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Publicada em 30 de Maio de 2025 às 16:51

Um ano depois das enchentes, seguem os resgates e os cuidados com animais

Cerca de 20 mil animais domésticos, incluindo aqueles sem tutores, foram resgatados durante as inundações

Cerca de 20 mil animais domésticos, incluindo aqueles sem tutores, foram resgatados durante as inundações

GRAD/Divulgaçã0/JC
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Luana Pazutti
Luana Pazutti
"Tinha previsão de chuvas e de inundações, mas ninguém fazia ideia ainda que seria nessa proporção", diz a presidente do Grupo de Resposta a Animais em Desastres (GRAD), Carla Sassi. No ano passado, a médica veterinária mineira desembarcou em Porto Alegre pouco antes do ápice da maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul, que ceifou vidas e destruiu lares, inclusive dos companheiros de quatro patas.
"Tinha previsão de chuvas e de inundações, mas ninguém fazia ideia ainda que seria nessa proporção", diz a presidente do Grupo de Resposta a Animais em Desastres (GRAD), Carla Sassi. No ano passado, a médica veterinária mineira desembarcou em Porto Alegre pouco antes do ápice da maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul, que ceifou vidas e destruiu lares, inclusive dos companheiros de quatro patas.
Cerca de 20 mil animais domésticos, incluindo aqueles sem tutores, foram resgatados durante as inundações do Estado, segundo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA). Somente na capital gaúcha, em torno de 2,9 mil animais foram resgatados e encaminhados para 40 abrigos acompanhados pela prefeitura, de acordo com o Gabinete da Causa Animal.
Um ano após o desastre, pelo menos 723 animais ainda estão à espera de um lar no RS. Mas, esse número poderia ser maior se não houvesse iniciativas voluntárias, como a mais longa operação do GRAD, que começou no dia 1° de maio de 2024 e segue ativa.
"Éramos três de Minas e dois de Santa Catarina. A gente se organizou para ir, porque algumas cidades já estavam com problemas e tinham até decretado situação de emergência", lembra Carla. Com o avanço das chuvas, o grupo, que havia se deslocado para São Sebastião do Caí, enfrentou desafios logo no primeiro destino.
"A gente não conseguiu nem voltar mais para Porto Alegre para pegar nossas coisas que estavam no hotel, porque ele também inundou", destaca a presidente da organização. Logo, a equipe aumentou, mas as dificuldades logísticas persistiram. Com a interdição das estradas ainda no início da catástrofe, a ausência dos materiais de trabalho foi o principal obstáculo.
"Por mais que o GRAD tenha atuado em vários desastres no Brasil, nada se compara ao que aconteceu no Rio Grande do Sul, infelizmente. Então, nesse primeiro momento, nós buscamos entender a situação, onde havia a necessidade dos maiores esforços", destaca a diretora jurídica do GRAD e advogada especialista em direito dos animais, Ana Paula de Vasconcelos.
Nenhum impasse, contudo, impediu a atuação do grupo, que reuniu 80 voluntários de 14 estados brasileiros. Médicos veterinários, biólogos, engenheiros, zootecnistas, bombeiros, fotógrafos, advogados e diversos outros profissionais estiveram envolvidos nos resgates e no atendimento aos animais. O grupo mobilizou embarcações, veículos e drones para realizar operações em seis municípios durante os alagamentos.
As ações não foram apenas emergenciais. Quando as chuvas cessaram, o GRAD direcionou os seus esforços para a manutenção dos animais acolhidos em nove cidades gaúchas. Muitos deles, contudo, nem sequer tinham esperança do reencontro. "Já nas primeiras semanas, conseguimos verificar que a grande maioria dos animais resgatados, principalmente na Região Metropolitana de Porto Alegre, viviam nas ruas", aponta a advogada.
"Imagina o tamanho da tragédia. Você pegar um bairro onde tinha cerca de mil animais nas ruas, e, de repente, todos eles estão centralizados em um abrigo", completa Ana Paula. Para a presidente do GRAD, "nenhum lugar no mundo estaria preparado para abrigar, respeitando todas as diretrizes do bem-estar animal, esse número grande de animais resgatados".
Ao todo, foram mais de 4 mil animais assistidos no período pós-desastre, quando as famílias começaram a retornar às suas casas. Com o apoio de doações de pessoas físicas, o GRAD mobilizou o fornecimento de ração, medicamentos, vacinas, antiparasitários, produtos de higiene e itens de conforto.
A operação também envolveu internações e procedimentos cirúrgicos. Após os salvamentos, 76 animais precisaram ser internados em clínicas veterinárias, 42 passaram por cirurgias, e mais de 300 exames foram realizados.
Nos Centros de Acolhimento (CHAs), montados pelo governo estadual, o grupo ainda realizou a castração de pelo menos 4,9 mil animais, assim como foi responsável pela adequação dos espaços e atendimento veterinário contínuo. Os procedimentos foram efetuados com recursos do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), em parceria com o Ministério Público do Rio Grande do Sul e o governo do Estado. 
 

