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Publicada em 28 de Abril de 2024 às 16:00

Empresas enfrentam desafio de unir discurso à prática de bem-estar

Empresas devem proporcionar ambiente inclusivo e positivo

Empresas devem proporcionar ambiente inclusivo e positivo

freepik/divulgação/jc
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Liège Alves, especial para o JC*
Liège Alves, especial para o JC*
A pandemia redefiniu o conceito de bem-estar corporativo, enfatizando valores como humanização e empatia. Leis que abordam o assédio moral e sexual trouxeram transparência e canais de denúncia. A geração Z desafia a estabilidade buscando constantemente novos desafios, refletindo em uma mudança nas preocupações com a tecnologia no emprego. Esses fatores impulsionaram a discussão sobre bem-estar mental e emocional nas empresas, levando a uma ampliação dos benefícios oferecidos aos colaboradores.
 

Benefícios fazem a diferença para manter os colaboradores

Para Camila, o bem-estar no trabalho gera um ambiente positivo

Para Camila, o bem-estar no trabalho gera um ambiente positivo

PwC Brasil / Divulgação / JC
Após tantas mortes e incertezas que provocaram desequilíbrio emocional e mental, a pandemia deixou como legado positivo a visão de que o bem-estar dos colaboradores é imperativo no mundo corporativo. Depois da Covid 19, o burnout tornou-se diagnóstico médico oficial e consta entre as doenças classificadas como provocadas pelo trabalho.
A partir da consciência de que a sociedade estava adoecendo e isso, sem dúvida, impacta na produtividade, as empresas ampliaram o número de benefícios para auxiliar na busca por equilíbrio e satisfação dos funcionários. As práticas também acabam servindo como isca para reter talentos e reduzir turnover, que também gera custos.
Camila Cinquetti, sócia responsável pela consultoria de People & Organization na PwC Brasil, explica que as pesquisas feitas pela consultoria mostram que 83% dos profissionais entendem que o "well-being", bem-estar em inglês, impacta os negócios e se transformou em um fator decisivo para permanecer em uma empresa. Esse conceito abarca quatro fatores: saúde mental, física, financeira e espiritual. No mesmo estudo, um total de 33% dos entrevistados indicam que, quando não há equilíbrio entre vida pessoal e trabalho e esse profissional sente que não há um cuidado individual com ele, isso pode desencadear a decisão de sair do emprego.
Outra pesquisa realizada em 2023 mediu a expectativa e a possibilidade de os profissionais pedirem demissão da empresa que atuam. Resposta? Aqui no Brasil, 25% dos brasileiros planejam trocar de empresa neste ano. Em 2022, para essa mesma pergunta, apenas 19% deram sim como resposta. Para Camila, uma das razões desse cenário é o endividamento. "A população brasileira e do mundo está se endividando mais, trabalhando literalmente para pagar as contas. Quando vê uma oportunidade de emprego melhor remunerada, vai atrás disso por estar precisando", aponta Camila. Outros motivos de busca de outra vaga são a falta de oportunidade de crescimento e a procura por um equilíbrio entre o pessoal e o profissional.
Na pesquisa da PwC Brasil, aparece ainda outro dado importante: 44% dos entrevistados se consideram sobrecarregados.
A conta pesa mais ainda porque o custo de demissão, admissão e treinamento de novos contratados é alto. Isso sem falar que colaboradores que percebem que a empresa está proporcionando um bom ambiente de trabalho são mais produtivos e engajados.
Na opinião da consultora, os benefícios voltados para a saúde e o bem-estar precisam ser bem comunicados internamente e haver uma estratégia atrelada ao negócio. "Não é só dar o pacote de benefícios, mas criar programas e formas para as pessoas verem como acessar isso. Essa é uma mensagem importante, pois o bem-estar dentro da empresa vai refletir em um ambiente positivo e inclusivo. As pessoas precisam perceber que estão cuidadas, não é só dar suporte financeiro", observa.
Na experiência da consultora é nessa parte do processo que entra a liderança inclusiva que se comunique bem, crie hábitos saudáveis, que dê importância a uma cultura inclusiva, colaborativa e empática.
Para ela é fundamental o engajamento na prática dessa camada da média gestão que faz a intermediação entre as demandas do seu time para que seja mais humanizado e empático e também atende a alta gestão de cumprimento de metas de negócios. "Essa equação fica difícil de fechar. E essa média camada é muito exigida", pondera.

