Especial para o JC*
É um caminho sem volta: ou buscamos práticas agrícolas sustentáveis e resilientes, ou os efeitos das mudanças climáticas, estiagens e enchentes severas serão cada vez mais intensos e devastadores. Alguns produtores gaúchos já estão fazendo o tema de casa, buscando ferramentas da chamada agricultura regenerativa, como a integração lavoura-pecuária, protegendo o solo para sofrer menos os impactos da seca, ao mesmo tempo em que ajudam no sequestro de carbono e redução da emissão dos gases de efeito estufa. Mas a imensa maioria se mantém nas técnicas convencionais que dificultam manutenção da umidade do solo, geram erosão e, consequentemente, sofrem mais em períodos de estiagem, além de não contribuírem para a saúde do planeta.

Termos como agricultura resiliente voltaram a ser usados com frequência, conectados à necessidade de promover técnicas agrícolas sustentáveis
Paulo Vargas/Arquivo Pessoal/JCO conceito de agricultura regenerativa não é novo. O engenheiro agrônomo e ambientalista José Lutzenberger costumava usá-lo, há mais de 50 anos, quando defendia a necessidade de que a agricultura fosse mais sustentável, mais conectada com a lógica dos sistemas vivos naturais, que cultivasse sem a necessidade de exaurir o solo e substituir a fertilidade perdida por nutrientes que vêm de fora, químicos, mas optasse por um sistema regenerativo.
No entanto, diante da escalada de eventos climáticos extremos, como estiagens e enchentes, a viabilidade do modelo tradicional de produção agrícola no Estado tem sido colocada em xeque. Com isso, os termos agricultura resiliente e agricultura regenerativa voltaram a ser usados com frequência. Eles estão associados à necessidade de promover técnicas agrícolas que aumentem a infiltração de água no solo, reduzam o risco de erosão e criem um ambiente mais equilibrado, capaz de suportar melhor as adversidades climáticas e ainda contribuir para o sequestro de carbono e a redução dos gases que provocam o efeito estufa e o aquecimento global.
Diante desse novo normal e para tentar estancar as seguidas quebras de safra e redução drástica de produtividade nas lavouras, alguns produtores gaúchos passaram a desenvolver práticas de agricultura regenerativa, ou de culturas de baixo carbono, as quais aliam a produção com a mitigação, sequestro e armazenamento de carbono na produção. "São práticas que os produtores já usam em suas propriedades, como o plantio direto, a irrigação, as florestas plantadas, a integração lavoura-pecuária-florestas, o tratamento de dejetos animais, as agroflorestas, o uso de bioinsumos consorciados com os químicos, a diminuição da idade de abate animal dentro das propriedades", pontua a coordenadora ambiental da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Paula Hoffmeister.
As perdas com a estiagem entre 2021 e 2025 têm sido significativas no Rio Grande do Sul, afetando a produção agrícola e causando prejuízos econômicos substanciais. Estima-se que as estiagens dos últimos anos tenham causado perdas de cerca de R$ 117,8 bilhões no Estado, conforme levantamento realizado pela Farsul. As perdas mais recentes, em 2024/2025, foram estimadas em 20,1% da safra gaúcha, com a produção de soja sendo particularmente afetada.
- LEIA TAMBÉM: 'Era negacionista sobre as mudanças climáticas, mas hoje não sou mais', diz presidente da Farsul
O engenheiro agrônomo e extensionista rural da Emater-RS/Ascar Ari Uriartt afirma que o que está acontecendo é um processo de transição entre uma agricultura convencional, que causa maior repercussão no ambiente e também do ponto de vista energético, para ações que buscam minimizar esses impactos. "Fora essa questão dos efeitos climáticos e da situação particular aqui do Rio Grande do Sul ser uma região mais sujeita a essas variações por conta da nossa condição geográfica, o Lutzemberger já vinha alertando isso há algum tempo, mostrando que fazer esse tipo de agricultura regenerativa orgânica não era muito mais caro. Pelo contrário, uma vez encontrados os elementos para ajustar as características do ecossistema, se tornaria, vamos dizer assim, uma agricultura não só mais barata, mas também mais resiliente, pois ela dá maior estabilidade e permite que o ambiente consiga se recuperar num tempo mais rápido", diz.
