Gabriel Eduardo Bortulini, especial para o JC*
Nos Campos de Cima da Serra, São Francisco de Paula se destaca pelo vigoroso crescimento no setor turístico nos últimos anos; no centro do estado, o maior parque privado da América Latina abriga plantas de cinco continentes e já recebeu visitantes de todo o mundo. Em ambos os casos, o protagonista é o frio entre o outono e o inverno, responsável pelos tons quentes adquiridos por algumas espécies de árvores caducas.

Parque Witeck, na cidade de Novo Cabrais, é um dos locais com paisagens típicas outonais, formadas por árvores coloridas e clima ameno
/Henrique Witeck/Divulgação/JCQuando a primeira onda de frio invade o território gaúcho e as folhas de plátano começam a amarelar nas beiras da estrada, uma parcela da população já se prepara: nem sempre para o frio, que impiedosamente ignora as estufas e jaquetas, mas para o noticiário, que sobe a Serra na companhia das ondas polares para receber os turistas ansiosos pelos primeiros flocos de neve.
Nesses momentos, os hotéis e as pousadas lotam em cidades como Gramado e Canela, famosas em todo o País pelas múltiplas atrações. Há os passeios pela natureza, em que as espécies exóticas se intercalam entre os bosques nativos, os roteiros gastronômicos, as tradicionais visitas aos parques e fábricas de chocolates.
O frio é um grande aliado do universo turístico da Região das Hortênsias. São raras, no entanto, as ocasiões em que os visitantes têm a chance de presenciar uma fina camada de neve sobre os telhados das construções em enxaimel. Quem tem a sorte sai às ruas para aproveitar o que costuma ser o clímax da temporada: então não há frio que desencoraje as longas jornadas ao ar livre, em que pessoas acumulam flocos para erguer pequenos bonecos ou retratam as moitas cobertas de gelo.
E, embora a neve seja um inegável chamariz — inclusive pela raridade da ocorrência nestas latitudes —, não é só de gelo que o turismo da região se alimenta. Antes da chegada do inverno e do ápice do frio, é o outono que tem atraído a atenção tanto do público gaúcho como de quem chega de outros estados e países.
De acordo com o último estudo realizado pelo Sebrae em conjunto com a Secretaria de Turismo (Setur), apesar do maior apelo das cidades vizinhas, quem mais cresceu em turismo entre os anos de 2019 e 2022 foi São Francisco de Paula, nos Campos de Cima da Serra. A cidade quase dobrou o número de turistas no período: de 704,8 mil turistas únicos (aqueles contabilizados apenas uma vez, independente de quantas viagens façam ao município) em 2019, passou a receber 1,27 milhão de visitantes em 2022.
É justamente o outono um dos maiores responsáveis por esse acréscimo de mais de 80,6% do turismo na cidade de pouco mais de 22 mil habitantes. Segundo Rafael Vieira Castello Costa, secretário de Turismo e Cultura de São Francisco de Paula, a influência da estação pode ser verificada pela movimentação econômica do município.
"Se pegar os hotéis, as pousadas, os meios de hospedagem, os restaurantes, a gente sente esse movimento durante o outono, muito em função do clima, da natureza, da exuberância das cores de São Chico", analisa.
Conforme Costa, a paisagem outonal atrai grande parte dos visitantes — e não apenas em pontos turísticos afastados do centro. A própria arborização da principal avenida é um cartão postal bastante disputado: a Júlio de Castilhos, adornada com liquidâmbares — uma espécie caduca, nativa da América do Norte e perfeitamente aclimatada ao clima de São Francisco de Paula.
No decorrer dos meses de outono, as folhas dessas árvores começam a perder seu verde primaveril, dando lugar a matizes mais quentes, que vão do amarelo ao vermelho, antes de caírem, formando longos carpetes de folhas secas pelas calçadas.