SAP investe em ambiente inclusivo e programas de saúde mental e emocional

Os top corners são recantos para descanso, que oferecem café, chás e frutas à disposição dos 2.200 funcionários que trabalham na unidade de Novo Hamburgo

Os top corners são recantos para descanso, que oferecem café, chás e frutas à disposição dos 2.200 funcionários que trabalham na unidade de Novo Hamburgo

SAP / Divulgação / JC
Empresas de TI têm fama de proporcionarem bons espaços de descompressão para seus colaboradores. A estratégia é uma forma também de reter talentos em um mercado no qual a mão de obra qualificada é bem disputada e o trabalho é basicamente mental, o que gera grande estresse. Considerada como líder de mercado em software de aplicativos empresariais, SAP optou por uma política de melhorias constantes nessa área, seguindo o padrão de outras sedes internacionais.
Foi por conta de sugestões dos próprios funcionários que surgiram iniciativas como uma praia interna, bicicletas à disposição, parceria com uma franquia de spa, quick massage e a partir do primeiro semestre deste ano haverá um salão de beleza interno. Não é por acaso que a empresa está entre as 10 melhores empresas em ações voltadas para a saúde no prêmio Great Place to Work. Ainda dentro da mesma premiação, em 2023, foram considerados pela terceira vez a melhor empresa para se trabalhar no Rio Grande do Sul e a melhor empresa para se trabalhar no país inteiro.
Criada em 2006 e localizada dentro do campus da Unisinos, a sede SAP tem ambientes amplos, com um conceito de design clean e moderno e alguns espaços lembram um clube, com recantos para descanso, os top corners, que são os cantos do café, frutas, chás à disposição dos 2.200 funcionários que circulam por lá. Aliás, nem todos os dias, pois a SAP implantou o modelo híbrido de trabalho, alternando home office e presencial.
Segundo a Adriana Kersting, Diretora de Recursos Humanos, 90% da equipe que atua no Estado são profissionais das áreas de desenvolvimento e de suporte de software. "Buscamos criar um ambiente inclusivo e de qualidade para os funcionários. Desde o início trabalhamos com carga semanal reduzida, 40 horas semanais, nosso horário é das 9h às 18h, com uma hora de almoço", salienta.
Para a diretora esse perfil de funcionários que a SAP trabalha tem algumas características bem marcantes: é jovem, voltado ao mundo tecnológico, pessoas que passam grande parte do dia voltado para as telas. "A gente sabe o quanto é importante estimular a saúde física e mental desses profissionais", diz. Na pandemia houve mais incidentes de problemas de ordem de saúde mental e emocional, o que fez a empresa reforçar essas iniciativas.
Adriana explica que o modelo de gestão é flexível e já traz a preocupação de respeitar as individualidades. Essa flexibilidade vai desde horários até os benefícios concedidos. Nesse último caso funciona na base de pontos que o funcionário recebe um determinado número e escolhe em quais os benefícios vai querer utilizá-los. Além de fornecer os tradicionais plano de saúde, odontológico, previdência privada, vale refeição e transporte, há convênios com plataformas de saúde mental e de terapias e descontos em serviços voltados para a saúde física. Um programa de assistência a funcionários e sua família para assessoria financeira, jurídica e psicológica. "Estamos sempre buscando a saúde mental de forma bem consistente. Hoje temos um número menor de afastamentos do trabalho", pontua a diretora.
Outro ponto de atenção é com os líderes que fazem o papel de multiplicadores da cultura da corporação. Há uma preocupação com o trabalho de formação e de desenvolvimento desses profissionais para que eles garantam um ambiente interno seguro.
Uma empresa externa avalia a satisfação dos profissionais e um grupo formado por funcionários e o departamento de Recursos Humanos analisa o resultado. Com base nesses dados é possível avaliar o que está sendo aprovado e buscar soluções para o que ainda precisa ser aperfeiçoado.