No entanto, para a engenheira agrônoma e professora do Departamento de Solos, Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Fabiane Machado Vezzani o fato de o termo agricultura regenerativa ser usado de forma mais frequente não significa que as técnicas estejam sendo utilizadas em grande escala entre os produtores gaúchos.
"Tem princípios básicos da agricultura conservacionista que não estão sendo atendidos: o não revolvimento do solo, a rotação de culturas e culturas de cobertura vemos muito pouco", afirma. A pesquisadora explica que o grande foco da agricultura regenerativa está na qualidade do solo: seu estoque de carbono, sua biodiversidade, a atividade biológica, os processos de ciclagem de nutrientes e o resultado disso em relação à emissão dos gases de efeito estufa. "A ideia é que se olhe a agricultura regenerativa nesses aspectos, focando na funcionalidade do solo que, se for adequada, vai resultar numa produção maior, numa qualidade de alimentos melhor e o ecossistema regenerativo", acredita.
Práticas sustentáveis garantem estabilidade das lavouras

Librelotto aposta no plantio direto e na integração lavoura-pecuária
Ivonei Sandro Librelotto/Arquivo Pessoal/JCMuito antes de a agricultura regenerativa virar moda, o produtor Ivonei Sandro Librelotto, da Fazenda Librelotto, de Boa Vista das Missões, município do Norte do Estado, já trabalhava com plantio direto e Integração Lavoura-Pecuária (ILP), uma estratégia de produção agrícola que permite o cultivo da lavoura e de pastagem em uma mesma área.
"Há mais de 30 anos que estamos na regenerativa, preconizando um sistema integrado de produção e, com isso, as áreas têm produzido de forma bastante estável, embora os últimos cinco anos tenhamos sido acometidos quatro anos por seca e um ano por enchente, mas, assim mesmo, conseguimos nos manter sustentáveis e resilientes", afirma Librelotto.
A pecuária, que é trabalhada em sistema de cria, atua em sinergia com a lavoura, onde são plantados milho varietal e soja no verão e trigo duplo propósito, pastagem de aveia e azevém no inverno.
"Quando as culturas de verão dão espaço para as pastagens, os animais se alimentam e transitam por todas as áreas, consequentemente urinando e estercando, o que acaba ativando o biológico. Então, isso já é a agricultura regenerativa. Toda vez que se consegue produzir mais em menos área, sem impacto negativo no meio ambiente ou melhorando a qualidade do solo, a gente é sustentável", afirma o produtor.
Librelotto explica que a fazenda conta ainda com sistema de terraços nas lavouras, com o objetivo de reduzir a erosão do solo, reter a água da chuva e aumentar a produtividade das culturas. "É um sistema preconizado pela Embrapa Trigo, e nós somos a 12ª unidade da Embrapa Trigo referência em sistemas integrados de produção. Pensamos na parte química, física e biológica e em como melhorar todos os componentes dentro do processo, é evidente que você tem que ter genética animal, genética de plantas e também um solo equilibrado", diz.
Os resultados da utilização dessas técnicas em termos de incremento de produtividade são bem expressivos, em função da melhoria da qualidade física, química e biológica do solo, com níveis de nutrientes bem altos, matéria orgânica de 0 a 10%, em torno de 5% e ausência de alumínio tóxico.
As médias da fazenda da família Librelotto têm sido acima das médias das propriedades da região, nas lavouras de verão, mantendo-se estável no inverno. Normalmente, são produzidos em torno de 300 a 500 quilos de carne por hectare/ano. "E isso, traduzindo em números, demonstra que em alguns anos o plantio inverno é mais lucrativo do que a lavoura de verão", explica o agricultor.