Essa talvez seja a marca mais emblemática do outono, principalmente daquele das regiões de clima temperado do hemisfério norte, como em partes da Ásia, Europa e América do Norte, que ganhou o imaginário popular, mesmo em lugares que não possuem, naturalmente, espécies arbóreas nativas com essa mesma característica.
"Vemos muitas pessoas caminhando e conhecendo os monumentos da Júlio de Castilhos. Muita gente fotografando, fazendo book, noivos tirando fotos na avenida. É um cenário incrível que São Chico oferece durante esse período. As cores de outono são muito intensas, muito fortes, e isso fica muito marcante aqui em São Chico", relata.
Um dos principais pontos turísticos da cidade também carrega o outono como seu principal aliado. Ao redor do Lago São Bernardo, o cenário é colorido por diferentes espécies de árvores caducas exóticas, incluindo liquidâmbares, plátanos, álamos, bordos e carvalhos, sem falar nas variedades de coníferas e das espécies nativas, como as araucárias.
Mas não é só o outono o responsável pelos resultados expressivos do turismo em São Francisco de Paula. Para Costa, o crescimento é fruto dos investimentos da iniciativa privada em conjunto e como o incentivo da gestão pública. Segundo o secretário, o município conta com investimentos privados que superam R$ 1 bilhão: em resorts, hotéis, parques e restaurantes, por exemplo.
"Hoje, a cidade está mais organizada, mais florida, com uma limpeza urbana com foco naquilo que é importante para as pessoas. Então estamos estruturando o município e, através da gestão pública, criando o clima necessário para que a iniciativa privada se sinta confortável, perceba e invista na cidade", afirma.
Costa celebra também a estruturação dos meios de hospedagem e de opções gastronômicas, que têm crescido em compasso com a demanda turística. O segredo, segundo ele, é a autenticidade. "Simplicidade com verdade. É mostrar de fato o que somos, é crescer turisticamente sem perder a nossa história, a nossa cultura, preservando o que somos", defende.
Isso é evidenciado pelas diversas opções que, para além das belezas das árvores exóticas, tem na natureza nativa um apelo especial. São inúmeros os parques naturais do município, como o Parque das Oito Cachoeiras, o Parque das Cascatas, o Parque Natural Municipal da Ronda, além da Floresta Nacional de São Francisco de Paula. Como se não bastasse, um parque de flores inaugurado há poucos anos tem atraído turistas de todo o mundo.


O ano inteiro é tempo de flores no Parque Mátria

Local foi projetado para manter os caminhos floridos em qualquer estação
/MÁTRIA/DIVULGAÇÃO/JCÀs margens da RS-235, a noroeste da zona urbana da cidade, em meio ao horizonte ondejante dos Campos de Cima da Serra, o Mátria Parque de Flores foi inaugurado em novembro de 2021. Hoje, detém o título de "maior parque de flores das Américas".
Ithyara Albuquerque Piazza, diretora do parque, conta que a ideia surgiu do sonho de um empreendimento ligado à natureza. Foram anos de planejamento até que a propriedade fosse escolhida.
"A gente sempre fala que São Chico nos escolheu, né? Porque a olhamos várias propriedades em Canela, em Gramado. E aqui sentimos algo muito bom. Então, começamos a investir nesse projeto, algo que realmente aqui no Brasil é inovador", avalia.
Quem chega no Mátria pode ter uma certeza: sempre haverá flores, independentemente da época do ano. São 50 hectares: metade é de parque implantado e outra metade de mata nativa. Ali, convivem 10 milhões de plantas de pelo menos 300 espécies, dividas em 30 diferentes jardins temáticos.
Em 2024, o parque recebeu mais de 90 mil visitantes, apesar de todas as dificuldades decorrentes das inundações no Estado. E o Rio Grande do Sul é, justamente, a origem da grande maioria do público. Segundo Ithyara, cerca de 70% dos visitantes são oriundos do Estado, especialmente de regiões como Caxias do Sul e Porto Alegre. Entretanto, também chegam muitos turistas de outras regiões do País, como do Nordeste e Sudeste, além de países como a Argentina.
