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Publicada em 08 de Junho de 2025 às 16:32

Com foco em serviços e modelos populares, mercado de bicicletas ganha fôlego

No Rio Grande do Sul, com o impacto da crise climática sobre o consumo, será um alívio se houver manutenção das vendas

No Rio Grande do Sul, com o impacto da crise climática sobre o consumo, será um alívio se houver manutenção das vendas

/TÂNIA MEINERZ/JC
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Karen Viscardi
Especial para o JC*
Especial para o JC*
Após quatro anos de retração desde o pico de vendas de bicicletas em 2020 no País, o setor parece finalmente ter estabilizado. Os dados de 2024 ainda não foram consolidados, mas a expectativa é de que o mercado mantenha o patamar de 3,2 milhões de unidades vendidas, entre novas e usadas, número semelhante ao de 2023. Para 2025, a perspectiva para o setor no País é de crescimento, especialmente entre lojas com faturamento superior a R$ 1 milhão. A produção das grandes indústrias também mostra sinais de recuperação: de janeiro a abril foram fabricadas 118.614 bicicletas, com destaque para o crescimento das elétricas. No Rio Grande do Sul, com o impacto da crise climática sobre o consumo, será um alívio se houver manutenção das vendas.
 

Não só produtos, como por exemplo a comercialização de componentes, mas também os serviços têm movimentado o segmento voltado ao ciclismo

Não só produtos, como por exemplo a comercialização de componentes, mas também os serviços têm movimentado o segmento voltado ao ciclismo

/TÂNIA MEINERZ/JC
O ciclo de retração do mercado de bicicletas registrado desde o recorde de 2020 no Brasil, quando foram comercializadas em torno de 6 milhões de unidades de bicicletas, entre novas e usadas, parece ter finalmente encerrado. No ano passado, mesmo sem os dados consolidados, a expectativa é que as vendas do setor fiquem em torno de 3,2 milhões de unidades, próximas ao resultado de 2023.
"A expectativa é que 2024 seja de estabilidade, o que já é importante", considera Luiz Saldanha, diretor-executivo da Aliança Bike - Associação Brasileira do Setor de Bicicleta. A avaliação é baseada no alívio por interromper a queda iniciada após 2020 e 2021, que somados, representaram 11,8 milhões de bikes. O biênio foi atípico em razão de as pessoas buscarem a bicicleta como forma de locomoção, esporte ou uma atividade de lazer ao ar livre durante a pandemia.
Considerando-se apenas a produção das grandes indústrias do setor, o resultado deste ano mostra recuperação. Segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), de janeiro a abril foram fabricadas 118.614 bicicletas. Somente em abril, foram 35.429 unidades, 21,6% acima da produção de março.
"Os resultados do mês de abril mostram sinais de recuperação do segmento, movimento também observado nos principais mercados mundiais, com o aumento da demanda de algumas categorias, sendo a elétrica a protagonista deste crescimento", explicou o vice-presidente do Segmento de Bicicletas da Abraciclo, Fernando Rocha, em entrevista à Agência Brasil. A Abraciclo reúne fabricantes instalados no Polo Industrial de Manaus. É onde estão concentradas as maiores indústrias do setor, como Caloi, Oggi, Sense e Houston.
No Rio Grande do Sul, se os números do ano passado e deste ano se mantiverem relativamente estáveis em relação ao anterior será um alívio. Diante dos impactos da crise climática sobre o Estado em 2024, o setor disputou o orçamento de famílias que necessitaram repor itens básicos de sobrevivência.
A perspectiva para 2025 no País é de relativo crescimento no varejo, especialmente entre as lojas que faturam mais de R$ 1 milhão ao ano. É o que mostra a Pesquisa Anual de Comércio Varejista de Bicicletas 2025, realizada com cerca de 300 lojistas. Mais confiantes em seu negócio do que no próprio setor e na economia do Brasil, mais da metade dos participantes responderam que a situação financeira de sua loja deve melhorar neste ano.
Apesar da aparente desconexão entre a situação do País e o desempenho das lojas, há uma relação direta entre desonerações e isenções de impostos federais e estaduais e aumento de vendas. Isso porque o preço é fator determinante, especialmente nos produtos de menor valor. "Este mercado, quanto mais baratear, mais acessível", reforça Saldanha, detalhando que a Aliança Bike tem entre suas estratégias trabalhar nas esferas públicas para melhorar as condições para compra, com redução de impostos e taxas para componentes.
Para se ter uma ideia, pesquisa anual do comércio varejista indica que mais de 80% dos lojistas responderam que os modelos mais vendidos custam até R$ 3 mil, sendo que a maior parte está na faixa de até R$ 1.500. O levantamento on-line foi realizado de janeiro a março de 2025, com 302 lojistas no País, com margem de erro de 5,51%.
Na sondagem, quase metade dos lojistas aumentou o faturamento entre 2023 e 2024, especialmente entre as de grande porte. Ao mesmo tempo, caiu o número de bicicletas vendidas. Saldanha detalha que o resultado está relacionado à oferta de outros produtos e serviços. Mecânica, que correspondia a quarta posição em 2020, hoje representa 23%, e ocupa a segunda maior participação no faturamento das lojas de bicicleta. A principal é a venda de bicicletas inteiras, com média de 44%. Em terceiro, é a comercialização de componentes, com 22% e, na sequência, a venda de acessórios, respondendo por 12%.
A oferta de serviços de mecânica e revisão é mais relevante para o faturamento entre as lojas menores. Entre as lojas maiores, a venda de bicicletas inteiras é o destaque. Dos modelos, Mountain Bike (MTB) é o mais vendido e está em mais de 90% das lojas. Infantil, em 69%, Urbana e Speed, ambas 50%, e bicicleta elétrica, 47%.
 