Juventude assume protagonismo nas propriedades rurais

Carolina diz que agroflorestas beneficiam sistemas renegerativos
Carolina Richter/Arquivo Pessoal/JCA juventude rural tem ocupado um papel de protagonismo quando o tema é agricultura regenerativa e sustentável. É o caso da agricultora Carolina Richter, que cultiva soja, milho, trigo e aveia no Sítio Terra do Coração, localizado no município de Quinze de Novembro. "Temos uma área convencional e outra área que está em transição agroecológica, na qual mantemos o solo coberto com cobertura verde ou com madeira e palha, utilizamos alguns fertilizantes naturais com pó de rocha e esterco, evitamos o químico e já podemos perceber toda a regeneração que está acontecendo nesse ambiente", afirma a graduanda em Gestão Ambiental.
Carolina conta que a propriedade familiar, onde ela trabalha junto com os pais, foi severamente atingida pela estiagem, mas que, em função dos baixos custos das técnicas agroecológicas, conseguiu obter lucro. "Acredito muito em sistemas regenerativos, principalmente nas agroflorestas que têm uma capacidade muito grande de regeneração de toda a biodiversidade, e também na questão da produção de alimentos saudáveis sem contaminação por químicos".
- LEIA TAMBÉM: Fórum de desenvolvimento do RS inicia por Rio Grande
A propriedade conta com 20 hectares de grãos e, na parte do sítio, são quatro hectares nos quais está sendo implantada uma agrofloresta de 2,5 mil m², onde são cultivados mandioca, abóbora, feijão, batatas, 20 espécies de árvores frutíferas e nativas, com mais de 80 mudas de árvores. "Além disso, temos um lago com mais de 150 árvores nativas ao redor dele, e também cultivamos várias plantas medicinais", relata Carolina.
A coordenadora Estadual de Juventude e Educação do Campo da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag-RS), Camila Rode, acrescenta que a agricultura regenerativa tem crescido entre os jovens por, muitas vezes, ser sinônimo de inovação.
"Por ser uma prática que se preocupa em não só recuperar e manter a sustentabilidade, mas também preservar a biodiversidade do meio ambiente, seja através do solo ou de outros componentes do ecossistema, através de técnicas inovadoras que tem tudo a ver com ao jovens", pondera a dirigente da Fetag.
Produtor usa plantio direto, retém mais água no solo e atenua danos da estiagem

Vargas buscou ferramentas para deixar a propriedade mais sustentável
Paulo VargasArquivo Pessoal/JCA cartilha da agricultura regenerativa é bem vasta e envolve práticas focadas em conferir maior resiliência aos ecossistemas agrícolas, tornando-os mais resistentes a eventos extremos. Nela é possível encontrar opções como cobertura permanente do solo, diversificação de culturas, plantio direto na palha, redução de agroquímicos e por aí vai.
E foi dessa fonte que o produtor rural Paulo Vargas, da Granja Capão Grande, do município de Carazinho, buscou as ferramentas para tornar a propriedade mais sustentável, conservando e regenerando lavouras. "Os produtores que conseguem fazer as técnicas recomendadas de plantio direto, mantendo uma boa estrutura de solo, com bastante palhada das raízes em decomposição dentro do solo, bem como sobre a superfície, têm menos possibilidades de serem severamente impactados pelas estiagens, pois a umidade fica mais tempo retida nesses solos. Quanto menos palha, mais insolação atingirá o solo, aumentando a temperatura da superfície, o que ocasionará mais evaporação da água armazenada", explica o produtor, que trabalha com plantio direto e sistema de rotação de culturas.
Além disso, com essas ferramentas, é possível evitar a erosão por manter o máximo de tempo de cobertura verde sobre o solo e reter carbono nas plantas e no solo, e, dessa forma, conseguir melhorar a estrutura da terra. "Quanto mais plantas tiver, mais áreas folhar, mais raízes, mais carbono a gente vai reter, retirando da atmosfera, ajudando na preservação do meio ambiente", diz o produtor.