"Eles ficam encantados com o clima, a cerração, esse ambiente mais romântico", comenta.
Naturalmente, a estação mais visada é a primavera. Porém, o parque foi projetado para ter flores em qualquer época, mesmo em momentos mais desafiadores, como o outono.
"É natural, não tem como lutar contra. A grama fica mais palha, as folhas caem. As pessoas associam muito flores à primavera. Mas estamos tentando trabalhar uma comunicação diferente: mostrar que também existe beleza no morrer e no envelhecer, que é algo que conecta com a vida", explica.
Para além das flores, o Mátria é um verdadeiro refúgio para visões ampliadas das lonjuras da paisagem natural dos Campos de Cima da Serra. O terreno suavemente acidentado oferece trilhas pela mata nativa e extensas vistas panorâmicas adornadas pela coloração ocre dos capins ornamentais. Também são abundantes os tons dourados das calêndulas e o vermelho tinto das folhas palmadas dos bordos japoneses. O outono, sobretudo, possibilita a contemplação de uma surpreendente e singular fase do ciclo da vida de um parque de flores.
"Tentamos conscientizar, criar contexto, fazer essa ligação com a vida. Porque a vida não é primavera o ano todo", reitera.
Atualmente, o parque tem recebido diferentes eventos, como o luau temático, já em sua décima edição, com versões de Carnaval, Festa Junina, entre outros. Também há o Festim de Primavera, um evento gastronômico anual. Além disso, a visita possibilita passeios de barco, atrações como o meliponário — a criação de abelhas sem ferrão. O parque também conta com boutique e restaurantes. O Mátria Restobar, por exemplo, permite refeições com vista para o Lago Azul.
"A ideia agora é iniciar uma nova etapa no projeto do Mátria: explorar as trilhas. Temos bastante coisa pra mostrar ainda e queremos fazer muitos trabalhos voltados para o meio ambiente, de conscientização. Temos um projeto escolar que estamos tentando desenvolver também, de trazer as crianças, principalmente para essa conscientização. É um projeto de explorar as trilhas na mata nativa, um passeio mais de aventura", revela a diretora do parque.
O parque abre todos os dias, das 10h às 18h, com ingressos a partir de R$ 119,00. Estudantes, PcD e moradores de São Francisco de Paula, Gramado e Canela têm direito à meia-entrada.
O espetáculo das folhas caducas no Centro do Estado

À margem leste da BR-153 fica o maior parque privado da América Latina
/Henrique Witeck/Divulgação/JCQuem cruza a região central do Estado pode nem desconfiar que, à margem leste da BR-153, existe o maior parque privado da América Latina. O Parque Witeck está localizado ao sul do município de Novo Cabrais, em direção a Cachoeira do Sul. A cidade tem a modesta população de 3.568 habitantes, segundo o último censo do IBGE, e o parque é o seu principal cartão postal. Hoje, a área de 70 hectares de bosques e lagos recebe turistas dos cinco continentes, oferecendo uma das mais impactantes experiências outonais de todo o Rio Grande do Sul.
Contudo, essa história teve início em 1962, quando o médico Acido Witeck adquiriu os primeiros hectares na região. "Era uma terra ardida, o povo ainda tinha o costume de botar fogo no campo para a criação intensiva de gado. Isso empobrecia o solo. E, como ele era filho de agricultores, soube mais ou menos como conduzir e corrigir esse problema de acidez do solo. E aí ele plantou as primeiras árvores e aos pouquinhos foi se empolgando", conta o filho e atual diretor do parque, Henrique Witeck.