Vendas no comércio varejista de bicicletas novas e usadas (em unidades)*

*Monitoramento da Aliança Bike com lojistas e nos dados de produção, montagem e importação de bicicletas e componentes.   **Expectativa, dados ainda não apurados

*Monitoramento da Aliança Bike com lojistas e nos dados de produção, montagem e importação de bicicletas e componentes. **Expectativa, dados ainda não apurados

/Cesar Lopes/ PMPA/JC
  • 2018: 4 milhões
  • 2019: 4 milhões
  • 2020: 6 milhões
  • 2021: 5,8 milhões
  • 2022: 3,77 milhões
  • 2023: 3,20 milhões
  • 2024: 3,20** 

- Entre 2022, 2023 e 2024 foram comercializadas 10,17 milhões de bicicletas novas, usadas, nacionais e importadas. A soma ficou abaixo do biênio de ouro do setor: 2020 e 2021 movimentaram, juntos, 11,8 milhões de unidades.

– A Aliança Bike, criada em 2003 e formalizada em 2009, realiza a Pesquisa Anual de Comércio Varejista de Bicicletas desde 2018, buscando mostrar tendências, mudanças e perspectivas para as lojas de bicicletas de todo o País.

Mais bicicletas em circulação exigem infraestrutura

Enquanto a malha não expande, a prefeitura de Porto Alegre promete revisar o seu Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI), criado em 2009

Enquanto a malha não expande, a prefeitura de Porto Alegre promete revisar o seu Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI), criado em 2009

