A série sobre os 200 anos da Independência do Brasil por meio de um passeio por ruas, locais e bairros de Porto Alegre chega a sua quinta matéria. Desta vez, vamos saber um pouco mais sobre uma mulher que teve papel fundamental na autonomia política brasileira.
A imperatriz Leopoldina não foi apenas a esposa seguidamente traída, humilhada pelo marido e triste por sua vida na corte do Rio de Janeiro como se costuma retratá-la. A filha do imperador da Áustria foi muito mais do que isso, tendo voz ativa nos eventos que resultaram na independência do Brasil.
Capítulo 5 - Bairro Jardim Leopoldina
Em Porto Alegre, Leopoldina virou nome de bairro na zona Norte
ANDRESSA PUFAL/JCCarolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda Beatriz de Habsburgo-Lorena é um nome desconhecido no Brasil. Além de bastante longo. No entanto, o modo como essa mulher ficou conhecida é bastante familiar aos brasileiros. Entre tantos outros locais, a imperatriz Leopoldina dá nome para escolas de samba, colégios, condomínios e bairros, como o Jardim Leopoldina, localizado na zona Norte de Porto Alegre.
Figura importante no período do primeiro reinado brasileiro, a imperatriz, esposa de Dom Pedro I, não recebe o devido crédito de sua participação no processo que resultou na independência brasileira de Portugal. Em uma sociedade profundamente patriarcal como era a brasileira na primeira metade do século 19, não é de se espantar que a mulher que assinou o decreto da independência seja apenas lembrada por ter sido diversas vezes traída por seu marido.
A primeira imperatriz do Novo Mundo nasceu em Viena, na Áustria e era filha de ninguém mais ninguém menos do que o imperador da Áustria Francisco I. A união dela com o então príncipe do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves não envolvia amor. Os dois sequer se conheciam, nunca tendo se visto, se falando apenas por cartas. O casamento de interesse era vantajoso para as duas casas imperiais, que, assim, estreitavam ligações.
Apesar de o marido Dom Pedro I ter sido celebrado pela tradição histórica como o libertador do Brasil de Portugal, Leopoldina teve papel fundamental nos acontecimentos de 1822. Não é à toa que o historiador Paulo Rezzutti a considera a “arquiteta” da independência, alcunha que ele colocou, inclusive, no título de livro que escreveu sobre ela.
Ser princesa não era uma das melhores coisas do mundo na época. As filhas dos monarcas eram uma espécie de moeda de troca política, sendo usadas ao bel prazer dos reis e rainhas que buscavam fortalecer seus impérios por meio de alianças. Foi o que aconteceu com Leopoldina. “Nós, pobres princesas, somos como dados que se jogam e cuja sorte ou azar depende do resultado”, escreveu em uma carta em 1826.
Mulher profundamente culta, interessada nos estudos da mineralogia, amante da natureza e das ciências naturais, Leopoldina era poliglota – diz-se que falava 11 idiomas -, e escritos recentes têm mostrado uma mulher muito menos passiva do que aquela que a historiografia tradicional apontava.
Mulher profundamente culta, interessada nos estudos da mineralogia, amante da natureza e das ciências naturais, Leopoldina era poliglota – diz-se que falava 11 idiomas -, e escritos recentes têm mostrado uma mulher muito menos passiva do que aquela que a historiografia tradicional apontava.
Leopoldina tinha 20 anos quando desembarcou no Rio de Janeiro em 6 de novembro de 1817 após casar-se por procuração com o príncipe cerca de seis meses antes, em 13 de maio, em cerimônia realizada na Igreja de Santo Agostinho, em Viena, na Áustria.
Inicialmente, a princesa se encantou com seu novo lar e com seu marido. Com o tempo, porém, a relação deixou de ser tão afinada. Pedro costumava, por exemplo, trancar as portas dos aposentos da esposa à noite, deixando-a presa. Para alguns, isso se daria por ciúmes, para outros, porém, era para que ele tivesse segurança para fazer suas escapadas noturnas pelos bares e prostíbulos cariocas.
Durante seu período casada com Pedro, Leopoldina cumpriu à risca àquilo a que era destinada: em nove anos, engravidou nove vezes, sofrendo dois abortos e dando à luz sete filhos.
Com o passar dos anos, já desiludida com a vida na corte no Rio de Janeiro, ela passa a se envolver mais nas questões políticas e é aí que sua participação no processo da Independência se torna crucial.
