O presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira, revela nesta entrevista, concedida com exclusividade para o Jornal do Comércio, que tanto ele como muitos produtores do Estado mudaram a forma de pensar sobre as questões do clima, as quais têm gerado prejuízos constantes seja na forma de seca ou, mais recentemente, das enchentes. A estiagem e as mudanças climáticas estarão no centro dos debates da 25ª Expodireto Cotrijal, assim como a necessidade urgente de aumentar a área de lavouras irrigadas no Estado e de buscar saídas para a situação de endividamento crônico dos produtores gaúchos.
Jornal do Comércio - Cada vez mais se fala em agricultura regenerativa que visa melhorar a saúde do solo e restaurar o ambiente. Como os agricultores do Estado têm se posicionado diante dessa necessidade de preservar o que está aí e restaurar o que precisa ser recuperado?
Gedeão Pereira - Eu era negacionista sobre as mudanças climáticas, mas hoje não sou mais. Acho que realmente mudou. Agora nós temos que mitigar os efeitos. Nós realmente estamos vivendo uma mudança climática. Se nós podemos interferir nela ou não, é outra conversa. Quanto a isso eu sou bastante cético: nós humanos, para mexer em mudança climática, temos que voltar quase que para a idade das cavernas. O automóvel não ia poder circular mais, o ônibus, nem o caminhão, nem o trator. É impossível. Teria que mudar todo o nosso formato de energia. Mas acho que tem uma alteração climática sim, porque acumulamos quatro secas e uma catástrofe de excesso de água no meio. Então, realmente, nós temos que mitigar tudo isso através desse processo de irrigação.
JC - Um dos temas de maior destaque da feira será justamente o da irrigação, uma bandeira antiga da Farsul. Vamos realmente conseguir incrementar áreas irrigadas no Estado e reduzir as perdas causadas pela estiagem?
Gedeão - Ainda não conseguimos resolver massivamente o tema irrigação no Estado. É preciso entender que contra o excesso de chuvas nós não temos solução, mas contra a falta dela nós temos. Aqui no Rio Grande do Sul chove, o problema é que a chuva é mal distribuída. Agora estamos sofrendo com essa terrível estiagem, já perdemos uma boa parcela da produção gaúcha que ainda não sabemos estimar. Isso nos deixa muito apreensivos. A Farsul vem trabalhando nessa pauta há mais de 10 anos, desde o programa Mais água, mais renda, no governo Tarso Genro, época em que conseguimos avançar um pouco, mas de lá para cá tem sido um parto. Para se ter uma ideia, na soja, com pivô é possível colher 60 sacos por hectare, sem irrigação cai para 15 sacos. A diferença é brutal.
JC - E quais têm sido os principais entraves?
Gedeão - Principalmente as questões ambientais. O arcabouço jurídico que foi criado no Brasil e no Estado tem prejudicado o nosso País. Recentemente, eu estava num evento onde estava o ministro (da Agricultura) Carlos Fávaro e ele me disse: "no próximo plano agrícola, quero botar mais dinheiro para irrigação". E eu respondi: ministro, o nosso problema ainda é ambiental, ao arcabouço legal que ficou muito complicado no Brasil. Temos avançado, muito com o governador Eduardo Leite, mas tem um limite que é o teto da legislação federal. Esse é o limite que é enrolado, o código florestal e tudo o que ele exige.
JC - Mas, diante das alterações climáticas que têm gerado todo esse processo de estiagem e enchentes, o quanto o senhor acredita que seja aceitável flexibilizar as leis ambientais? Não seria o momento de endurecer um pouco mais em relação à preservação do meio ambiente?
Gedeão - Eu sou agricultor e pecuarista e água é riqueza, é vida. Na minha propriedade eu observo a quantidade de água que tenho e o enriquecimento da fauna que se beneficia do aumento da água, além das plantas. Se tem irrigação, aumenta a base alimentar, e quando ela aumenta, os animais aparecem para se alimentar. Tu enriqueces o meio ambiente. No caso de uma intervenção em uma área de preservação permanente (APP) nós propusemos dobrar a APP e botar água no meio. Eu não sei porque que esses ambientalistas travam tanto esse tipo de desenvolvimento, é uma questão absurda.