/Gustavo Roth/EPTC/PMPA/JC
A circulação de bicicletas nas ruas de Porto Alegre aumenta, acompanhando uma tendência global de valorização da mobilidade sustentável. Embora ainda não exista um levantamento oficial do número total de bicicletas em circulação na Capital gaúcha, é perceptível o aumento constante de ciclistas, tanto na região central — onde se concentra a maior parte da malha cicloviária — quanto nos bairros afastados, onde espaços dedicados são raros.
Esse crescimento reflete a transformação da bicicleta em um meio de transporte cada vez mais presente no cotidiano dos porto-alegrenses, a popularização das plataformas de entrega e os sistemas de compartilhamento. Seja entre estudantes, trabalhadores, atletas ou adeptos do lazer ao ar livre, a bicicleta está conquistando seu espaço nas ruas, impulsionando um mercado diversificado que envolve lojas, oficinas, startups, fabricantes de bicicletas e acessórios, serviços e até mesmo arte.
Embora tenha sofrido um impacto significativo em 2024 devido aos eventos climáticos, a modalidade de bicicletas compartilhada demonstra sinais de recuperação. A empresa Tembici, que opera em Porto Alegre, informou que as enchentes de 2024 afetaram severamente a infraestrutura, danificando todas as bicicletas elétricas, que seguem fora de operação. Atualmente, o sistema funciona com cerca de 600 bicicletas convencionais distribuídas em 90 estações pela cidade.
Apesar dos desafios, o uso das bicicletas compartilhadas segue em crescimento: só em 2025, foram registrados mais de 668 mil deslocamentos, evitando potencialmente a emissão de 120 toneladas de CO2 na atmosfera. A empresa informa que não há previsão para a retomada das bikes elétricas. O foco tem sido planejar e implementar iniciativas para recuperar os índices de uso do sistema, que ainda estão cerca de 20% abaixo do período anterior às enchentes.
Mesmo com o aparente aumento do número de bicicletas em circulação, pesquisa sobre origem e destino de 2022 indicou que apenas 1,5% das viagens em Porto Alegre eram feitas por bicicleta. Aumentar esse percentual depende diretamente de infraestrutura segura e acessível, o que reforça a necessidade de integração com o transporte público. Ou seja, tem muito a avançar.
Com uma malha cicloviária de apenas 87 quilômetros, sendo 29,24 quilômetros implantados entre 2021 e 2024, a busca por essa alternativa sustentável de transporte esbarra em problemas antigos: falta de investimento, manutenção precária, conexões incompletas e insegurança viária e pública.
Entre os usuários e empresários do setor, a baixa malha de ciclovias é apontada como um dos principais obstáculos à expansão do mercado. "Já fui atropelado cinco ou seis vezes andando corretamente. As pessoas usam a contramão porque não existe infraestrutura. Ciclovias bem planejadas mudariam esse cenário", conta Anderson Albuquerque, proprietário da BikeTech.
A malha da cidade inclui ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas — estas últimas correspondendo a cerca de 10% da infraestrutura e caracterizadas pelo compartilhamento do espaço com os automóveis, como é o caso da Rua João Alfredo, na Cidade Baixa. "Temos trechos consolidados, como o da Orla, mas existem lacunas a serem conectadas", diz João Paulo Cardoso Joaquim, coordenador de Planejamento da Secretaria de Mobilidade Urbana.
Para este ano, uma ciclovia deve ser implantada na zona Sul, com traçado por trás do supermercado Cestto (na Avenida Wenceslau Escobar) e pela Rua Copacabana, no bairro Cristal, e faz parte de uma contrapartida da construtora Melnick. Outro projeto em discussão prevê a inclusão de ciclovia na duplicação das avenidas Edgar Pires de Castro e Juca Batista.
Enquanto a malha não expande, a prefeitura promete revisar o seu Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI), criado em 2009. Os primeiros movimentos para esta reformulação ocorreram em 2022, mas sem conclusão. Para este ano, o coordenador de Planejamento da prefeitura diz que a pauta está avançando "na elaboração de um material para contratar a revisão do plano diretor cicloviário". A adequação é considerada urgente diante das novas dinâmicas de mobilidade urbana. "A pandemia e eventos como as enchentes mudaram o jeito como as pessoas se deslocam. O plano precisa refletir essas mudanças", reforça Joaquim.
Não apenas a extensão, mas a qualidade das estruturas é motivo de crítica. A ciclovia da Avenida Ipiranga, por exemplo, tem interrupções que precisam de obras robustas. Já na Avenida Loureiro da Silva, a sujeira e a fuligem provocadas pelo alto fluxo de ônibus dificultam a manutenção. "Há impacto do uso e de intempéries e uso e não conseguimos fazer a manutenção no mesmo ritmo de necessidade das ciclovias", lamenta Joaquim.
Além da infraestrutura, há um aspecto cultural envolvido. A bicicleta ainda é vista por muitos como um "estorvo" no trânsito, especialmente por comerciantes que temem perder vagas de estacionamento. "A mobilidade urbana precisa ser pensada de forma equitativa, e não apenas priorizando o automóvel", defende Joaquim, que é usuário da bicicleta.
 