Com o passar dos anos, já desiludida com a vida na corte no Rio de Janeiro, ela passa a se envolver mais nas questões políticas e é aí que sua participação no processo da Independência se torna crucial.
O ponto alto disso foi a assinatura no documento que oficializou a separação brasileira de Portugal. “A declaração de Independência, em setembro, escrita por José Bonifácio, foi assinada por ela e enviada a dom Pedro, que ainda estava em São Paulo. Ou seja, do ponto de vista formal, a Independência foi feita por Leopoldina e Bonifácio, cabendo ao príncipe apenas o papel teatral de proclamá-la na colina do Ipiranga”, aponta o jornalista e escritor Laurentino Gomes, autor do livro “1822”.
Leopoldina também foi atuante no trabalho de reconhecimento internacional da independência, usando de seus contatos na Europa para, por meio de cartas ao seu pai, o imperador da Áustria, e ao seu sogro, rei de Portugal, costurar as tratativas para tal.
Para Rezzutti, a educação mais cosmopolita e menos regionalizada deu à imperatriz uma visão mais aprofundada dos acontecimentos de 1822. Diferentemente de seu marido, que ainda nutria receios em relação à separação, devotando uma fidelidade maior às cortes portuguesas – muito disso em razão do medo de ser deserdado do trono português – Leopoldina percebia que ser rei de Portugal não valia muito se o Brasil fosse perdido, por exemplo, por meio de uma revolução republicana.
Matriarca da Independência
A participação de Leopoldina nos assuntos políticos brasileiros se tornou mais presente a partir de 1821, com a volta da família real portuguesa para Lisboa. Diferentemente de seu pai, Dom Pedro I dividia os temas relativos à administração brasileira com a esposa. “Quando a corte partiu, as cartas da princesa para a Europa demonstram que ela era um personagem que participava do dia a dia político do marido. Leopoldina sabia o que acontecia, tinha opinião, que às vezes era bem-vinda, outras vezes não, mas o marido sempre a escutava”, aponta Rezzutti, autor do livro “D. Leopoldina: a história não contada – a mulher que arquitetou a independência do Brasil”.
Quando da chegada de Dom João VI em Lisboa, as cortes não gostaram de saber que o príncipe Pedro e sua esposa ficaram no Brasil, com o filho do rei tendo sido nomeado regente. Reunida em assembleia desde janeiro de 1821, as Cortes Gerais – uma espécie de assembleia na qual o rei tratava e acertava com a nobreza assuntos importantes – determinaram mudanças na gestão brasileira, revogando os avanços ocorridos durante a presença do rei por aqui. Uma das medidas foi dividir o Brasil em governos regionais autônomos que prestavam contas diretamente à Lisboa, com as províncias não reconhecendo a autoridade de Dom Pedro como regente. Dessa forma, o príncipe, na prática, mandaria apenas no Rio de Janeiro. A intenção era clara: tornar o Brasil novamente uma colônia.
Além disso, o príncipe deveria retornar à Europa, devendo realizar uma viagem pelo Velho Continente para fortalecer sua educação. Os decretos chegaram ao Brasil em 9 de dezembro de 1821 e, a princípio, D. Pedro os acatou.
Em cartas ao pai, o príncipe falava sobre o clima de tensão política que vivia o Brasil, na medida em que as elites locais não aceitaram as ordens de Lisboa, que lhe tiravam conquistas e privilégios. Entretanto, Pedro dizia-se fiel ao pai e ao reino português e se mostrava decidido a cumprir as ordens de retorno à Portugal.
Leopoldina teve papel decisivo na permanência do marido no Brasil. Grávida de sete meses de sua filha Januária, a então princesa negou-se a passar o resto da gestação a bordo de um navio. Assim, convenceu o marido a permanecer em terra até o parto, inviabilizando a partida que estava marcada para o dia 11 de dezembro de 1821.
“A princesa tinha mais consciência que d. Pedro de que nada mais poderia esperar de Portugal. As ordens vindas de lá, se forçosamente cumpridas, acabariam por despedaçar o Brasil em dezenas de repúblicas, como ocorrera com as províncias espanholas na América do Sul”, destaca Rezzutti.
A posição de Leopoldina pode ser vista em uma carta (leia abaixo) que endereçou para seu secretário entre o final de 1821 e o início de 1822 e que Rezzutti publica em seu livro. Nela, conforme o historiador, vê-se uma princesa muito mais decidida pelo Brasil do que o marido, bem informada sobre o que se passava nas províncias e firme na posição de que o príncipe deveria permanecer no Brasil a todo custo. “Ou seja, o Fico dela foi anterior ao do marido”, escreve o autor.