Na década de 1970, Acido conheceu a floricultura Úrsula, em Nova Petrópolis. A partir de então, o parque começou a receber as primeiras espécies daquelas que hoje são as árvores mais imponentes e emblemáticas do lugar: as caducifólias. Aos poucos, as plantas passaram a ser agrupadas por setor. Hoje, além do Recanto das Caducas, há o Recanto das Palmeiras, o das Coníferas, o australiano, além dos bosques alemão e inglês, de lagos e jardins, entre outros grupos de árvores sem uma divisão estabelecida.
Apesar da diversidade, as espécies caducas — principalmente as de coloração intensa — sempre foram a ênfase do lugar. "A nossa região não tinha essa característica de ter essas árvores coloridas que tem na Serra, ali para o lado de Gramado, Nova Petrópolis, São Francisco Paula. Aos pouquinhos, as pessoas começaram a descobrir o parque. Depois, há uns 10 anos mais ou menos, os fotógrafos começaram a vir para o parque para fazer ensaios fotográficos. A partir dali a divulgação foi cada vez maior", explica Henrique.
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A maior parte do público chega no final do outono e no início do inverno, quando a mudança da cor das folhas é mais significativa. Entretanto, não há um calendário preciso (pelo menos não com a mesma precisão das previsões das floradas das cerejeiras no Japão). Sabe-se, porém, que o clima tem uma grande influência sobre o fenômeno. Fatores como períodos diurnos menores e temperaturas mais baixas são essenciais para que as plantas entrem em dormência e as folhas mudem de cor antes de caírem. Isso pode variar de ano a ano e diferentes regiões também vão apresentar discrepâncias. "Por exemplo, o frio na Serra chega antes do que para nós. Então, as árvores deles ficam coloridas antes lá do que aqui", explica o diretor do parque, arquiteto paisagista e biólogo.
Em Novo Cabrais, esse período geralmente se estende da segunda quinzena de maio até a primeira quinzena de julho. É a "alta temporada" do Parque Witeck, que recebe de 8 mil a 12 mil visitantes anualmente. "É um período fantástico. Há quem diga que a primavera é o momento mais bonito, mas não: o outono é o mais bonito. O inverno também é sensacional, é fantástico, mesmo com a neblina que tem, é um aspecto mágico", assegura.
Atualmente, uma trilha de três quilômetros permite que os visitantes cruzem pelos diferentes bosques em poucas horas de caminhada, por vias pavimentadas e acessíveis. Além das árvores, o trajeto conta com três lagos (são seis em todo o parque). O maior deles tem um hectare e meio de superfície de água. É o Grande Espelho do Céu. "É realmente como se estivesse no Canadá", compara.
O país norte-americano é conhecido justamente pelas suas florestas de árvores caducas, representadas inclusive na bandeira, que estampa um bordo vermelho, árvore do gênero Acer. Atualmente, há dezenas de espécies de bordo no Parque Witeck. "A nossa coleção em matéria de Acer é bem significativa. Toda a parte outonal é bem significativa. Então o parque entrou como uma referência".
Além das inúmeras variedades de bordo, há espécies de carvalho, sequoias, cedros, ginkgo biloba, plátanos, liquidâmbares. A lista é extensa: são mais de 2.700 espécies originárias dos cinco continentes, entre rasteiras, arbustivas e arbóreas. E ainda há espaço para mais.
Com frequência, quem visita o parque é convidado a plantar novas mudas. Hoje, o parque também aguarda pela inauguração de uma cafeteria. Henrique acredita que o empreendimento entrará em funcionamento ainda neste ano. É uma das principais exigências do público, afinal o parque ainda não conta com nenhuma praça de alimentação. Além disso, há projetos para organização de uma biblioteca e de um museu fotográfico, que reunirá fotos atuais e antigas do lugar.
O espaço abre diariamente. Durante semana, funciona das 8h às 17h30min. Nos feriados, das 9h às 17h. Os ingressos para adultos custam R$ 25,00. Em casos de excursões agendadas, Henrique costuma acompanhar o trajeto, oferecendo uma visita guiada: um passeio aprofundado pela obra de Acido Witeck. Além de todo o deslumbre da natureza, os visitantes podem experienciar os aspectos sensoriais e filosóficos dos caminhos sinuosos dos bosques, bem como presenciar o lugar onde estão depositadas as cinzas do idealizador do parque.