JR Bicicletas atua com importação e distribuição de peças e acessórios

Laub deu início à empresa em 1995, junto com o primo Heineberg

Laub deu início à empresa em 1995, junto com o primo Heineberg

/Anderson Xavier/Divulgação/JC
A JR Bicicletas chega a 30 anos expandindo sua atuação pelo Brasil. Fundada por dois jovens em 1995, Jean Laub, então com 23 anos, e seu primo Ricardo Heineberg, de 21, hoje é uma das principais importadoras e distribuidoras de peças e acessórios do setor no Brasil. Com uma base de lojistas pulverizada — nenhum cliente representa mais de 2% do faturamento —, a empresa garante a capilaridade. São mais de 5 mil clientes ativos em todo o País, 2 mil itens no portfólio e duas marcas próprias que movimentam metade do faturamento.
A história da JR começa com tradição. Jean trabalhava com um tio, dono de um atacado de peças de bicicleta. Foi com o incentivo dele que a dupla decidiu empreender. Começaram vendendo pneus e câmaras de ar com pronta entrega - literalmente. Levavam os produtos no carro e, ao fechar negócio, entregavam na hora. "Mesmo quando o cliente dizia que não precisava, a gente voltava. Criamos uma relação de confiança que se tornou nosso diferencial", lembra Jean.
Após o primeiro ano, a JR passou a contar com representantes no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde atualmente está localizado o Centro de Distribuição. As importações, especialmente da Ásia, ajudaram a alavancar a competitividade. "A China evoluiu muito. A diversidade e a qualidade dos produtos nos surpreendem a cada visita", afirma Jean, que visita o país anualmente.
A visão de longo prazo também impulsionou a criação de marcas próprias. A Elleven, focada em acessórios como cadeados, luminosos e selins, foi lançada em 2010 e está em mais de 200 pontos de venda parceiros com expositores dedicados. Já a Veloforce é voltada a peças técnicas. Ambas seguem uma premissa curiosa: os produtos só passam a estampar a marca depois de comprovarem desempenho no mercado. As duas marcas representam cerca de 50% do faturamento da empresa.
Laub acompanha de perto as tendências do setor, como o crescimento das bicicletas elétricas, embora ainda considere os preços elevados no Brasil. E reforça a importância de políticas públicas estruturantes: "Temos iniciativas pontuais, mas falta um plano federal. Ciclovias são fundamentais, mas muitas ainda são mal projetadas ou mal executadas. A da Avenida Ipiranga, por exemplo, é um caso emblemático". Apesar dos desafios, os resultados são positivos. Em 2024, mesmo com os efeitos da enchente no Rio Grande do Sul, a JR cresceu 45%. Em 2025, a projeção inicial de 15% foi superada já no primeiro semestre, com crescimento acima de 30%.
 