“Fiquei admiradíssima quando vi, de repente, aparecer meu esposo, ontem à noite.
Ele estava mais bem disposto para os brasileiros do que eu esperava – mas é necessário que algumas pessoas o influam mais, pois não está tão positivamente decidido quanto eu desejaria.
Dizem aqui que tropas portuguesas o obrigarão a partir. – Tudo então estaria perdido e torna-se absolutamente necessário impedi-lo.
Pernambuco deseja voltar à obediência, mas não quer nada saber das Cortes – não deverá, porém, manifestá-lo sob pena de ele não aquiescer.
Responda-me depressa por escrito, pois não convém visitar-me, a fim de que não desconfiem.”
Aconselhado pela esposa, contando com o apoio das províncias do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais, e sabedor do que o Brasil se tornaria com a sua saída – e também tendo conhecimento de que as cortes portuguesas não queriam que ele viesse a assumir o trono de Portugal e sim o seu irmão Miguel – Pedro formalizou sua permanência em território brasileiro no famoso Dia do Fico – 9 de janeiro de 1822.
As tensões aumentaram com o passar dos meses, com as cortes portuguesas pressionando o príncipe e a princesa estava bem ciente do que ocorria e do que, inevitavelmente, haveria de ocorrer, como mostra em outra carta, desta vez endereçada para sua irmã Maria Luisa:
“O Brasil é grande demais, poderoso e, conhecendo sua força política, incapaz de ser colônia de uma corte pequena, por isso custará muitas lutas duras e sangrentas.”
“O Brasil é grande demais, poderoso e, conhecendo sua força política, incapaz de ser colônia de uma corte pequena, por isso custará muitas lutas duras e sangrentas.”
A viagem que mudou o destino do Brasil e de Leopoldina
Em seis de agosto, Dom Pedro assinou o Manifesto às Nações Amigas. No texto – que, inclusive, pode ter sido corredigido por Leopoldina - no qual convocava as nações amigas a tratar diretamente com o Rio de Janeiro e não mais com Lisboa.
No dia 14, teve início a viagem do príncipe para São Paulo. Viagem essa que seria decisiva para o futuro do Brasil e, também, de Leopoldina.
Naquela data, o príncipe partiu para São Paulo, deixando a esposa como regente. Acompanhado por uma comitiva pequena, Pedro chegou a São Paulo em 24 de agosto. No Rio, Leopoldina era responsável pelas questões administrativas e burocráticas do reino. Em uma carta ao marido, disse que, após despachar por seis horas com os ministros, ficara mais cansada do que se fosse a São Paulo a cavalo. “Deus, queria que voltasses em breve, meu gênio não é para tudo isto”, escreveu.
As tensões aumentavam e a princesa, já então uma defensora da causa da libertação, presidiu uma reunião do Conselho de Estado no dia 2 de setembro, no Rio de Janeiro. Na discussão, propôs-se que fosse enviada uma correspondência para o príncipe em viagem dizendo-lhe que proclamasse a independência diante das irredutíveis pressões vindas de Lisboa com vistas a rebaixar o Brasil novamente à condição de colônia.
Junto com a carta com as deliberações da reunião, uma outra missiva, assinada apenas por Leopoldina, foi enviada para o príncipe que estava em São Paulo. Nela, a princesa deixava claro o tamanho e a importância do seu envolvimento nas tratativas políticas que resultaram na independência brasileira.
“Pedro, o Brasil está como um vulcão. Até no paço há revolucionários. Até oficiais das tropas são revolucionários. As Cortes Portuguesas ordenam vossa partida imediata, ameaçam-vos e humilham-vos. O Conselho do Estado aconselhava-vos para ficar. Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças, se partirmos agora para Lisboa. Sabemos bem o que tem sofrido nossos pais. O rei e a rainha de Portugal não são mais reis, não governam mais, são governados pelo despotismo das Cortes que perseguem e humilham os soberanos a quem devem respeito. Chamberlain vos contará tudo o que sucede em Lisboa. O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece. Ainda é tempo de ouvirdes o conselho de um sábio que conheceu todas as cortes da Europa, que, além de vosso ministro fiel, é o maior de vossos amigos. Ouvi o conselho do vosso ministro, se não quiserdes ouvir o de vossa amiga. Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida. Já dissestes aqui o que ireis fazer em São Paulo. Fazei, pois. Tereis o apoio do Brasil inteiro e, contra a vontade do povo brasileiro, os soldados portugueses que aqui estão nada podem fazer. Leopoldina.”
