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Publicada em 21 de Abril de 2024 às 16:00

Indústria criativa movimenta a economia de Pelotas

Grupo Tholl arrebanhou fama internacional com seus espetáculos de artes circenses

Grupo Tholl arrebanhou fama internacional com seus espetáculos de artes circenses

/SESC/DIVULGAÇÃO/JC
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Álvaro Guimarães, especial para o JC*
Álvaro Guimarães, especial para o JC*
No século XIX, Pelotas consolidou-se como polo econômico e cultural do Rio Grande do Sul. Ao longo do século XX, sucessivas crises atingiram o município e causaram uma derrocada financeira que estagnou a economia da maior cidade do Sul do Estado. Quase dois séculos depois, a indústria criativa surge como uma alternativa para a retomada do desenvolvimento.Apesar do cenário adverso, a cidade não deixa de produzir talentos, como na música nativista da qual surgem nomes como Joca Martins e Fabrício Rockembach; no rap, com Zudizilla, conhecido em todo o País ou, ainda, a Companhia de Dança Daniel Amaro que já viajou o Brasil com sua dança afro e, claro, o Grupo Tholl, que arrebanhou fama internacional com seus espetáculos de artes circenses.

Terceira edição do Festival Cabobu, a festa dos tambores, foi realizada em 2023 e festejou a cultura negra

Terceira edição do Festival Cabobu, a festa dos tambores, foi realizada em 2023 e festejou a cultura negra

/Michel Corvello/Divulgação/JC
Para além de mapear profissionais, eventos e iniciativas criativas, a Agimos atua diretamente na estruturação e no fomento da indústria criativa pelotense. Entre seus projetos estão o Prêmio Agimos de Produção Musical e o Laboratório de Políticas Culturais.
O prêmio instituído em 2023 foi realizado através do Mapa Cultural e distribuiu R$ 50 mil entre 16 músicos que receberam, cada um, R$ 3 mil para custear a gravação de seus trabalhos no estúdio da UFPel. Em março será lançada a coletânea dos trabalhos através de um catálogo montado em parceria com a rede de editoras universitárias. Esse material, que inclui discos virtuais e um livreto de cada artista, será disponibilizado em 130 editoras de todo o Brasil, garantindo que os artistas não fiquem perdidos na nuvem dos streamings.
"A política cultural é feita mais por boas ideias do que por indicadores, quando conseguirmos juntar indicadores e insights teremos uma política cultural extremamente eficiente", observa Maia.
Através de outra parceria, desta vez com a Comissão de Dirigentes de Cultura (Codic), a Agimos prestou consultoria aos municípios da região para a construção de planos para a Lei Paulo Gustavo, garantindo que 100% das 23 cidades da Zona Sul conseguissem aderir a lei que este ano irá destinar R$ 103,7 milhões para financiar iniciativas de manifestações artísticas e culturais desenvolvidas nos municípios. Dentro deste montante, R$ 2,6 milhões serão aplicados em Pelotas, sendo R$ 1,8 milhões para projetos audiovisuais e R$ 761,8 mil para outros setores.
Incentivos ao fortalecimento dessa cadeia produtiva vêm, também, do Poder Público Municipal, especialmente através do Programa de Incentivo à Cultura, o Procultura, principal ferramenta de fomento ao setor. Conforme os dados do Departamento de Projetos da Secretria Municipal de Cultura (Secult) para o Edital 02/2022, pago no ano passado, 220 propostas foram apresentadas e 95 foram habilitadas para receber os valores que somados chegaram a R$ 2,04 milhões.
Para além da distribuição de recursos, a política estruturada pela Prefeitura, conforme o secretário de Cultura, Paulo Pedrozo, tem sido planejada para ser o mais inclusiva possível. Exemplo disso é o apoio ao Festival Cabobu, a festa dos tambores, cuja terceira edição realizada em 2023 festejou a cultura negra e levou milhares de pessoas às ruas do Centro durante os três dias de realização.
"A gestão cultural de Pelotas, por meio da descentralização de suas ações, tem como objetivo, paulatinamente, diminuir a desigualdade estrutural existente no mercado de trabalho e nas relações interpessoais dentro de espaços públicos e privados", diz.

