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Publicada em 06 de Setembro de 2022 às 17:48

A independência do Brasil em sete lugares de Porto Alegre: Viaduto Dom Pedro I

Monarca de dois países, Dom Pedro I ficou na história como o libertador do Brasil

Monarca de dois países, Dom Pedro I ficou na história como o libertador do Brasil

Reprodução/JC
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Juliano Tatsch
Juliano Tatsch Editor-assistente
O passeio por Porto Alegre para celebrar os 200 anos de independência do Brasil se encaminha para o final. A penúltima da série de sete matérias que marcam o bicentenário da separação do Brasil de Portugal por meio de ruas, avenidas, bairros e locais da capital gaúcha fala sobre o homem responsável por dar o grito que criou uma nação.

Capítulo 6 - Viaduto Dom Pedro I

Viaduto no bairro Praia de Belas celebra o imperador na Capital

Viaduto no bairro Praia de Belas celebra o imperador na Capital

LUIZA PRADO/JC
Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim. Ou, simplesmente, Dom Pedro I.
Em Porto Alegre, ele é nome de escola, de condomínio e de um famoso e importante viaduto na avenida Borges de Medeiros, região central da cidade.
Figura mais conhecida, aclamada e transformada em mito da história brasileira, o príncipe português que declarou a separação do Brasil de sua terra natal é uma figura única.
Em sua curta vida – morreu em 24 de setembro de 1834, aos 35 anos de idade – foi herói e também foi vilão. Foi um homem apaixonado e atencioso, e também um marido adúltero inveterado.
Foi príncipe de Portugal, imperador do Brasil, e rei de Portugal. Nessa ordem.
Pedro viveu pouco (não tão pouco para a época, pensando que a expectativa de vida no século 19 não chegava aos 40 anos), mas intensamente.
O menino príncipe tinha apenas nove anos de idade quando se viu obrigado, junto com toda a sua família, a fugir de seu país que estava sendo invadido pelo temido e poderoso imperador francês napoleão Bonaparte, em novembro de 1807.
Pedro foi o quarto filho do rei de Portugal, Dom João VI com a rainha Carlota Joaquina. Quis o destino que tivesse nascido em 1798, em um dia 12 de outubro, data que viraria feriado no Brasil, mas não por sua causa.
A vida foi, ao mesmo tempo, gentil e trágica para Pedro. O destino reservava para aquele garoto nascido em Queluz, cidade do distrito de Lisboa, ser monarca em dois países, um de cada lado do oceano.
Pedro não seria imperador nem rei se seu irmão mais velho D. Antônio, o primeiro filho homem de D. João VI, não viesse a morrer aos seis anos de idade. Se a tragédia não tivesse se abatido sobre os Bragança em junho de 1801, tudo poderia ter sido diferente.
O primeiro imperador do Brasil – e do Novo Mundo – chegou criança em terras tupiniquins e aqui passou sua adolescência e a maior parte de sua juventude. Sabe-se que Pedro foi uma criança levada, agitada, pouco polida para um príncipe. Já na adolescência se manifestou o mal que iria lhe acompanhar por toda a vida: a epilepsia. Não raros foram os ataques em público do príncipe, um deles, inclusive, logo no desembarque de sua futura esposa, imperatriz Leopoldina.

O mito desfeito com a República

Proclamação da República foi crucial para a desmitificação de Dom Pedro I

Proclamação da República foi crucial para a desmitificação de Dom Pedro I

Benedito Calixto/Reprodução/JC
Em praticamente todos os países do mundo, a figura responsável diretamente pela libertação do colonizador se torna um mito, um herói permanentemente presente na cultura e no imaginário da população, tendo sua imagem reproduzida em estátuas, bustos, efígies, pinturas e na moeda nacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, George Washington, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, entre outros líderes da independência tem seus rostos estampados em notas de dólar. Na Argentina, San Martín está na nota de cinco pesos. Na Venezuela, Bolívar está em todas as notas.
No Brasil isso não acontece. Dom Pedro I não está em nenhuma nota de real. Estátuas do primeiro imperador também não são comuns nas grandes metrópoles do País. Um libertador senão esquecido, colocado à margem.
Mas, por que isso ocorreu?
O professor de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Luís Alberto Grijó, aponta o que seria uma das razões da desmitificação de Dom Pedro I no Brasil.
Conforme o acadêmico, os processos de heroicização ocorrem no decorrer da construção dos estados nacionais. Tanto no caso norte-americano quanto nos casos da América espanhola, os países se tornaram independentes em forma de república, diferentemente do Brasil, que, por 67 anos foi uma monarquia comandada por descendentes dos reis e rainhas do pais colonizador.
No caso brasileiro, a mudança do regime ocorrida em 1889 – de monarquia para república – foi fundamental para que Dom Pedro I fosse, paulatinamente, perdendo espaço na narrativa histórica. “Quando temos a proclamação da república, o império é representado pela como um atraso, como o velho, como o antigo, e, naquele processo, podiam, inclusive, encontrar novos heróis. Eles acabam rejeitando os imperadores. Não podiam botar o Dom Pedro II como herói, pois destronaram ele. O Dom Pedro I era pai do segundo. Ficou aqui algum tempinho e depois voltou para Portugal para ser rei”, observa Grijó.
Na visão do professor da Ufrgs, portanto, a construção dos heróis da pátria está intrinsecamente associada à forma como os regimes constroem a sua representação histórica e o nascimento do estado nacional.
Ainda sobre o assunto, Grijó cita o trabalho do historiador José Murilo de Carvalho, autor do livro “A Formação das Almas – o imaginário da República no Brasil”. Carvalho aponta que o movimento militar que derrubou Dom Pedro II temia uma reação popular em defesa do monarca e, assim, precisava associar o golpe de estado com uma figura heroica. O nome escolhido foi o de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. A própria forma como o alferes mineiro morto quase um século antes passou a ser retratado aponta para isso: um indivíduo magro, alto de longos cabelos e barba, à semelhança de Jesus.
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Tiradentes foi alçado ao posto de herói nacional com a queda da monarquia (Reprodução/JC)
Um processo de recolocação de Dom Pedro em um pedestal histórico começou a ocorrer a partir da década de 1930, com Getulio Vargas. “O Estado Novo vai reler o Império como um período áureo de estabilização, de relativa calma política. E aí, em parte, retornam algumas dessas figuras imperiais. Mais ainda vamos ter em 1972, no sesquicentenário da Independência, sob a ditadura militar, onde foram feitos festejos gigantescos, com traslado dos restos mortais de Dom Pedro I”, destaca Grijó.
Esse processo ainda continua, com as recorrentes aparições de descendentes da família real brasileira na mídia e, mais recentemente, com a polêmica chegada do coração de Pedro ao Brasil para os festejos dos 200 anos da Independência.