Vargas conta que a propriedade dele atua junto com pesquisadores da Embrapa Trigo e da Universidade Santa Maria, que fizeram um trabalho comprovando que o sistema de rotação de culturas da Granja retém mais carbono do que emite. Esse trabalho foi publicado na COP, na Semana do Clima em Nova York. A pesquisa deve ter sequência a partir desse ano, com novas medições.
A propriedade trabalha com grãos, com foco em alta produtividade e alta tecnologia, fazendo a agricultura de precisão há mais de 20 anos. Dessa forma, vem conseguindo elevar a produtividade, mantendo sempre palha sobre o solo ou as culturas no verão. "Dependendo do ano e do preço é 60% a 70% de soja e 20% a 30% de milho. No inverno, é trigo em um terço da área e dois terços com aveia preta apenas para cobertura do solo. Os fertilizantes são um misto de químicos e orgânicos", revela Vargas. Na parte de controle de pragas, é feita aplicação somente produtos seletivos para insetos, para evitar problema de deriva.
A propriedade conta com um pulverizador que tem um computador programado para só fazer aplicação quando a temperatura e o vento estiverem dentro da faixa correta. "A nossa produtividade é bastante elevada, em anos bons, com médias bem acima das médias do Estado e da nossa região. Não temos problemas de compactação de solo, de erosão graças à palhada que deixamos de um ano para o outro", completa.
Agricultura convencional busca transição para práticas sustentáveis

Uriartt destaca resultados positivos obtidos a partir de práticas sustentáveis
Emater-RS/Divulgação/JCNão é de hoje que os produtores rurais gaúchos utilizam em seus cultivos técnicas de agricultura regenerativa, orgânica e resiliente. No entanto, esses métodos têm conquistado também produtores de larga escala, de soja, de milho e que perceberam os benefícios diante da nova realidade climática que estamos vivendo.
Nesta entrevista, o engenheiro agrônomo e extensionista rural da Emater-RS/Ascar, Ari Uriartt, fala sobre o atual cenário da agricultura regenerativa no Estado, das suas principais ferramentas, difusão e da importância das políticas públicas para fomento da pesquisa e da extensão rural na direção de um agro mais sustentável.
Empresas & Negócios - Hoje se fala muito em agricultura resiliente e regenerativa, especialmente diante da necessidade de trabalhar de forma mais sustentável no campo. Essa é uma forma de mitigar os efeitos climáticos nas lavouras?
Ari Uriartt - A palavra resiliência é importantíssima, pois é a capacidade de um determinado sistema voltar à condição original, ou seja, de recuperar aquele status produtivo. Se eu tenho um solo que está degradado, que não tem matéria orgânica, que não é vivo e está exposto a variações climáticas extremas, como as secas, a capacidade de recuperação dele numa próxima safra é minimizada. Ao passo que, em um solo em que eu tenha cobertura mantida, seja por plantio direto, com a microvida do solo ativa, com aumento da capacidade de absorção de nutrientes, de favorecer as raízes das plantas, elas suportam mais essa condição extrema. A planta pode até morrer junto com as outras, se a condição da seca for extrema. Mas numa próxima tentativa de cultivo, aquele solo vai estar muito mais preparado para uma reação positiva do que aquele que está morto. Com base nessa situação que se fala muito nessa capacidade regenerativa, de o solo se regenerar a partir de uma situação calamitosa.
E&N - Apesar de estar na "moda", a prática regenerativa não é novidade, fale um pouco sobre a origem desses mecanismos.
