Ricardo Gruner
Acima de qualquer outra coisa, Animais noturnos reúne um dos melhores elencos do ano: o núcleo principal tem Amy Adams (também em cartaz com A chegada), Jake Gyllenhaal (O abutre), Michael Shannon (Foi apenas um sonho) e Aaron Taylor-Johnson (O garoto de Liverpool). Com estreia na próxima quinta-feira, o título recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza e concorre a três Globos de Ouro.
Segundo longa-metragem do estilista norte-americano Tom Ford, o filme aborda as relações entre empenho e acovardamento, lealdade e dissimulação - a respeito do amor ao próximo, a si mesmo, à arte. Embora nem sempre tenha o impacto almejado pelo cineasta - não que a sutileza seja necessariamente um demérito -, a narrativa usa as duplicidades para explorar o peso das expectativas.
Na obra, Susan (Amy Adams) vem de uma família abastada e leva uma vida que sabe ser privilegiada. Bem-sucedida proprietária de uma galeria de arte, ela sente-se culpada por ser infeliz, tanto na profissão e no casamento quanto consigo mesma. Quando a personagem recebe um livro escrito por seu ex-marido fica intrigada. A publicação tem o título de Animais noturnos, envolve uma história brutal e é dedicada a ela - quem Edward, o autor, gostaria de encontrar novamente.
A partir de então, o público acompanha três histórias: a rotina de Susan; o breve casamento entre ela e o escritor, há duas décadas; e a encenação do enredo do livro. Jake Gyllenhaal interpreta tanto Edward quanto Tony, o protagonista do trabalho literário. No romance, uma família é atacada por três baderneiros na estrada - e cabe ao personagem lidar com a situação.
De acordo com o próprio diretor, o filme é "uma história educativa sobre aceitarmos as escolhas que fazemos ao longo da vida e as consequências que nossas decisões podem ter". Embora generalista, a definição não poderia ser mais precisa. Baseado no livro Tony e Susan, de Austin Wright, o roteiro tem seus episódios entremeados e correlacionados. A partir das informações vistas nas sequências no presente e no passado, é possível entender a abordagem da ficção; com a ficção e o passado, pode-se refletir sobre que se passa com a protagonista no presente; e assim por diante.
Tom Ford destaca ainda a facilidade com que relacionamentos ou convicções se desmantelam na contemporaneidade. Em um tempo no qual tudo é tão descartável, há quem esqueça que a conexão com os outros é capaz de dar sentido (ou suporte) ao caminho mais difícil. E no sentido oposto, a adaptação - intencional ou não - ao que sistemas, parentes e amigos consideram adequado pode ter seu preço.
Se muitos dos subtemas aparecem nas entrelinhas, algumas das soluções narrativas chegam aos solavancos - e impedem que Animais noturnos seja uma obra superior. Por um lado, a montagem inclui uma cena decisiva que não é pincelada pouco a pouco, apenas surge na narrativa, comprometendo o seu efeito dramático. Por outro, o roteiro conta com momentos em que as informações são repetidas em sequência - como se não houvesse confiança sobre a eficácia da primeira mensagem.
Derrapadas à parte, o longa-metragem conta com uma direção de fotografia que ajuda a construir cada um dos três segmentos. O cotidiano de Susan, por exemplo, é representado através de enquadramentos simétricos e visão de quem a observa. Afinal, no ambiente em que transita, sua persona está em avaliação pelos outros, e ela própria está revendo a sua essência. Já a narrativa do fictício Tony, violenta e com ótimas contribuições do elenco de apoio, tem imagens granuladas, a fim de reforçar a intensidade física e emocional dos acontecimentos que ele vive.
Capaz de ressoar após o término da sessão, mas sem a coesão de um trabalho inesquecível, o segundo filme de Tom Ford concorre aos Globos de Ouro de melhor direção, roteiro e ator coadjuvante (Aaron Taylor-Johnson).
Em outros prêmios vistos como aquecimento para o Oscar, a produção recebeu poucas lembranças até agora: para roteiro, para a interpretação de Michael Shannon e para a fotografia no Critics' Choice Awards; e para melhor atuação de dublês no SAG.