A cultura como ferramenta de transformação social e urbana

Laboratório Otroporto é responsável pela gestão de 12 diferentes projetos e por gerar 17 empregos diretos

Laboratório Otroporto é responsável pela gestão de 12 diferentes projetos e por gerar 17 empregos diretos

/Otroporto/Divulgação/JC
Durante a primeira metade do século XX, a zona portuária de Pelotas consolidou-se como um importante distrito industrial concentrando a maior parte das plantas fabris e alimentícias instaladas na cidade. Próximos ao cais e ao entroncamento da rede ferroviária estavam moinhos de farinha, fábricas de bebidas, o lendário frigorífico Anglo e a poderosa Cooperativa Sudeste de Lãs (Cosulã). Conforme as historiadoras Francisca Ferreira Michelon e Jossana Peil Coelho "ruas foram criadas e gradualmente se tornaram habitadas, construíram-se residências, escolas e clubes e se formou um bairro vibrante e acolhedor para morar e trabalhar".
A partir dos anos 1950, contudo, a região passa a sentir o impacto direto da política nacional de favorecimento ao transporte rodoviário e duas décadas depois o bairro começa a experimentar a decadência. No início dos anos 2000, o local estava convertido em uma área desolada, tendo como marca os prédios abandonados das antigas fábricas, quando em 2005 a UFPel recebeu a doação dos antigos prédios do Frigorífico Anglo, desativado no final dos anos 1980. A decisão do então reitor, César Borges de instalar ali um moderno campus que receberia, entre outras unidades, a Reitoria da Universidade, deu início a um processo de transformação do bairro.
No Terceiro Plano Diretor de Pelotas, aprovado três anos depois, o bairro do Porto já é identificado como área de Foco Especial de Interesse Cultural (FEIC). Essa classificação serviu de incentivo ao avanço da UFPel na região, através da ocupação de outros prédios como os da antiga Alfândega e da extinta Cervejaria Rio-grandense. A presença da universidade, todavia, não foi suficiente para recuperar plenamente a região. Começaram então a surgir empreendimentos com o objetivo de utilizar a economia criativa para contribuir com a revitalização da área e consolidar por ali um distrito industrial criativo.
Uma delas é a Associação Otroporto Indústria Criativa, surgida em 2016 e, atualmente, responsável pela gestão de 12 diferentes projetos e por gerar 17 empregos diretos, 60 postos de trabalho secundários, além de atender centenas de pessoas em diferentes ações, tanto em Pelotas, como em Rio Grande.
Entre os projetos desenvolvidos estão o Recicle, que envolve costureiras e artesãs responsáveis por transformar uniformes industriais em bolsas e outros acessórios; o Laboratório Faber Sapiens direcionado para que estudantes da rede pública tenham acesso a cursos de ciências, história e cultura e a Doceria Escola, que capacita 60 novos profissionais de culinária a cada ano.
Com recursos da Lei Paulo Gustavo, a Otroporto começa a implantar a Incubadora de Projetos da Economia Criativa (IPEC) responsável por selecionar, entre a comunidade, seis ideias de economia criativa, que serão formatadas, transformadas em projetos e executadas. "Esse é o legal da economia criativa: o ganha-ganha. Executamos projetos, recebemos recursos e atendemos a sociedade fazendo a economia girar", diz Duda Keiber, um dos diretores da entidade.
Além dos projetos educativos e culturais realizados tanto com investimentos públicos - captados através de editais - como com apoio de empresas como a Sagres Logística, CMPC Brasil, Connexion Export e a Portos RS, a Otroporto tem conseguido, pelos mesmos caminhos, recuperar a infraestrutura do bairro com obras de pavimentação de ruas e drenagem em áreas alagadiças.

Criatividade, a indústria do futuro de Pelotas

Mercado das Pulgas é realizado aos sábados no largo Edmar Fetter, próximo ao Mercado Público Municipal, e se inspira em mercado homônimo em Paris

Mercado das Pulgas é realizado aos sábados no largo Edmar Fetter, próximo ao Mercado Público Municipal, e se inspira em mercado homônimo em Paris