JC - E o senhor vê alguma perspectiva de mudança?
Gedeão - Nós já conseguimos muita evolução, aqui no Estado. Evoluímos no sentido de que barramento e açude até 25 hectares de alague pode ter licenciamento ambiental municipal. Quando nós levamos para o município, nós abrimos o leque de licenciadores, não fica só concentrado em Fepam ou Sema, que não têm pernas para fazer tudo isso. Tu entravas com um processo de licenciamento ambiental para um barramento ou para um açude e levava cinco, seis anos para ter liberação. A agricultura não espera, não é lógico. Além disso, conseguimos liberar pivô central de licenciamento. Hoje, se compra um pivô como qualquer outra máquina. Agora estamos brigando pela outorga do uso da água. Se o produtor é um investidor, ele faz um barramento e não é um grande barramento, para que outorga? A orizicultura se desenvolveu sem licenciamento ambiental. Eles simplesmente chegavam lá e faziam os açudes. Depois que criaram essa legislação toda, travou tudo. Simplesmente travou tudo. Hoje não temos mais essa liberdade, então, a irrigação vai a passo de tartaruga. Claro que têm outros gargalos: financiamento, falta de distribuição de energia. Mas tendo a primeira etapa vencida, que é a dos licenciamentos, a irrigação vai deslanchar no Estado, porque não tem outra fórmula.
JC - A Farsul tem algum levantamento sobre perdas nas lavouras devido às estiagens?
Gedeão - Em quatro secas, o Estado perdeu R$ 127 bilhões. Os ambientalistas dizem que a Farsul está ajudando a destruir o meio ambiente, quando eu acho que é exatamente o contrário. Quando tu chegas com agricultura num município, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município aumenta. É óbvio, pois a agricultura envolve muito mais atores, gira mais dinheiro do que a pecuária, que é uma parte da agricultura. Quando tu tens um município só de pecuária, tu tens um IDH mais baixo. Na minha terra, em Bagé, lá nos anos de 1980, 1990, nem concessionária de automóvel tinha, o que dirá tratores. Hoje, tu chega lá e custa a ver qual é a concessionária que não tem, estão todas as marcas. E fora a quantidade de armazéns, de silos e de empresas que chegaram.
JC - E sobre a questão do endividamento, a securitização seria realmente a saída?
Gedeão - Nós não conseguimos mais resolver o problema dos produtores com medidas de curto prazo que se fez por causa da enchente e das perdas que houve na colheita do ano passado. E se não resolver, muita gente vai desaparecer. Além da estiagem, o excesso d'água foi um grande problema, porque fez apodrecer as plantas na lavoura. Então, agora nós estamos trabalhando com esse PL do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que nós estamos apoiando. Estamos descobrindo mecanismos com o governo federal, na busca por uma solução de longo prazo, porque curto prazo, quatro a cinco anos, foi dado nesse ano que passou. E muito com recursos próprios do sistema financeiro. Hoje nós precisamos de ter prazo longo, carência e juro compatível. O processo de securitização foi feito há mais de 20 anos, quando deram 25 anos de prazo para os produtores, com o juro compatível e parte desse dinheiro desapareceu pela inflação. Então, naquela época, a securitização resolveu o problema da agricultura brasileira e enriqueceu o Brasil, porque hoje o setor mais eficiente de economia nacional é o agro.
JC - Qual a expectativa da Farsul para mais uma edição da Expodireto, diante de um cenário de crise no Estado?
Gedeão - A Expodireto Cotrijal e a Expointer são as duas grandes feiras do Rio Grande do Sul e ambas têm uma característica: o pessoal vende, não só para o Estado, mas também para outras regiões do Brasil e até outros países. Apesar de o agronegócio do Rio Grande do Sul estar em crise não se significa exatamente que vamos ter crise dentro da feira, porque todos os anos se anunciam vendas importantes, tanto numa quanto na outra exposição.