Um herói humano, demasiadamente humano

Um imperador de modos simples, mas que gostava de mandar

Um imperador de modos simples, mas que gostava de mandar

Reprodução/JC
A imagem do libertador do Brasil é controversa, o que o torna uma figura histórica ainda mais fascinante. Herói imponente, corajoso, em vestes militares empunhando a espada e gritando a liberdade de um povo no lombo de um cavalo ou um beberrão, amante das mulheres, adúltero, que abandonou a esposa e teria, inclusive, a agredido quando grávida, fazendo-a perder o bebê. Dom Pedro pode ter sido um, e também pode ter sido o outro. De fato, foi um e foi o outro. Era humano, e jovem, muito jovem.
Tinha apenas 23 anos quando declarou a independência brasileira. Era um poeta modesto, mas um músico talentoso. No dia a dia, era comum receber visitas com vestes simples, como chinelos e chapéu de palha. Ativo em seus afazeres, gostava de estar à parte de todas questões relativas à corte, vistoriando navios, fiscalizando o comércio, cobrando de seus ministros soluções para os problemas. Bom cavaleiro, gostava de realizar passeios à galope sozinho – o que teria lhe causado 36 quedas - e cultivava um especial prazer em utilizar seu poder. “Possuía o gosto, a volúpia do mando”, escrevera Octávio Tarquínio de Souza, seu biógrafo. “Nascera para ser chefe, para governar, para ser obedecido”, completa.
A vida no Rio de Janeiro também lhe ensinou as malandragens cariocas. Genioso, gostava de jogar e se sentia bem convivendo com súditos de classes mais baixas, como seus criados, com os quais aprendia o vocabulário popularesco da corte. Segundo consta, Dom Pedro I não bebia bebidas alcóolicas, mas, definitivamente, não dispensava uma boa farra madrugada adentro. E era nessas farras que ele – tanto como príncipe quanto como imperador – não perdia a oportunidade de se atirar aos braços de mulheres, muitas delas. Pedro era um frequentador assíduo dos inferninhos cariocas, muitos deles de propriedade de seu alcoviteiro e amigo próximo Francisco Gomes da Silva, o Chalaça.
As aventuras sexuais renderam à Pedro, além dos oito filhos oriundos dos dois casamentos – sete com a imperatriz Leopoldina e um com a imperatriz Amélia – foram muitos os outros descendentes da lascívia do imperador. Conforme Tarquínio de Souza, Pedro teve 18 filhos. Laurentino Gomes aponta que, em um período de menos de um ano, entre novembro de 1823 e agosto de 1824, foram três filhos, cada um com uma mulher diferente: um com Maria Benedita de Castro Canto e Melo, o outro com a irmã dela e sua famosa amante Domitila de Castro Canto e Melo e um com sua esposa, a imperatriz Leopoldina.
As traições, em especial a mais famosa, com Domitila, a quem concedeu o título de Marquesa de Santos, acabaram por minar o casamento com Leopoldina, causando na imperatriz profunda tristeza até sua morte, em dezembro de 1826. O imperador foi considerado culpado pela morte da esposa, muito querida pela população.
O ano de 1826 marcou também um curto período em que foi rei de Portugal, após a morte de seu pai, Dom João VI em 10 de março de 1826. Rapidamente, já em 2 de maio, Pedro abdicou da coroa portuguesa em favor de sua filha mais velha, Dona Maria da Glória.
O imperador voltou a casar-se em agosto de 1829 com a princesa Amélia de Leuchtenberg. Na época, Pedro tinha 30 anos enquanto Amélia tinha 17.
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A carta de abdicação do imperador ao trono brasileiro (Reprodução/JC)
As disputas pela sucessão do trono português, usurpado por seu irmão Miguel, somadas às instabilidades políticas do governo no Brasil, fizeram o imperador abdicar do trono brasileiro em 7 de abril de 1831 por meio de uma carta:
"Usando do direito que a Constituição me concede, declaro que hei muito voluntariamente abdicado na pessoa de meu muito amado, e prezado filho o Sr. D. Pedro de Alcantara."
As lutas nos campos de batalha durante a guerra civil portuguesa - Pedro participou ativamente da guerra, estando - acabaram por agravar um quadro de tuberculose que o levou à morte no dia 24 de setembro de 1834 no mesmo quarto em que nasceu, no Palácio Real de Queluz.
Seus restos mortais, posteriormente, seriam trasladados para o Brasil em 1972, junto às comemorações dos 150 anos da Independência. Seu coração, porém, ficou na cidade do Porto, a seu pedido.

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