"O passeio é contemplativo, é uma forma de diminuir a correria do dia a dia e contemplar as belezas que existem ao seu redor. Meu pai sempre usava uma expressão quando nós íamos viajar: 'vá com olhos de ver'. Aqui a gente diz: 'venha ver com olhos de ver, ouvidos de ouvir e coração de sentir'. A natureza nos proporciona isso todos os dias, basta a gente querer enxergar", finaliza.
Miniárvores em pleno jardim de casa

A Viva Bonsai, aberta o ano inteiro em Porto Alegre, presta inúmeros serviços dedicados à milenar arte oriental
/Gabriel Bortulini/Especial/JCNa infância, Valdoir Rocha observava os pais e familiares cultivando diferentes plantas no pátio de casa em São Gabriel. Eram tempos interioranos, de pátios vastos. Em cada canto, havia um tipo de cultura: ervilha, melancia, cana-de-açúcar.
O gosto pelas plantas surgiu nessa época, mas só anos mais tarde Valdoir começou a cultivar os primeiros bonsais, motivado pelas revistas estrangeiras que lia, nas quais encontrava matérias sobre miniaturizações.
Há cerca de 43 anos, começou a fazer as primeiras experiências. Foram anos de tentativas e erros até que Valdoir decidiu se profissionalizar. Participou de uma infinidade de cursos — e sempre que pode, continua participando.
"Toda vez que vem um mestre para o Brasil, vou lá, faço aula, faço workshop, participo de tudo", conta, desapontado por não ter conseguido ir a um evento em Minas Gerais neste ano.

Valdoir adquiriu o gosto pelas plantas ainda na infância, em São Gabriel, e hoje tem seu próprio jardim de bonsais
Gabriel Bortulini/Especial/JC
Em 1994, Valdoir já tinha uma pequena coleção de plantas. Resolveu expor algumas ao público, numa das unidades de sua extinta rede de lojas de vídeo, a Gaúcha Vídeo. "Eu colocava as plantas em cima da geladeira. Mostrei para o público e vi que havia curiosidade e potencial. Fiquei até 2000 conciliando os dois negócios, depois fiquei só com os bonsais mesmo".
Assim começou a Viva Bonsai, que atualmente presta inúmeros serviços dedicados à milenar arte oriental. Lá, é possível não apenas comprar um bonsai, mas aprender a criá-los do zero: há oficinas, escola e grupos permanentes, numa agenda repleta de atividades. Além disso, a loja oferece insumos e materiais específicos — sem falar nos serviços de hospedagem e de recuperação de plantas. Hoje, cerca de 40% do movimento é concentrado no pós-venda, com a manutenção dos bonsais dos clientes.
Há poucos anos, a sede foi transferida para o bairro Passo d'Areia, na Avenida João Wallig, 509, onde um bosque de pequenas árvores se distribui pelo terreno, em prateleiras, patamares e até sobre o próprio chão. São mais de mil plantas de diferentes espécies convivendo em vasos achatados, dos mais simples aos mais sofisticados.
A Viva Bonsai está aberta o ano inteiro, mas o outono costuma chamar a atenção dos amantes das plantas caducas. Poucos lugares, em Porto Alegre, possuem tantos exemplares que se tornam coloridos conforme os dias vão ficando mais curtos e as temperaturas mais baixas.
No Brasil — e na cultura do bonsai, de maneira geral — as espécies caducas mais visadas são as do gênero Acer, popularmente conhecidas como bordos, principalmente os japoneses. Além de assumirem tonalidades mais tintas ou brasinas, a depender da espécie e variedade, suas folhas possuem tamanho reduzido. Ou seja: são ideais para a miniaturização.