De posse das cartas, cinco dias depois, Pedro tomou a atitude que alterou os rumos da história.
Desilusão com o marido e morte precoce
Cortejo fúnebre de dona Leopoldina
Jean Baptiste Debret/Reprodução/JCO papel fundamental de Leopoldina no processo de Independência brasileira acabou por ficar ofuscado pelos problemas na vida pessoal e matrimonial que ela teve. Quando retornou de São Paulo após dar o famoso grito às margens do riacho Ipiranga, D. Pedro trouxe consigo algo além da independência brasileira de Portugal. Ele trouxe uma paixão.
E foi essa paixão uma das principais razões para que Leopoldina entrasse em um estado de profunda prostração que, quatro anos depois, a levaria à morte precoce, um mês antes de completar 29 anos de idade.
A viagem de Pedro teve como destino inicial a cidade de Santos, no litoral paulista. E foi lá que ele conheceu Domitila de Castro Canto e Melo, que se tornou sua amante e a quem, futuramente, o imperador concederia o título de Marquesa de Santos.

Domitila de Castro, a marquesa de Santos, foi culpada pela população pela morte de Leopoldina (Wikipedia/Reprodução/JC)
A traição de Dom Pedro I era pública e toda a sociedade da nova corte saia e comentava sobre o caso com Domitila, a quem o imperador passou a dispensar toda sua atenção, honrarias e presentes, além de, também, passar a ser figura frequente na alta roda, influenciando, inclusive, decisões do monarca.
Leopoldina, abandonada pelo marido a quem devotou tanta dedicação, se afundava em dívidas, tendo de recorrer seguidamente ao seu pai, o Imperador da Áustria, para quitá-las. Quando de sua morte, em 1826, o Congresso brasileiro teve, inclusive, de votar uma dotação orçamentária extra para que seus credores fossem pagos.
Seus gastos se davam com os seus empregados pessoais e também com a caridade que fazia. Sem receber a mesada do marido estipulada no contrato de casamento, Leopoldina se falida e amargurada.
Disso para a decadência de sua saúde foi um pulo. Até hoje não se sabe com absoluta certeza qual foi a casal da morte da imperatriz, ocorrida pouco depois das 10h do dia 11 de dezembro de 1826. Sabe-se que, nove dias antes, em 2 de dezembro, Leopoldina abortou o feto de um menino fruto de sua nona gravidez.
Boatos na época falavam quem o imperador a teria agredido com um chute na barriga após ela não comparecer à cerimônia de beija-mão que antecedeu sua partida para o Sul do brasil para acompanhar os desdobramentos da Guerra de Cisplatina. Domitila lá estava, mas Leopoldina se recolheu em seu quarto sob alegação de estar com febre. Dom Pedro teria ido aos aposentos da esposa e a forçado a descer. Com as insistentes negativas, o imperador a teria agredido.
A morte de Leopoldina abalou profundamente o povo do Rio de Janeiro, que lhe prestou profundo luto e comoção. A casa da marquesa de Santos, apontada como culpada pelo desgosto que causou a morte da imperatriz, foi atacada. Para a opinião pública, a imperatriz morrera de desgosto, e o marido e a amante dele eram os principais culpados.

Mausoléu de Leopoldina, localizado sob o Monumento à Independência, em São Paulo (Wikipedia/Reprodução/JC)
“Após o último suspiro de d. Leopoldina, os ministros e os funcionários da corte expediram ordens quanto ao seu funeral. Todas as fortalezas e navios de guerra içaram suas bandeiras a meio mastro, os canhões de terra e mar disparavam a cada dez minutos e os tribunais foram fechados por oito dias”, aponta Rezzutti.
Dom Pedro I estava no município gaúcho de Rio Grande quando, no dia 20 de dezembro, recebeu os primeiros comunicados acerca do difícil estado de saúde da esposa, que foram enviados do Rio no dia 7. Foi apenas no dia 25 – 14 dias após o falecimento –, quando já estava na cidade de Torres, retornando para a capital do império, que o imperador recebeu as cartas comunicando a morte de Leopoldina
Para saber mais
- D. Leopoldina: a história não contada - A mulher que arquitetou a Independência do Brasil
Autor: Paulo Rezzutti - Editora Leya, 464 páginas