/ Gustavo Vara / Prefeitura de Pelotas / Divulgação / JC
Quando a Orquestra Acadêmica fez os acordes do Bolero de Ravel ecoarem pelas ruas do Centro Histórico de Pelotas, na noite de 26 de janeiro, estava próxima de seu final a 12ª edição do Festival Internacional Sesc de Música, evento que durante 15 dias atraiu 40 mil espectadores para as suas 63 apresentações e reuniu 400 estudantes de música de 22 estados brasileiros e cinco países, além de 46 professores de 13 nacionalidades diferentes. Os números festival, que incluem, o investimento de R$ 2,5 milhões feito pelo Sesc e patrocinadores e um movimento de R$ 500 mil na rede hoteleira - em um período tradicionalmente marcado por baixas taxas de ocupação -, são exemplos de como a indústria criativa tem gerado oportunidades capazes de aquecer a economia e auxiliar no desenvolvimento da maior cidade do sul do estado.
"Independente se o festival reflete lucro direto no caixa das empresas, estamos falando que ele envolve 40 mil espectadores e isso é mais do que a população da maioria dos municípios do Rio Grande do Sul. Isso mexe com o ambiente da cidade, gera um clima de satisfação, de alegria, de interação e essas sensações são o que o consumidor precisa para induzi-lo a consumir e isso é um fato. Quem está feliz, está alegre, consome. E são 12 dias em que a aura de Pelotas se transforma e esse sentimento de alegria toma conta de todo o povo pelotense que tem em seu DNA a cultura, pois tudo começou aqui", analisa Renzo Antonioli, presidente do Sindilojas e diretor da Fecomércio RS.
Essa relação profunda da cidade com a cultura, a que se refere Antonioli, teve início ainda no século XIX e foi registrada por cronistas e viajantes que passaram pela região como o francês Arséne Isabelle e o viajante alemão Carl Seidler.
"Há um teatro muito bonito, realmente elegante e cômodo. Existia apenas uma tipografia, no ano passado, mas circulam vários jornais políticos. A população já se elevava de sete a oito mil habitantes. É fácil prever que, dentro de poucos anos, ela será a segunda cidade da província", escreveu Isabelle em seu livro Viagem ao Rio da Prata e ao Rio Grande do Sul, publicado em 1835.
A música e o teatro, também fizeram parte do cotidiano da cidade desde os primeiros anos da freguesia de São Francisco de Paula, que em 1835 foi transformada em município de Pelotas. "O piano se encontra em todas as boas casas", registrou o alemão Carl Seidler em sua passagem pela cidade na primeira metade do século XIX.
O Theatro Sete de Abril inaugurado em 1834 e, atualmente, o mais antigo em atividade no país, não apenas recebia companhias teatrais de todo o mundo, como foi sede da Filarmônica de Pelotas, apontada como a primeira orquestra do gênero do Rio Grande do Sul.
No artigo A Formação da Atenas do Sul: Primórdios Culturais e Literários, a professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IF-Sul), Simone Xavier Moreira, doutora em Literatura e História da Literatura, cita, que no início da segunda metade do século XIX, Pelotas já possuía uma tipografia na qual eram editados jornais e livros, como Coleção de Poesias ao mui alto senhor D. Pedro II, de Antonio José Domingues, publicado em 1852 e que foi a primeira obra literária editada na cidade.
O intenso envolvimento dos pelotenses com diferentes manifestações culturais valeu à cidade os pseudônimos de Atenas do Sul e Princesa do Sul, este último ostentado até hoje no Brasão do município.
"No início do século XIX, as elites econômica, política e intelectual uniram-se para estabelecer linhas objetivas para a constituição da imagem de uma cidade emergente culturalmente. Nesse contexto, o termo Princesa do Sul adquiriu força e popularidade, servindo, como se diz atualmente, como slogan para uma campanha publicitária. Essa visão de uma Pelotas imponente, culta e rica é legitimada pela população. Mesmo as pessoas que vivem na mais completa miséria encontram pontos de identificação com a Princesa do Sul e têm orgulho de sua riqueza, dos seus monumentos, de sua 'cultura'", observa Simone Moreira.
A relação de Pelotas com as artes, apesar de altos e baixos, manteve-se forte ao longo do século passado tendo como marca principal uma produção local intensa, o que inclui uma variedade de grupos teatrais, companhias de dança, festivais de música e teatro. Desta cena cultural efervescente surgem nomes que se consagram no cenário gaúcho e nacional como a banda Os Almôndegas dos irmãos Kleiton e Kledir, além de Vitor Ramil, Giba Giba, Leopoldo Rassier, Avendano Júnior - precursor do choro em Pelotas - e grupos teatrais como o Desilab do diretor Valter Sobreiro Júnior e Usina de Flávio Dornelles.
"Nos anos 1980, 1990, Pelotas era uma cidade que tinha muitos bares e todos tinham música ao vivo, se tinha muito rock, muita MPB, se falava de teatro e se tinha muitos festivais e grupos que brilharam muito fora da cidade", comenta Heloísa Helena Duarte, a DJ Helô, que em 2024, aos 62 anos de idade, completa quatro décadas de trabalho na noite pelotense.
A virada do século traz mudanças com impactos diretos no cenário e, consequentemente, na produção cultural local, como a ascensão de gêneros musicais de forte apelo popular como o brega romântico, o pagode e o sertanejo universitário; a predominância do modelo das grandes casas de espetáculos o invés dos bares; a preferência do público por shows e espetáculos teatrais com atrações de renome nacional e a redução do repasse de recursos públicos para eventos como o Carnaval.
"O fechamento do Theatro Sete de Abril, em 2010, tirou da comunidade um importante equipamento público de cultura. A partir disso, o uso de espaços privados, nem sempre dotados de toda a estrutura de som e luz, fizeram com que os custos da produção cultural em Pelotas ficassem muito altos", acrescenta o músico e professor da Universidade Federal de Pelotas, Leandro Maia.
Apesar do cenário adverso, a cidade não deixa de produzir talentos, em segmentos específicos, como na música nativista da qual surgem nomes consagrados no Estado como Joca Martins e Fabrício Rockembach; no rap com Zudizilla, que em 2022 tornou-se conhecido em todo o País ou, ainda, a Companhia de Dança Daniel Amaro que já viajou o Brasil com suas montagens de dança afro como o espetáculo Dança dos Orixás, encenado pela primeira vez em uma antiga charqueada e, claro, o Grupo Tholl que arrebanhou fama internacional com seus espetáculos de artes circenses. 
Outra atração é o Mercado das Pulgas, realizado todos os sábados no largo Edmar Fetter, próximo ao Mercado Público Municipal. Inspirado no mercado homônimo de Saint-Ouen, em Paris, e no Brique da Redenção, tradicional feira do bairro Bom Fim, em Porto Alegre, o evento destaca-se pela venda de artesanatos, antiguidades, livros, discos, roupas e uma variedade de itens usados, muito valorizados por colecionadores e entusiastas da cultura retrô.

