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Plano Diretor de Porto Alegre

- Publicada em 04 de Julho de 2023 às 18:30

Associação de Engenharia Sanitária e Ambiental quer prioridade da pauta habitacional em Porto Alegre

Jussara Kalil Pires é vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental no RS

Jussara Kalil Pires é vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental no RS


/ANA TERRA FIRMINO/JC
Aproveitar a infraestrutura existente na cidade e priorizar o atendimento à demanda social por habitação são as principais preocupações a serem consideradas na revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, na avaliação da seção gaúcha da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-RS). Para Jussara Kalil Pires, vice-presidente da entidade no Estado e representante no Conselho do Plano Diretor, "a cidade precisa se renovar, mas ao mesmo tempo precisa integrar quem dela participa".
Aproveitar a infraestrutura existente na cidade e priorizar o atendimento à demanda social por habitação são as principais preocupações a serem consideradas na revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, na avaliação da seção gaúcha da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-RS). Para Jussara Kalil Pires, vice-presidente da entidade no Estado e representante no Conselho do Plano Diretor, "a cidade precisa se renovar, mas ao mesmo tempo precisa integrar quem dela participa".
Preocupada com o avanço das construções em áreas de produção primária e em reservas naturais, especialmente na Zona Sul da Capital, Jussara aponta como necessária uma avaliação e reconhecimento dos problemas, suas causas, e soluções ao que está estabelecido. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Jussara também sustenta a importância de participação da sociedade não somente na revisão, mas principalmente na implementação do Plano Diretor.
Jornal do Comércio – Como a Abes-RS está acompanhando o processo de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre?
Jussara Kalil – Muito pela participação no próprio Conselho, pelos grupos técnicos, mas nem sempre se consegue participar. A dificuldade da participação da sociedade civil como um todo é que se faz isso na base do voluntariado. Até que facilitou um pouco porque tem se usado muita coisa virtual. E a Abes-RS tem participantes em várias frentes nessa temática da cidade, por conta de outras representações. Acabamos interferindo também fora do Plano, ou até a própria prefeitura busca nosso posicionamento em alguma coisa específica.
JC – Nesse sentido, a prefeitura tem dialogado com entidades e algumas têm iniciativa de apresentar propostas pensando no Plano Diretor. Da Abes-RS partiu algo assim?
Jussara - Não uma coisa muito específica. Teve uma rodada antes dessa nova fase (da revisão) e eles estiveram na Abes-RS, conversamos e apresentamos algumas preocupações. Não sei como incorporaram, porque depois teve outras rodadas (mas) a prefeitura fez esse movimento de buscar a nossa manifestação.
JC – O que a Abes-RS espera dessa revisão? Tem alguma demanda específica?
Jussara – Uma grande preocupação, e expressamos isso para a prefeitura, é com o aproveitamento da infraestrutura existente e com a expansão da “fronteira” urbana (com o rural) do município. E, ao mesmo tempo, o Centro, por exemplo, perdendo cada vez mais importância. Temos essa preocupação de aproveitamento do que já está instalado e principalmente da inclusão das famílias que hoje não têm habitação, que é um problema grave na cidade, e ainda com toda essa questão de mudança climática está se tornando cada vez mais grave. Então a preocupação de investimento na área também de habitação popular, de regularização fundiária, para realmente aproveitar a infraestrutura e, ao mesmo tempo, incluir a população, essa é uma questão fundamental para nós.

Leia também: Coluna publicará entrevistas com entidades sobre o Plano Diretor de Porto Alegre