O desafio que se transformou em bem-estar

Fabiana conta que a jornada reduzida não afetou a produtividade e que os colaboradores viram na alternativa um benefício importante

Fabiana conta que a jornada reduzida não afetou a produtividade e que os colaboradores viram na alternativa um benefício importante

Mercur / Divulgação / JC
A redução da jornada para a Mercur não surgiu por nenhum movimento externo, mas por uma dificuldade financeira que a empresa passava. Em 2015, em um cenário recessivo, a opção foi reduzir a carga horária para evitar desligamentos. Fabiane Lamaison, Facilitadora de Coordenação, lembra que a alternativa encontrada foi reduzir a carga horária em 10% e os salários na mesma medida. A jornada da empresa, que tem sede em Santa Cruz (RS), passou, então, de 40 horas semanais para 36 horas semanais. Os colaboradores trabalham de segunda a quinta das 8h às 17h e na sexta das 9h às 12h. Quando é necessário, a compensação de feriados acontece na sexta. "Assim conseguimos ajustar um calendário que beneficia o trabalhador", garante Fabiane.
Como reduzir a carga horária impacta no processo operacional na indústria, foi preciso olhar de ponta a ponta a mudança do processo. Com isso, houve uma mobilização dos colaboradores para tornar isso possível. A gestora recorda que a surpresa positiva foi que os funcionários entenderem a redução como benefício. "Tivemos uma percepção de outros ganhos em clima operacional e de bem-estar. No setor de base, quem precisou complementar renda buscou algum tipo de serviço extra", diz a coordenadora.
Ultrapassado o momento desafiador, foi mantida a jornada reduzida sem prejuízo à produtividade. Os gestores entenderam que a empresa passou a ter outros ganhos intangíveis que não tinham sido mapeados. E que, de fato, a redução foi um benefício. "Percebemos que era possível realizar a operação com carga horária. Isso implica em ter criatividade para o processo acontecer. Temos um turnover muito baixo historicamente e não vimos uma alteração com a mudança", frisa Fabiane.
Após a pandemia, a empresa passou a oferecer um programa de saúde integral, voltado também para a saúde mental do trabalhador e de suas famílias. Outro pilar é a educação, com investimentos em cursos de gestão e atualização dos profissionais.
Atualmente, a Mercur, que vai completar seu centenário neste ano, conta com 600 colaboradores distribuídos em duas unidades e uma equipe que atua em todos os estados brasileiros. A empresa também se reinventou passando a ter uma gestão mais horizontal, voltada para práticas responsáveis inspiradas em Environmental, Social e Corporate Governance (ESG).

Ofertas de vantagens precisam ser bem planejadas pelas empresas

No princípio era a jornada básica de trabalho e os benefícios previstos na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), criada em 1943 durante o período do Estado Novo de Getúlio Vargas. De lá para cá muita coisa mudou, principalmente após a pandemia.
Nesse período, houve um movimento mais forte de flexibilização da jornada, adoção de uma forma mais generalizada do trabalho em home office, até disponibilizar serviços ligados à saúde mental e emocional do trabalhador, entre outros, como auxílio-creche, previdência privada, auxílio-cultura ou para atividades recreativas e academias.
De uma maneira geral, cada segmento empresarial cria uma estratégia de vantagens para tornar as vagas mais atrativas de acordo com o perfil do profissional que pretende atrair. Atualmente, a tendência é individualizar os benefícios concedidos levando em consideração a necessidade da empresa e do trabalhador, afirma o advogado especialista em Direito do Trabalho William Claro.
"Dentro disso tudo é possível. O benefício pode ser um serviço ou um bem ofertado diretamente ou indiretamente pelo contratante. O cuidado que se precisa ter é não desvirtuar a finalidade da verba ou do benefício, pois isso não pode ser confundido como salário'.
O advogado exemplifica essa situação citando o exemplo do auxílio alimentação que deve ser fornecido por meio de um cartão. Muitas empresas, algumas por desconhecimento, acabam pagando em dinheiro esse benefício.
Acontece também, em alguns casos, substituir aumento salarial por aumento desses extras. "Em caso de rescisão na Justiça, normalmente, esse valor é considerado como salário, repercutindo na incidência de encargos trabalhistas", alerta Claro.
Ele explica que há uma distinção do que é considerado benefícios previstos em lei e aqueles que constam em acordos coletivos. Por exemplo, o vale-alimentação não é obrigatório, mas existe previsão em alguns acordos coletivos. Já o vale-transporte é considerado uma obrigação legal, embora possa ser classificado como benefício por ser recebido a parte do salário.
Se do ponto de vista do empregador, é interessante estimular a saúde mental e emocional dos colaboradores para manter um clima interno positivo, reduzir turnover e faltas, pesa também o fato de que os benefícios não refletem em encargos trabalhistas, como décimo terceiro e férias e também não servem de base de cálculo para as contribuições sociais, que são o INSS e FGTS. Na prática é uma maneira de desonerar a folha de pagamento.
Outro cuidado indicado pelo especialista é que o benefício conste no contrato de trabalho do colaborador. "É essencial que a empresa formalize no contrato a finalidade do benefício e a forma como vai entregá-lo. Isso evita complicações futuras", frisa.
Na opinião de Claro, essas ofertas devem ser bem planejadas, pois não podem ser retiradas depois, a menos que seja feito um acordo entre as partes consentindo para alterar o contrato de trabalho. Mesmo assim, se a alteração do contrato for considerada prejudicial para o trabalhador, esse acordo pode ser considerado nulo, conforme está previsto no Artigo 468 da CLT.