Inovação e empreendedorismo

Rosâni destaca a importância de espaços que permitam a produção de games, um mercado em crescimento

Rosâni destaca a importância de espaços que permitam a produção de games, um mercado em crescimento

/Rosâni Boeira/Arquivo Pessoal/Divulgação/JC
A consolidação do Pelotas Parque Tecnológico tem sido uma das grandes apostas do Poder Público para inserir a economia criativa, em definitivo, no arranjo produtivo local. "Pelotas é um polo de educação e tem uma industrialização média, portanto a indústria criativa é muito importante para a cidade, devido às instituições de ensino aqui instaladas. Por isso, é preciso que Pelotas se aproprie do conhecimento que as universidades produzem para gerar valor para a economia local", comenta Bazzanella.
Atualmente o complexo envolve 85 empresas e organizações, coordena dez projetos de inovação e educação, serve de incubadora para 20 startups e tem em seu ecossistema estruturas como o Coplace, um ambiente de coworking com outras sete empresas e o Candy Valley, grupo que reúne empreendedores de startups, que buscam novos mercados e oportunidades para as empresas locais.
De olho num dos setores que mais cresce no mundo, o mercado de games, o Pelotas Parque Tecnológico passa a contar este ano com o Game Lab. "Este é um espaço dedicado à elaboração de oficinas, mentorias e inventividade através de materiais, tecnologias apoiadas em produção de games e vídeos, que permitam a comunidade expressar a sua criatividade na forma de inventos, protótipos e produtos", explica a diretora do Pelotas Parque Tecnológico, Rosâni Boeira.

Eventos dinamizam a economia

Realização do Festival Internacional Sesc de Música atraiu 40 mil espectadores durante 15 dias, em janeiro deste ano

Realização do Festival Internacional Sesc de Música atraiu 40 mil espectadores durante 15 dias, em janeiro deste ano