No entanto, existem outras espécies de árvores caducas muito buscadas na arte do bonsai. É o caso das sakuras, as cerejeiras japonesas, de grande beleza simbólica, além de carvalhos, olmos, liquidâmbares e das extremosas — ou resedás, muito comuns na arborização urbana em Porto Alegre e cidades do interior.
Entretanto, o clima da Capital tem frustrado as expectativas de quem aguarda ansiosamente pelos matizes outonais das plantas. Há casos, como os olmos, em que o frio é insuficiente para que toda a folhagem caia. Ou seja, as plantas se comportam como semicaducas.
"A dormência é mais saudável em locais mais frios, como na Serra. A planta repousa de verdade, a seiva se retrai e ela acumula energia. Em Porto Alegre, o clima atrapalha esse processo", explica.
Além disso, a instabilidade do clima da Capital pode tornar essas plantas mais vulneráveis. "Todas as caducifólias, por serem adaptadas ao frio, sofrem no nosso clima instável. Às vezes temos as quatro estações num só dia. A planta não entende esse ciclo e acaba mais vulnerável a pragas e fungos".
Isso, no entanto, não é um desestímulo a quem deseja ter um bonsai de caducifólia em Porto Alegre: é plenamente possível ter uma planta saudável e que apresente toda a sua coloração outonal, o que aqui costuma ocorrer já com o inverno em curso. Para isso, Valdoir dá algumas dicas: "primeiro, temos que entender a fase de dormência, para não afogar a planta com excesso de água achando que está desidratando. Segundo, fazer uma adubação no final do verão, preparando-a para o inverno. E, terceiro, cuidar da incidência de pragas e fungos em períodos úmidos e frios".
Além disso, é preciso ter cuidado com o sol forte no verão, porque as folhas de algumas plantas caducas são mais sensíveis e queimam com facilidade. Por isso, o ideal é que essas espécies fiquem no sol da manhã.
É muito importante, também, que as plantas sejam expostas às intempéries. Portanto, o melhor lugar é sempre do lado externo e nunca dentro de casa. Afinal, uma árvore caduca precisa de bastante frio. "Ele também ajuda a eliminar algumas pragas, como ácaros e pulgões. Ou seja, a planta bem alimentada e posicionada no lugar certo vai sempre estar mais forte".
Bonsai é uma arte que exige paciência, e isso vai além das expectativas das cores outonais nas plantas caducas. São anos de trabalho, aliando técnica, estética e muito cuidado. Os bonsaístas costumam dizer que sua arte nunca está pronta: enquanto há vida, sempre há movimento.
"A gente sempre convida as pessoas a conhecerem de perto mesmo, para ter uma noção assim de tridimensionalidade. O manuseio é que mostra os detalhes. É muito difícil você falar sobre um produto tão artístico e tão artesanal ali na venda. Então o convite é para que venham realmente conhecer. Pode até pedir, a gente tem tele-entrega, pode até pedir pela internet, tudo sem problema algum. Mas conhecer no primeiro momento o trabalho, como que é feito, como que se chega até aquele resultado, eu diria que é muito importante", completa.
Frio, fotografia e um refúgio de árvores

Praça Gustavo Langsch tem chamado a atenção da população da Capital há alguns anos, principalmente no outono
/TÂNIA MEINERZ/ARQUIVO/JCNo hemisfério sul, o outono inicia ao redor do dia 20 de março e é marcado pela paulatina diminuição do período diurno em comparação à duração cada vez maior das noites. Essa variação chega ao ápice no solstício, por volta do dia 21 de junho, que marca o fim do outono e o início do inverno. Quanto maior for a latitude de uma localidade, maior será essa variação.
Com a menor incidência do sol, as temperaturas também tendem a diminuir no decorrer dos meses de outono. A latitude tem grande influência, mas não é o único fator a ser considerado nos padrões climáticos. Entre outras variáveis, a continentalidade e a altitude também exercem papéis importantes. Isso explica os motivos de cidades de regiões como a Serra apresentarem temperaturas consideravelmente mais frias do que as de Porto Alegre, apesar da maior latitude da Capital.
