Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 04 de Fevereiro de 2025 às 19:38

Missão revela impactos das mudanças climáticas na Antártica e seus efeitos no RS

Simões coordenou a maior circum-navegação brasileira ao continente, finalizada na última semana

Simões coordenou a maior circum-navegação brasileira ao continente, finalizada na última semana

Anderson Astor e Marcelo Curia/ICCE/JC
Compartilhe:
Gabriel Margonar
Gabriel Margonar Repórter
Após 70 dias de pesquisa na Antártica, a Expedição Internacional de Circum-navegação Costeira Antártica (ICCE) chegou ao fim na última sexta-feira (31). Em entrevista ao Jornal do Comércio, o professor Jefferson Cardia Simões, coordenador da missão, detalhou os objetivos da expedição e as descobertas relacionadas ao impacto das mudanças climáticas no continente gelado. Ele também explicou como essas alterações afetam diretamente o clima do Rio Grande do Sul e a relevância dos dados coletados para orientar futuras políticas públicas.
Após 70 dias de pesquisa na Antártica, a Expedição Internacional de Circum-navegação Costeira Antártica (ICCE) chegou ao fim na última sexta-feira (31). Em entrevista ao Jornal do Comércio, o professor Jefferson Cardia Simões, coordenador da missão, detalhou os objetivos da expedição e as descobertas relacionadas ao impacto das mudanças climáticas no continente gelado. Ele também explicou como essas alterações afetam diretamente o clima do Rio Grande do Sul e a relevância dos dados coletados para orientar futuras políticas públicas.
Jornal do Comércio - O que motivou essa expedição e qual foi o trajeto percorrido?
Jefferson Cardia Simões - Ao longo de 70 dias, percorremos quase 30 mil quilômetros, sempre tentando nos aproximar da costa da Antártica, o que dependia da espessura do gelo marinho. Nosso navio, um quebra-gelo russo, conseguiu romper camadas de até 1,5 metro. Estávamos reunidos com 57 pesquisadores de sete países, focados em coletas de amostras, perfilagens geofísicas, estações oceanográficas, lançamento de balões atmosféricos e análise da composição química de geleiras em cinco locais.
JC - Quais eram os principais objetivos da expedição? Eles foram cumpridos?
Simões - Sim. Tínhamos dois grandes focos. O primeiro era contribuir com um programa internacional sobre a estabilidade dinâmica da massa de gelo da Antártica. Embora o derretimento atual represente menos de 4% do total, há cenários que apontam para uma elevação do nível do mar entre 1,10 m e 1,20 m até 2100. O problema é que algumas áreas instáveis podem acelerar esse processo, elevando o nível em até 7 metros até 2300. O segundo objetivo era coletar dados sobre micro-organismos, além de informações oceanográficas, como temperatura, salinidade, densidade e acidez em diferentes profundidades. Tudo foi realizado sem problemas.
JC - Houve alguma descoberta que o senhor destacaria como mais relevante?
Simões - Não exatamente uma descoberta, mas destacaria que conseguimos monitorar, de forma simultânea, o lançamento de balões atmosféricos e imagens de satélite para analisar rios atmosféricos que saem da Amazônia, passam pelo Rio Grande do Sul e chegam à Antártica. Estamos investigando, por exemplo, como a fuligem de queimadas da Amazônia já estão alcançando o continente antártico. Também observamos o esverdeamento de algumas ilhas ao redor da Estação Comandante Ferraz, sinal claro do impacto do aquecimento global.
JC - Já é possível, então, identificar impactos das mudanças climáticas na Antártica?
Simões - Visualmente, sim. Observamos uma menor extensão da cobertura de gelo, migração de espécies como pinguins e peixes para áreas mais ao Sul e o aparecimento de novas espécies em algumas regiões costeiras. Porém, para conclusões científicas robustas, precisamos de análises físico-químicas e estatísticas, o que levará alguns anos ainda.
JC - E como as mudanças no continente gelado impactam o clima do Rio Grande do Sul?
Simões - O evento climático extremo de maio de 2024 é um exemplo claro disso. Ele ocorreu devido ao choque entre massas de ar quente e úmido da Amazônia e ar frio da Antártica. Esse ar frio, bloqueado pelo calor intenso do Centro-Oeste brasileiro, acabou "caindo" sobre o Rio Grande do Sul. Então, o clima da Antártica influencia diretamente a formação de frentes frias que afetam nosso dia a dia, o agronegócio e a economia.
JC - Seguir monitorando a Antártica pode melhorar a previsão e resposta a eventos climáticos extremos?
Simões - Certamente. Ele ajuda a aprimorar previsões meteorológicas e cenários climáticos. O aquecimento do Atlântico Sul, por exemplo, tem aumentado a frequência e a intensidade de ciclones extratropicais na costa gaúcha, fenômeno diretamente relacionado ao aquecimento do oceano próximo à Antártica.
JC - O que acontece com as amostras coletadas agora?
Simões - Elas foram distribuídas para instituições no Brasil e no exterior. Na Ufrgs e na Furg, serão feitas análises químicas, biológicas e físicas. Amostras de neve e gelo, fitoplâncton e dados oceanográficos, como salinidade e acidez, estão entre os materiais analisados. O processo todo deve levar de dois a três anos até a publicação dos resultados.
JC - Como esses resultados futuramente poderão contribuir para políticas públicas?
Simões - Eles podem melhorar a previsão do tempo, embasar cenários de mudanças climáticas específicos para o Rio Grande do Sul, como o impacto do aumento do nível do mar na planície costeira, e orientar políticas de urbanismo, infraestrutura e turismo. As soluções, no entanto, sempre dependerão de decisões políticas.

Notícias relacionadas