BikeTech aposta em experiência e atendimento

Segundo Anderson, oficina é a peça-chave dos negócios

Segundo Anderson, oficina é a peça-chave dos negócios

/TÂNIA MEINERZ/JC
Aos 12 anos, Anderson Albuquerque levou um dia inteiro para percorrer, de bicicleta, os 80 quilômetros que separam o bairro Sarandi, em Porto Alegre, da cidade de Minas do Butiá. A aventura, feita ao lado do irmão com uma bicicleta simples e sem marchas, marca o início de uma paixão que se transformou em negócio, e hoje está à frente da BikeTech, loja especializada no segmento de bicicletas.
Criada em 1991, foi adquirida por Anderson em 2018. De início, o empresário transferiu a loja para a avenida Mostardeiro e, em 2021, para o Shopping Total, o que ele considera um divisor de águas. "Estar em um shopping trouxe estacionamento, segurança, comodidade para quem vem com a família e horários flexíveis para o consumidor", destaca. A boa relação com a administração do centro comercial também permite a realização de eventos no pátio do shopping, aproximando ainda mais a marca da comunidade ciclista.
Antes de assumir a BikeTech, Anderson já tinha experiência no varejo de bicicletas com a Rodociclo, fundada em 1986 por seu pai, Tirone Albuquerque. Os irmãos da família tiveram experiências no setor, mas coube a Anderson a missão de levar adiante o negócio familiar. "A Rodociclo continua ativa, com foco em outras marcas. Já a BikeTech representa oficialmente a Trek, uma das líderes globais em bicicletas de alta performance", explica.
A experiência acumulada ao longo de quase quatro décadas se reflete em um atendimento especializado. A BikeTech hoje vai além da simples venda de bicicletas — oferece consultoria, orientação técnica para todos os níveis de ciclistas e bike fit, com avaliação do ciclista e ajuste da bicicleta às suas características físicas e biomecânicas.
O serviço, disponível inclusive para quem não comprou na loja, ajuda a definir o produto ideal em meio à diversidade de modelos e tamanhos, especialmente em mountain bikes aro 29, que exige atenção e conhecimento técnico. "Muita gente compra a bicicleta apenas com base na altura, mas o ideal é ajustar componentes como banco e guidão de acordo com a biomecânica do corpo", alerta Anderson.
A oficina é outra peça-chave do negócio, prestando serviços para qualquer marca. "Uma loja de bicicleta sem oficina não existe", resume o empresário. Com cerca de 12 funcionários nas áreas comercial, técnica e administrativa, a BikeTech também enfrenta os desafios do varejo moderno. "O consumidor migrou muito para o on-line, mas mesmo assim precisa de orientação para comprar o modelo adequado", explica o empresário que que segue pedalando mais de 500 quilômetros por mês.
 

Risco Furtado mistura bicicletas e ativismo

Artes incluem a criação de ilustrações personalizadas e podem ser conferidas em feiras e eventos culturais

Artes incluem a criação de ilustrações personalizadas e podem ser conferidas em feiras e eventos culturais

/Gabi Radde/Divulgação/JC
A bicicleta se transforma em arte no trabalho de Tássia Furtado, artista visual, cicloativista e integrante do Bike Anjo Porto Alegre há cerca de uma década. Mas sua relação com o transporte de duas rodas começou bem antes. Como ela mesmo brinca, "quando minha mãe perguntou o sexo, o médico respondeu: ciclista."
De meio de transporte, a bicicleta virou linguagem de vida e expressão. Foi participando das primeiras edições da Massa Crítica entre 2010 e 2011 que Tássia entendeu seu papel como cicloativista. A partir daí, a bicicleta se tornou inspiração para arte e militância urbana. Além de pedalar, Tássia já foi ciclomensageira antes da era dos aplicativos, entregando encomendas com o coletivo Graxaim.
Foi a bicicleta que a motivou a fazer a faculdade de Arquitetura. Já formada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg), buscou entender melhor o urbanismo. No processo, reencontrou-se com o desenho à mão e criou a marca Risco Furtado. Seus traços nascem das experiências cotidianas com a bike: cenas de rua, histórias compartilhadas entre amigos, momentos sobre duas rodas.
As séries em lineogravuras, impressas manualmente em tiragens limitadas, retratam esse universo. Bicicletas urbanas e referências do passado, como a Monark Tigrão, a inspiram, assim como detalhes como garfos ou amortecedores, momentos afetivos e sociais. Cada peça é uma obra original - como a que reinterpreta um coração com freio em forma de ferradura: um convite para deixar o amor livre.
Tássia também cria ilustrações personalizadas, participa de feiras e eventos culturais e dá oficinas de mecânica básica de bicicletas. O namorado, Gerson Weissheimer, ou simplesmente Bigode Ruivo, ajuda na divulgação e ambos preparam um site para facilitar o acesso às obras.
A marca também está no Instagram e em feiras, mas a realidade do mercado é desafio. "Muita gente prefere gastar R$ 15 numa cerveja do que em um quadro. A arte ainda é desvalorizada frente a outros lazeres."
 