Uriartt - A gente tem que situar a origem do termo que remete ao movimento da agricultura orgânica nos Estados Unidos, na figura do Irvin Rodale que foi o precursor desse movimento de agricultura orgânica. E quem usava muito esse termo também era o José Lutzenberger. Não é uma coisa nova. O que está sendo feito é tentar, vamos dizer, colar essa questão dos bioinsumos e a utilização dele nos cultivos de soja e outras culturas de grande escala e trazer uma dimensão que já, de uma certa forma, era trabalhada por outras correntes, vamos dizer, da agricultura. O que está acontecendo é um processo de transição entre uma agricultura convencional, que causa maior impacto no ambiente e também do ponto de vista energético, para ações que buscam minimizar esses impactos.
E&N - E como se dá essa questão da transição?
Uriartt - E aí tem um outro autor que é o Stephen Gliessman que fala de uma perspectiva que se chama transição agroecológica que tem níveis de transição: o primeiro é a minimização dos impactos provocados pela agricultura convencional e aí se tenta trabalhar esses insumos de forma a escolher aqueles que não sejam tão prejudiciais e dentro das regras determinadas, como os bioinsumos. O segundo nível é o da substituição de insumos, que possibilita o que justamente está acontecendo agora: em vez de utilizar determinados produtos que têm o maior impacto ambiental e econômico, opta-se por insumos que diminuem esse impacto. Na situação particular aqui do Rio Grande do Sul, por ser uma região mais sujeita a essas variações, por conta da nossa condição geográfica, o Lutz já vinha alertando isso há algum tempo, mostrando que fazer esse tipo de agricultura regenerativa orgânica não era muito mais caro, pelo contrário, uma vez encontrados os elementos para ajustar as características do ecossistema, se tornaria, vamos dizer assim, uma agricultura não só mais barata, mas também mais resiliente, pois ela dá maior estabilidade e permite que o ambiente consiga se recuperar num tempo mais rápido.
E&N - Entre as técnicas da agricultura regenerativa, como plantio direto, a integração lavoura/pecuária/florestas, a diminuição da idade de abate animal dentro das propriedades e as agroflorestas, o uso de bioinsumos consorciados com os químicos é um dos destaques do momento. Como tem funcionado?
Uriartt - Os bioinsumos são a utilização de micro-organismos benéficos como a boveria, a metarhiza nosoplia, o bacilos subtiles que estão na natureza e são utilizados numa matriz e reproduzidos a partir de processo microbiológico. O que a Lei dos Bioinsumos garantiu é que, se o produtor tiver uma determinada cepa, ele pode reproduzir na propriedade dele e utilizar. Só não pode comercializar. Pode ser distribuído entre associados de uma cooperativa, por exemplo, mas não botar no mercado. No caso específico dos bioinsumos há uma unanimidade, um reconhecimento por parte tanto do poder público quanto dos agricultores, sejam eles convencionais ou orgânicos, que essa é uma saída viável, que a partir da adoção dessas práticas se consegue uma maior estabilidade econômica e uma a maior resiliência dos sistemas de produção. Se ele for impactado por uma situação excepcional, como uma seca ou excesso de chuva, as áreas manejadas que levam em consideração esses princípios da agricultura regenerativa, tem uma maior velocidade de se recompor, para garantir a produção, na comparação com outros sistemas que não adotam os meus princípios.
E&N - A Emater completou 70 anos no início de junho, sempre se destacando nesse trabalho da extensão rural. Como tem sido o trabalho da entidade com foco em práticas agrícolas mais sustentáveis?
Uriartt - A Emater sempre teve um público atendido nessa área de agricultura de base ecológica, são agricultores que já buscam essa transição, sair de uma condição de maior impacto ambiental, maior fragilidade econômica com base em maior dependência dos insumos, e tentar incorporar, dentro da sua unidade de produção, recursos que ele possa reciclar, que ele possa utilizar, a partir do reconhecimento desses micro-organismos benéficos. Isso tudo já vem sendo feito há mais de 20 anos na Emater. O que a gente tem são variações das políticas públicas: em determinados momentos uma maior ênfase, em outros momentos a política pública deixa isso um pouco de lado e opta por outras áreas da atividade produtiva. Nós temos um plano estadual de agroecologia e produção orgânica que está hoje parado.