A peça que faltava

Cerca de 20 mil animais domésticos, incluindo aqueles sem tutores, foram resgatados durante as inundações

Cerca de 20 mil animais domésticos, incluindo aqueles sem tutores, foram resgatados durante as inundações

GRAD/Divulgaçã0/JC
Além de todas essas ações, o Grupo teve um papel fundamental para a viabilização das adoções. Foram pelo menos 580 processos efetuados em diversas cidades do País, incluindo Brasília, que se tornou o novo lar da Bergamota e da Salva, duas cadelinhas de pelo caramelo. "Ela estava muito assustada, com aquele olhar perdido. A Bergamota era pele e osso quando ela chegou. Era muito magrinha mesmo, tinha cerca de cinco quilos", descreve a adotante e médica veterinária Carina da Costa Krewer, de 37 anos.
Com o passar do tempo, contudo, a nova integrante da família se adaptou à casa, aos donos e à amiga de quatro patas, a Goiabinha. "Hoje, Bergamota já está com oito quilos. Logo, com o passar dos dias, ela foi sentindo que ali era um lugar seguro para ela", completa Carina.A veterinária é natural de Santa Maria, no interior do Estado, mas mora na capital brasileira há doze anos. "Acho que também teve um efeito um pouco maior, porque eu sou gaúcha, né? Então, eu fiquei muito preocupada com essa situação, com as pessoas e também com os animais", completou.
Mas, não foram apenas os gaúchos que se sensibilizaram com a tragédia. Para o advogado Luiz Gustavo Pereira da Cunha, que também mora em Brasília, a adoção da Salva foi a alternativa que encontrou para ajudar o RS quando as doações já não pareciam mais suficientes. "Na época da tragédia, acho que o Brasil inteiro ficou comovido, queríamos ajudar de alguma forma", explica o adotante, de 46 anos.

Luiz já tinha três cães, mas destaca que a companheira caramelo veio para "mudar". "Todos os cachorros aqui tem características distintas. Mas a impressão que eu tenho é que ela é a mais grata. Não sei se é por já ter vivido em outro mundo, eu não sei o que ela passou", ressalta o advogado, que, no momento da entrevista, estava com a cadelinha sentada nos seus pés. Nem todos os animais resgatados durante as enchentes tiveram a mesma sorte da Bergamota e da Salva. Passada a comoção inicial, a procura por adoções diminuiu. Hoje, ainda há mais de 700 animais em abrigos à espera de uma nova casa, de acordo com dados da plataforma digital
SisPetRS, da Sema.

A devolução de animais já adotados, somada à baixa procura por parte de novos adotantes, preocupa abrigos e voluntários, como a ONG gaúcha 101 Vira-latas, que abrigou 500 animais durante as enchentes. Hoje, o número diminuiu, mas ainda há 30 peludos sem perspectiva de um lar definitivo.
O Grad ainda mantém cerca de 50 animais resgatados em lares temporários. A maioria deles fica no Rio de Janeiro e em São Paulo. "A gente segue na divulgação, principalmente, na tentativa de conseguir bons lares para os animais que ainda estão aguardando. Muitos foram resgatados no olho do furacão de toda essa tragédia e ainda não tiveram sucesso na adoção", aponta Carla.

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