Mesmo assim, quem já cruzou a cidade pelos caminhos sinuosos da linha T9 no final do outono já deve ter contemplado a vibração colorida das árvores caducas divisando a rua Artur Rocha, no bairro Bela Vista. Ali, a Praça Gustavo Langsch tem chamado a atenção da população da Capital há alguns anos, principalmente durante a estação.
A praça passou por uma profunda revitalização nos anos 1980, quando o engenheiro agrônomo Miguel Flores da Cunha selecionou cerca de 25 espécies caducas, que hoje se impõem em todo o seu esplendor. Destacam-se carvalhos, álamos, liriodendros e bétulas, além da variedade de bordos e de diferentes tipos de liquidâmbar.
É possível caminhar pelos tapetes de folhas secas do terreno íngreme e apreciar a calmaria típica do lugar, geralmente pouco movimentado — embora a praça tenha recebido maior atenção nos últimos anos, sediando shows e eventos. Em 2014, a prefeitura declarou a praça Espaço Botânico Educativo. Hoje, apesar da pequena área, é uma das praças mais fotografadas da cidade. Muitas pessoas aliás, inclusive moradoras de Porto Alegre, acabam conhecendo o lugar primeiro pelas fotografias.
A exemplo do Parque Witeck e das ruas de São Francisco de Paula, a praça Gustavo Langsch é cenário de ensaios em todas as épocas do ano, mas especialmente no ápice do outono. O ramo fotográfico parece pegar carona na exuberância das paisagens outonais e não apenas a fotografia amadora. "São ensaios elaborados, a gente percebe que são profissionais", aponta o secretário de Turismo e Cultura de São Francisco de Paula, Rafael Vieira Castello Costa.
No Parque Mátria, por exemplo, é possível adquirir ensaios fotográficos diretamente pelo site, com poucos cliques. Da mesma forma, o Parque Witeck colhe os frutos da espontânea divulgação de quem registra a natureza do lugar. Hoje, o perfil oficial do parque no Instagram já conta com mais de 95 mil seguidores. "Sem nada de impulsionamento, é tudo orgânico", destaca Henrique Witeck.
Em seu trabalho de conclusão, no curso superior em Tecnologia e Gestão de Turismo pela UFSM, Paola Goulart da Silva estudou a influência da fotografia como ferramenta de atração turística no Parque Witeck. Os resultados indicaram que 74% das pessoas registram imagens quando visitam o local e que quase 97% sentem vontade de visitar o parque ao verem as fotografias nas redes sociais. É por meio dessas plataformas, também, que a maioria das pessoas conhece o parque. Nesse sentido, a paisagem e a fotografia acabam entrando numa relação quase simbiótica com o turismo e as economias do outono: o cenário convida à fotografia e a fotografia atrai o turismo.
É um ciclo incessante como o das estações. Em meio à vivacidade das folhas caducas exóticas, entretanto, é preciso sempre recordar que o outono reserva mais do que as cores e o imaginário idílico calcado nos modelos estrangeiros. Basta sair porta afora, pela Capital ou pelo Interior, para nos depararmos com as belezas muitas vezes inusitadas da estação: o fascínio pode brotar mesmo na opacidade de espécies perenes e tropicais ou na corpulência espinhosa de uma paineira totalmente sem folhas.
*Gabriel Eduardo Bortulini é graduado em Jornalismo pela UFSM e tem mestrado e doutorado em Escrita Criativa pela PUCRS. É um dos fundadores da Oxibá Casa da Escrita, onde trabalha com leitura crítica e lapidação de textos. Tem textos publicados em jornais, livros e revistas. "Refúgio para bisões", seu romance de estreia, conquistou o terceiro lugar no prêmio Biblioteca Digital do Paraná e foi publicado pela Matria Editora, em 2024.