E&N - Além da questão dos bioinsumos, que outras ferramentas têm sidos usadas?
Uriartt - Muitas pessoas são descrentes, mas o uso da homeopatia tem demonstrado um resultado bastante interessante, na parte pecuária. A Emater tem realizado algumas atividades e tem crescido o interesse pelo uso dessa alternativa no manejo agropecuário, para controle de carrapato, e está mais do que com comprovado a eficiência desse tipo de manejo. Tem produtores que utilizam nosódio (medicamento preparado a partir de produtos de doenças ou agentes patogénicos, como bactérias, vírus, fungos ou parasitas) e que conseguem resultados bastante interessantes. Mas a homeopatia não está limitada ao manejo pecuário, pois tem sido utilizada na agricultura também.
Regulamentação deve alavancar utilização de bioinsumos

Uma das metas é promover maior sustentabilidade do ecossistema e até a regeneração de áreas degradadas
Embrapa/Divulgação/JCA Lei de Bioinsumos (Lei 15.070/24) sancionada no final de 2024, que regulamenta a produção, uso e comercialização dos bioinsumos no País, permitirá uma maior difusão do que pode ser considerado como a bola da vez da agricultura regenerativa. Além de toda a vantagem ambiental do uso de fertilizantes e defensivos agrícolas naturais, a possibilidade de produzir bioinsumos nas propriedades reduzirá a necessidade de importação desses elementos.
"Estamos participando de um grupo de trabalho da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) que vai ordenar a forma de uso e as formas de produção. A partir dessa lei, o produtor poderá produzir bioinsumos para uso próprio. Isso é importantíssimo, especialmente na parte de fertilização do solo, hoje ainda usados alinhados aos químicos, para ter melhor eficiência de produção", afirma coordenadora ambiental da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Paula Hoffmeister.
A nova lei dispensa de registro a produção própria, desde que não seja comercializada. É instituída ainda uma taxa para financiar o trabalho de registro e fiscalização por parte da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura. As normas previstas na lei serão aplicáveis a todos os sistemas de cultivo, incluindo o convencional, o orgânico e o de base agroecológica. A unidade de produção de bioinsumo estará sujeita apenas a cadastro simplificado, dispensável a critério da secretaria federal de Defesa Agropecuária.
De imediato, o texto já dispensa de cadastro a unidade de bioinsumos da agricultura familiar. Essa produção própria poderá se dar inclusive por meio de associação de produtores ou cooperativas, produção integrada, consórcio rural, condomínio agrário ou formas similares. O bioinsumo produzido para uso próprio também estará isento de registro, mas sua produção deverá seguir instruções de boas-práticas a serem fixadas em regulamento. Quanto à produção de bioinsumo para comercialização, a Lei 15.070/24 exige o registro de biofábricas, importadores, exportadores e comerciantes, assim como dos inóculos (suspensão de microorganismos).
"O trâmite da aprovação da legislação de uso dos bioinsumos foi uma das atividades que conseguiu reunir tanto agricultores da produção orgânica como da produção convencional. Isso é um demonstrativo de que há um uma convergência de interesses nesse aspecto. Quando a tecnologia é boa e oferece resultados, vale tanto para o pequeno e médio agricultor familiar como para o grande produtor de soja ou pecuarista", afirma o engenheiro agrônomo e extensionista rural da Emater-RS/Ascar, Ari Uriartt.
Entre os principais bioinsumos estão os biodefensivos para o controle de pragas, doenças e plantas daninhas: são usados agentes biológicos (ácaros, insetos e nematoides), microbiológicos (bactérias, fungos, vírus ou protozoários), semioquímicos (feromônios e aleloquímicos) ou produtos bioquímicos (hormônios, enzimas ou reguladores de crescimento).