JC – Quando se fala em aproveitamento dessa infraestrutura, como o Plano Diretor, pode prever isso? Vai incentivar mais moradias ou expansão construtiva em áreas que já estão estruturadas, seria isso?
Jussara – É, um pouco por aí. Uma das coisas que a gente tem manifestado em relação ao Centro é que tem prédios ocupados por famílias de baixa renda e que poderiam ser assumidos como tal. Então vamos reconhecer a existência dessas ocupações e buscar uma solução, porque a gente sabe que é de uma forma absolutamente precária. Voltar a ter a vida no Centro e, ao mesmo tempo, não com essa visão simplesmente mercadológica - porque também seria uma solução fazer investimentos de alta renda ou mesmo, uma das coisas que tem acontecido, com um lado mais turístico e gastronômico, mas que acabam levando uma vida para o Centro que não é perene. Nada contra que se faça isso, é importante também. Mas a preocupação é de ter esse reconhecimento do que já acontece com habitação no Centro e em outros bairros também. A cidade precisa se renovar, mas ao mesmo tempo precisa integrar quem dela participa. Porto Alegre não está crescendo em número de população e ao mesmo tempo estamos cada vez excluindo mais gente, e ainda fazendo pressão sobre áreas de reservas naturais, que hoje são de produção sem agrotóxico, por exemplo. Temos conhecimento e preocupação que se mantenha, até porque não adianta colocar as pessoas cada vez mais longe, principalmente as de baixa renda. Como é que elas vão trabalhar? O Plano Diretor talvez pudesse ter algum tipo de interferência, mas também não é tão simples assim… O próprio Distrito Industrial da Restinga nunca saiu do chão pra valer, e foi uma tentativa. Mas tem que criar empregos, já que colocaram as pessoas (em lugares distantes da região central) com aprovação da prefeitura. Porque tem a parte que as pessoas vão porque é mais barato, porque tem loteamento irregular sendo oferecido e o pessoal não sabe e embarca achando que comprou. E aí depois tem um problemaço, mas, já que está e que a própria prefeitura aceitou isso, tem que ser criadas soluções de geração de emprego. Talvez essa questão dos centros de consumo e de serviços do município seja uma das formas de enfrentar inclusive a questão ambiental e até de infraestrutura. Mas é uma preocupação o jeito que a cidade está meio que entregue aos interesses do privado. Isso é muito complicado. No Plano Diretor o risco também é grande de só fortalecer isso, só consolidar esse tipo de interesses.
JC – E pelo que tem sido apresentado até o momento, da condução e do que a prefeitura mostra que deve acontecer na revisão, você acredita que está seguindo esse caminho?
Jussara – Não posso dizer isso e “bater o martelo”, porque eu vejo que as entidades e organismo de participação popular têm se mobilizado no sentido de puxar as pautas de interesse. Não existe aquela coisa neutra, não dá para esperar de um grupo político que assumiu (o governo municipal) com uma visão mais liberal faça esse movimento, mas tem muitos técnicos que têm essa sensibilidade. E nesse processo, não acho que esteja necessariamente indo só por um lado, justamente porque tem essas forças que estão no próprio Conselho, mas não só. O pessoal tem se mobilizado e depois, quando chegar na Câmara, se a coisa estiver indo (somente) para um lado vai dar muita briga, então tem isso também. Se os grupos sociais se manifestarem em relação aos seus interesses no processo de construção, isso já vai dar uma ponderação no próprio projeto de lei. Mas depois, quando chegar na câmara, a tendência é de que, se não atender os interesses, vai dar uma gritaria tremenda e talvez empaque ali. É um risco que se corre, se não fizer um projeto bem amarradinho.
JC – Sim, a exemplo de São Paulo, em que a Câmara modificou praticamente toda a proposta…
Jussara – É, essas coisas acontecem. Acho que a disputa está feia, mas está havendo essa participação e essa busca. Tenho esperança que se ache uma solução que melhore e que avance em relação ao que temos hoje. Trabalhei muitos anos na Metroplan, então tenho uma visão de Porto Alegre dentro da Região Metropolitana e de participar em outros conselhos de Plano Diretor. Um problema no nosso Conselho é que a participação da prefeitura é muito grande. É uma das coisas que o pessoal reclama, porque eles se juntam e sabem que vão passar tudo o que querem. E às vezes passa mais, até por cima do que os próprios técnicos estão querendo. Porque é óbvio, existe uma pressão política. Normalmente eles estão com os votos prontos, então a terça parte dos votos já está garantida. Mas acho que, para o Plano, isso tem chance de ser alterado…
JC – Isso você diz a correlação de forças?
Jussara – Isso, a correlação de forças e talvez até o próprio sistema de gestão poderá ser revisto.