Gestão individual proporciona mais assertividade para os benefícios

Letícia diz que até benefícios tradicionais podem ser diferenciados

Letícia diz que até benefícios tradicionais podem ser diferenciados

RB Serviços / Divulgação / JC
As empresas que trabalham com pacotes ou gestão de benefícios tiveram que acompanhar as mudanças de cultura que ocorreram nas corporações. Uma das lições foi trazer mais "inteligência" para os produtos e serviços ofertados aos trabalhadores. A proposta agora é monitorar de forma mais individual e perceber se o benefício é compatível com a necessidade do colaborador.
"No início, a gente fazia isso manualmente. Com o tempo, criamos ferramentas tecnológicas, mas em algumas áreas é preciso o olhar humano para o processo", garante Letícia Deus, gestora de Gente e Gestão na RB Serviços, especializada em gestão de benefícios para o mercado corporativo.
Ela exemplifica como esse trabalho mais assertivo acontece na prática: "A lei do vale-transporte existe há muitos anos, mas foi acrescentado um olhar individual. Quando chega um colaborador novo, ajudamos a criar o melhor roteiro para ele chegar até a empresa. Traçamos um percurso para que seja mais fácil para ele, considerando valor e tempo para que fique interessante para ambos", detalha a profissional.
A pandemia foi o gatilho para essa virada de chave na maioria das empresas. Na opinião da especialista, que acompanha há 20 anos o setor, a Covid não trouxe esses altos índices de ansiedade. A doença acelerou o cenário do mundo digital já estabelecido e fez com que doenças emocionais aflorassem. Com tantos funcionários adoecendo, se afastando do trabalho, foi a vez de as corporações olharem para essa necessidade.
A gestão atual se obrigou a abrir o leque de benefícios concedendo programas de bem-estar com tratamentos dentro da área de terapias, coachings e psicólogos.
Em geral, esses profissionais atendem de forma online e as empresas podem optar por alguns formatos. "A organização tem a opção de ver como os colaboradores vão utilizar. Se será subsidiado, se terá algum tipo de desconto. Isso fica de acordo com o orçamento de cada empresa", diz Letícia.
A gestora explica que muitas vezes o serviço prestado de gestão inteligente dos benefícios tradicionais acaba reduzindo custos e essa economia pode ser investida na área de saúde mental e emocional do trabalhador. Na própria RB, que atualmente conta com 400 funcionários, a adesão a esses programas chega a 30%. Conforme Letícia, isso faz toda a diferença nos processos de seleção nos quais ela participa.
"Sempre que eu vou fazer uma entrevista e passo essa questão da preocupação da RB de maneira integral com seus colaboradores, percebo que isso faz brilhar os olhos do candidato. A ideia de que a empresa se preocupa com o ser humano de uma forma mais ampla. Isso pode ser um diferencial para reter talentos", finaliza.
 

*Liège Alves é jornalista e publicitária graduada pela Pucrs ,com especialização em Jornalismo Aplicado. Foi repórter do jornal Zero Hora e do Grupo Sinos e editora no Jornal do Comércio. Atuou na área de Comunicação Corporativa e atualmente é diretora da Editora Essência.

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