Modelos sob medida para longas jornadas

Luiz Assis Brasil Neto busca valorizar fornecedores nacionais

Luiz Assis Brasil Neto busca valorizar fornecedores nacionais

/Lucas Paix?o/divulga??o/jc
Há mais de 10 anos, a Spino vem moldando, soldando e testando modelos feitos para durar uma vida. “Faço a bicicleta que gostaria que fizessem para mim”, resume o proprietário Luiz Assis Brasil, administrador de empresas, artesão e ciclista. O empresário mantém um ateliê de bicicletas sob medida na zona Sul de Porto Alegre. Na Spino, tudo é feito por Luiz: do projeto à solda, da pintura ao acabamento. A produção é deliberadamente limitada — cada bicicleta leva cerca de um mês para ser finalizada, mas a fila de espera pode chegar a 10 meses.
Apaixonado por engenharia mecânica desde cedo, Luiz morou em Londres entre 2008 e 2013, período em que testemunhou a transição da capital britânica para uma cidade mais voltada ao ciclismo. Ali, observou de perto um mercado emergente — o das bicicletas utilitárias e confortáveis, com mais espaço para carga e foco no estilo de vida, não apenas na performance.
A ideia de trazer esse conceito ao Brasil amadureceu até 2014, quando viajou para Portland, nos EUA, onde fez um curso especializado em construção de quadros. No mesmo ano, nascia a Spino, voltada à produção artesanal de bicicletas sob medida. Adotou o aço cromo-molibdênio para os quadros, por ser resistente e de fácil reparação “Um pouco mais pesado que alumínio ou carbono, mas com uma vida útil muito maior e manutenção simples.”
O processo de construção começa com uma entrevista com o cliente para saber suas necessidades e aspirações. A prioridade é o ajuste. É preciso que a bicicleta se encaixe no corpo. “O mercado tradicional trabalha com performance e padronização. Eu trabalho com ergonomia, conforto e durabilidade”, explica.
Com uma bicicleta de teste ajustável, Luiz analisa a distribuição do peso do ciclista e desenha um quadro sob medida, capaz de suportar pedaladas de oito horas sem gerar fadiga ou dores. É o oposto das adaptações feitas após a compra de modelos prontos.
O aço cromo molibdênio, material preferido na Spino, é resistente e reparável — atributos ideais para quem se aventura por estradas de terra, trilhas e caminhos remotos. “É o vinil da bicicleta”, define Luiz. “Um pouco mais pesado que alumínio ou carbono, mas com uma vida útil muito maior e manutenção simples.”
As peças vêm de fornecedores especializados, com tubos importados desenhados especialmente para bicicletas. Parte da produção é nacional e feita na própria oficina — como bagageiros, paralamas e até componentes em madeira. “É uma bicicleta orgânica, que acompanha o ritmo do ciclista e pode ser reparada mesmo longe de grandes centros urbanos.”
“Já tive sócios, mas percebi que meu caminho era o de poucos pedidos e alto cuidado com cada um. Prefiro entregar algo especial do que escalar produção e perder a alma do processo”, revela. O ritmo artesanal também exige atualização constante. A evolução dos sistemas — como freios a disco, eixos diferenciados e cabeamento interno — força pequenos fabricantes a inovar com criatividade.
Além de fabricante, Luiz é ciclista ativo. Já percorreu trilhas e estradas no Uruguai, país que destaca como referência no respeito aos ciclistas. “Lá, os carros têm outra relação com a bicicleta. No Brasil, o trânsito é hostil com todos: pedestres, motociclistas e ciclistas”, avalia.
Para ele, o crescimento do ciclismo urbano precisa de mais que infraestrutura — precisa de incentivo e cultura. “Campanhas com contrapartidas, como descontos em IPTU para empresas que estimulam o uso da bicicleta, ajudariam. Quando mais gente pedala, mais seguros todos se sentem.”