JC – Você disse que tem que cuidar dessa expansão da “fronteira” entre o urbano e o rural, ou as áreas de produção e as áreas ambientais. Como Porto Alegre deveria lidar com isso? Porque vimos, nos últimos anos, a alteração do regime urbanístico (de rural ou rururbano para urbano) conforme o interesse do empreendimento.
Jussara – Isso acontece em todos os municípios. Até aqui em Porto Alegre tem um pouco mais de discussão para fazer essas coisas. É uma coisa que acontece, é desse jogo de forças, mas tem que ter o reconhecimento das regiões ambientais da cidade e como está hoje, porque já foi desvirtuada, já perdemos a nossa área rural como rural mesmo, então, o que é possível manter com o uso que dê para conciliar? Eventualmente vai ter que ser feito alguma coisa de extensão de infraestrutura para garantir que os produtores das zonas rurais não tenham um impacto tão grande. Uma das coisas que o pessoal reclama é do esgoto que atrapalha a produção de orgânicos e que acaba sendo afetado por esse inchaço. Vão ter que ser reconhecidos os problemas que causaram e entendo que não deveria continuar essa expansão, fazer o movimento de volta e dar uma solução para aquilo que já se estabeleceu, porque não tem como agora dizer que vai tirar essas pessoas que foram levadas a comprar e se mudar para o extremo sul. Vai ter que melhorar a vida das pessoas de algum jeito.
JC – Acompanhando o posicionamento da prefeitura, percebemos que há contradição entre dizer que tem que autorizar determinado empreendimento (afastado) e ao mesmo tempo dizer que precisa adensar e construir em altura onde já tem infraestrutura, para que as pessoas não se espalhem…
Jussara – É que depende do interesse do empreendedor, aquele que quer construir para fora, tem que atender, o outro que quer espichar, também. E aí tem que gerar emprego… E é na hora de fazer a obra e olhe lá, é o argumento sempre, de todos municípios e não só dos municípios, para proteger os empregos. E fazem coisas que eventualmente até, ao contrário, têm indução de trazer gente de fora para fazer determinados empreendimentos, e há um impacto grande. Existe, é verdade, um boom em determinado momento, mas não necessariamente é sustentável. Mas isso é da dinâmica. Então tem que lutar e tem que ser permanente. E ter disposição para o diálogo, acho que estamos perdendo um pouco, também porque o pessoal perdeu a paciência. Essa falta de renovação (do Conselho) acaba nisso.
JC – A falta de renovação acompanha o atraso na revisão do Plano, que gerou algumas revisões pontuais. O atraso da revisão prejudica a cidade de alguma maneira? Por não se conseguir, passados mais de 10 anos da última revisão, pensar Porto Alegre como um todo.
Jussara – Um pouco essa coisa de não ter visão do todo é complicado. Uma colega que participou por muitos anos do Conselho em Porto Alegre fazia esse questionamento, e eu acho que está certo, de o Plano Diretor ser um instrumento que, hoje em dia, acaba que não funciona. O que funciona é a briga. É ter pessoas e ter entidades que conheçam a cidade e que tenham realmente essa participação nos nos espaços de poder para poder discutir, e que se faça essa discussão. É isso que vai fazer a diferença. Prejudica um pouco de não ter a visão do todo. Mas, na prática, em qualquer cidade o que acontece é isso, se pega um empreendimento pontual e vai lá porque tem uma urgência e às vezes tem que atender. E na hora que vai implantar os projetos é que a coisa pega mesmo. Então existe um prejuízo de não ter a visão (do todo), mas esse prejuízo não é tão significativo assim, eu acho que o maior prejuízo é não haver a participação qualificada.
JC – Essa participação qualificada é ao longo do aluno dos anos, não é só no momento da revisão…
Jussara – Não, não, é na aplicação do Plano. O importante é a implantação de qualquer plano. Então tem que ter essa flexibilidade, o fundamental é que a gente tenha o conhecimento da cidade, desses instrumentos, gerar mapas e coisas do gênero em que se saiba “aqui é uma região que é sujeita a deslizamento, é preciso que tenha uma bacia de amortecimento de cheias”, por exemplo. E aí respeitar. A implantação é o fundamental de qualquer plano. Então, se o plano não for atualizado, mas tiver essa atuação… Acho que é mais importante agora fazer talvez uma revisão desse sistema de gestão, para que garanta condições de que se faça essa discussão da implantação do Plano, do que propriamente as diretrizes, porque elas vão ser alteradas, até porque altera até questões tecnológicas e outras soluções que são encontradas. Qualquer que seja o problema, a questão é a implantação da solução que for encontrada. Isso aí é o fundamental, que tenha uma boa participação mesmo e algumas diretrizes e tentar que isso se mantenha.

Entrevistas publicadas

Essa entrevista integra uma série realizada com as entidades que compõem o Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre, com a proposta de conhecer os interesses envolvidos no debate.
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