Pesquisadora diz que uso das práticas regenerativas está muito aquém do necessário

Fabiane lamenta o pouco investimento em solos funcionais
Fabiane Vezzani/Arquivo Pessoal/JCApesar do aumento do interesse pelas práticas da agricultura regenerativa a campo, a sua aplicação efetiva ainda está muito aquém do que o necessário para efetivamente se pensar em algum reflexo na mitigação dos fatores que levam ao aquecimento global e suas consequências.
"O termo agricultura regenerativa está sendo amplamente utilizado porque pega bem. Grandes empresas o colocam como foco dos seus princípios, mas muitas estão usando com o viés que lhes convém", afirma a engenheira agrônoma, pesquisadora e professora do Departamento de Solos, Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Fabiane Machado Vezzani.
Para ela, a base da agricultura regenerativa são os princípios da agricultura conservacionista, os quais não estão sendo atendidos, como o não revolvimento do solo, a alta adição de resíduos, a diversificação dos cultivos, a rotação de culturas e as culturas de cobertura. Diante desse cenário, a pesquisadora fala em "retrocesso", pelo fato de existir no Estado, desde a década de 1970, programas para que esses princípios da agricultura conservacionista fossem implementados. "O que vemos são situações de revolvimento do solo, baixa adição de resíduos, levando a problemas de erosão sérios no Planalto, especialmente. Os agricultores, tirando poucas exceções, não estão construindo um solo funcional a ponto de resistir às intempéries climáticas e isso vai refletindo também nas questões de gás de efeito estufa que nos remetem às mudanças climáticas", avaliou Fabiane.
O termo agricultura regenerativa surgiu na década de 1980 e foi, aos poucos, substituído pelo orgânico e retornou com toda força por volta de 2015, focado de forma mais intensa nas questões relacionadas ao solo, à sua restauração e à mensuração de indicadores e processos, como o estoque de carbono, a biodiversidade do solo, a atividade biológica do solo, os processos de ciclagem de nutrientes e o resultado disso, como a emissão dos gases de efeito estufa. "O grande foco da agricultura regenerativa está na qualidade do solo, especificamente na mensuração de armazenamento de carbono e biodiversidade do solo", explica ela.
- LEIA MAIS: Injustiça climática: estudo aponta desigualdades na responsabilidade pela mudança do clima
O foco então é na funcionalidade adequada do solo que vai resultar em incremento de produção, maior qualidade de alimentos e ecossistema mais resiliente. Fabiane explica que existe diferença entre a agricultura regenerativa e a de base ecológica, desenvolvida num contexto agroecológico, pois a primeira, em essência, preocupa-se com o sistema produtivo individual do dono das terras. "Agroecologia preocupa-se na integração dos sistemas produtivos que refletem no sistema alimentar global, incluindo as pessoas. É uma visão de quem pensa de forma mais vinculada ao ambiente e às pessoas", avalia.
Fabiane explica que um dos fatores primordiais da agricultura regenerativa é o que ela chama de usar o solo na sua aptidão, ou seja, se ele não for adequado para grãos, não pode ser utilizado para isso. "A soja não pode ser plantada em todos os lugares, ela tem que ser cultivada quando o solo tem aptidão para ser cultivado com grãos". Além disso, se preconiza a redução do uso de agrotóxicos, o mínimo revolvimento do solo, a alta adição de matéria vegetal cultivada no local, pois as raízes das plantas são fundamentais para construir a funcionalidade do solo, e, de preferência, que as plantas cultivadas sejam de espécies diferentes.
"Em um espectro de tipos de sistemas produtivos que utilizam de forma crescente os princípios da agricultura conservacionista, partimos do plantio direto para um sistema de plantio direto, tanto de grãos quanto de hortaliças; depois em outro patamar está a integração lavoura-pecuária, seguida pela adição da floresta no sistema; e, por último, as agroflorestas biodiversas", diz Fabiane.
*Ana Esteves é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Atuou como repórter setorista de agronegócios no Jornal do Comércio, Correio do Povo e Revista A Granja. Hoje, atua como assessora de imprensa e repórter freelancer. Também é graduada em Medicina Veterinária pela Ufrgs.