Semexe aposta em atendimento e comunidade para liderar mercado

Criada em 2019, a Semexe consolidou-se como o principal marketplace nacional para compra e venda de artigos esportivos, tendo como carro-chefe bicicletas usadas de alto padrão. Fundada por Rafael Papa, ex-Mercado Livre, e Gabriel Novais, ex-Red Bull, a plataforma foi inspirada em modelos internacionais de economia circular e com meta de unir tecnologia e atendimento especializado em um ambiente seguro para negócios entre atletas e entusiastas do ciclismo.
Desde a fundação, a empresa atrai investimentos relevantes. Entre os nomes por trás da operação estão fundos como a Outfield Capital e Domo Invest, além de sócios estratégicos como o ciclista Henrique Avancini, Carlos Galvão (da Unlimited Sports) e Bernardo Fonseca (da X3M). "São investidores que não apenas aportaram capital, mas também agregam intelectualmente ao crescimento do negócio, conectando a Semexe à comunidade esportiva e ao mercado como um todo", explica Bruno Moraes, coordenador de marketing da empresa.
Todo o time da Semexe — atualmente com 12 pessoas — pratica algum esporte. "Isso nos aproxima dos nossos clientes, porque falamos a mesma língua. Não vendemos apenas uma bike, entregamos uma experiência de compra com suporte, orientação e pós-venda de qualidade", resume o gestor.
Cada bicicleta anunciada passa por verificação, e tem certificado de compra e venda emitida pela empresa Mosaico, que analisa documentos e imagens e consulta bases de dados para checar as informações do produto. "Nosso controle de qualidade é tão minucioso que problemas são filtrados antes mesmo de qualquer anúncio ir ao ar", destaca o executivo.
Com tíquete médio de R$ 20 mil por bicicleta, a Semexe trabalha com apenas duas transportadoras parceiras, que obedecem a procedimentos e protocolos nas entregas. Com escritório e centro de distribuição no bairro da Lapa, em São Paulo, a empresa busca em sua base de dados formas de melhorar o fluxo de compra e venda.
Com base nos dados do site, a empresa identificou, por exemplo, que anúncios com ao menos seis fotos específicas e mais de 100 caracteres na descrição vendem 60% mais rápido. Desde que as novas orientações visuais foram implementadas, 90% dos novos anúncios passaram a seguir o padrão ideal, otimizando o processo.
Ao mesmo tempo em que melhora a performance do vendedor, a Semexe oferece consultoria para os compradores: ajuda novatos a escolherem o modelo ideal, evitando que invistam em produtos acima do que necessitam, e orienta ciclistas experientes sobre preço de mercado e características técnicas para troca ou upgrade de bike.
"Já aconteceu de orientarmos um comprador a não fechar negócio com uma bicicleta maior do que a ideal. Ele agradeceu, e dias depois o próprio vendedor trouxe outro modelo adequado. Isso gera confiança", conta o coordenador.
Com mais de 8.700 clientes na base e uma meta de comercializar 1.200 bicicletas em 2025, a Semexe tem ampliado sua presença em diferentes frentes. Além da plataforma de bicicletas, atua com a marca Loopify, voltada para a revenda de moda esportiva e casual — com foco em peças com pequenos defeitos ou estoques que não podem mais ser vendidos como novos.
 

*Karen Viscardi é formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (Pucrs). Atuou como editora no Jornal Zero Hora, e como editora e repórter no Jornal do Comércio.

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