo).

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