/Gustavo Vara / Prefeitura de Pelotas / Divulgação / JC
Até o início dos anos 2000, o Carnaval foi o maior evento cultural realizado em Pelotas. Os números da festa eram impressionantes e incluíam 47 entidades carnavalescas com média de 800 participantes cada, mais de cem mil pessoas na Passarela do Samba em três noites de desfiles e, aproximadamente, 700 empregos diretos temporários gerados nos barracões de escolas de samba, escolas e blocos mirins, blocos burlescos e bandas carnavalescas. Isso sem falar nos concursos de fantasias e bailes realizados pelos clubes sociais.
Um levantamento feito pela Associação das Entidades Carnavalescas de Pelotas (Assecap) no Carnaval de 2013, último realizado no modelo de organização e subvenções 100% públicas, mostrou que as agremiações gastaram R$ 500 mil no comércio local para montar seus desfiles e geraram uma média de 20 empregos diretos, cada uma, pelo período de 90 dias antes do Carnaval.
"A partir de 2013 esse modelo tradicional com investimento público perdeu força a partir de uma visão do Poder Público de que o Carnaval gerava despesa e tirava recursos de outras áreas como a saúde. As entidades tentaram reverter essa situação com investimentos privados, mas ainda não conseguiram bons resultados. Neste meio tempo surgem novos modelos de carnaval, como os blocos espontâneos, o que torna o ambiente mais desafiador ainda para as entidades", analisa o presidente da Assecap, Edson Luís Planela.
Na tentativa de reavivar o Carnaval, que permanece como a festa de maior apelo popular entre a comunidade, entidades e Prefeitura buscam um modelo de financiamento misto, no qual o Município garante os recursos para a infraestrutura da Passarela do Samba e uma parcela para as entidades, que devem buscar outras formas de financiar os desfiles.
Em 2024, quando o Carnaval acabou remarcado para abril por causa de problemas na organização da Assecap, o orçamento total da festa ficou em R$ 700 mil, sendo R$ 340 mil repassados para as 19 agremiações entre escolas de samba, escolas infantis, bandas e blocos burlescos. O restante será usado na estrutura da festa. Além da Prefeitura, a Câmara de Vereadores destinou R$ 140 mil, o Governo do Estado outros R$ 50 mil e o deputado federal Daniel Trzeciak (PSDB) outros R$ 80 mil através de emenda parlamentar.
Enquanto os organizadores do Carnaval lutam para reconstruí-lo, produtores de outros grandes eventos celebram a consolidação de suas marcas, como é o caso da Fenadoce da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) que este ano chega a sua 30ª edição; o Rodeio Internacional de Pelotas que vai para a sua 11ª edição; o Festival Internacional Sesc de Música e a Maratona de Pelotas, que será realizada pela segunda vez em outubro.
Conforme o gerente regional do Sesc em Pelotas, Luiz Fernando Parada, o Festival Internacional de Música surgiu da percepção de ser necessário construir algo capaz de qualificar a cidade como um produto turístico. O sucesso da iniciativa, acabou dando origem a ideia de ter, também, um grande evento no segundo semestre, daí surgiu a Maratona de Pelotas, que no ano passado já atraiu centenas de competidores de várias regiões do estado.
"A indústria criativa tem muitas frentes e pode ser transformada rapidamente, este talvez seja o seu grande potencial e por isso surge como a melhor possibilidade de desenvolvimento para Pelotas", afirma.

O tom da música é outro

DJ Helô virou sinônimo de música de qualidade no cenário da noite pelotense há mais de quatro décadas

DJ Helô virou sinônimo de música de qualidade no cenário da noite pelotense há mais de quatro décadas

/ Michel Corvello / Prefeitura de Pelotas / Divulgação /JC
No Revéillon 2024 aproximadamente 700 pessoas receberam o novo ano, em Pelotas, sob o som de MPB, samba raiz e rock nacional tocados por DJ Helô. O evento promovido desde os anos 90 virou marca registrada da DJ que faz da música seu meio de vida e transformou-se em sinônimo de qualidade na noite pelotense.
E é exatamente essa tal qualidade, ou melhor, a falta dela o motivo apontado por Helô para justificar seu desencanto atual com a noite, que já foi uma das mais famosas do estado e, ainda hoje, gera centenas de postos de trabalho.
"O que se percebe hoje é que não se importam se tu vais ficar de pé ou sentada, se bebe ou não bebe, qual música o público prefere. Não há uma preocupação com o que é oferecido, com a qualidade do serviço, tudo é muito igual e isso faz com que exista uma faixa etária que frequenta alguns lugares somente por falta de opção", analisa.
Essa falta de alternativas e, por vezes, mesmice, apontada pela DJ no setor do entretenimento noturno se reflete na redução de oportunidades de trabalho para os profissionais da música na cidade.
"A situação não é fácil, é muito complicada. Pelotas tem um cenário de cultura muito bacana se comparado a Porto Alegre e outras regiões, mas tem dificuldades. Tem alguns segmentos de música muito privilegiados e outros não", comenta o músico Tom Neves, que há 16 anos trocou a Capital por Pelotas e hoje é um dos nomes mais requisitados em eventos e casas noturnas que tocam reggae, samba ou MPB.
Mas apesar da situação que considera privilegiada - com uma agenda de pelo menos três apresentações por semana - Neves confessa não se sentir seguro o suficiente para largar o trabalho em um cartório de registro civil e viver somente da música.
Um maior investimento do Poder Público no segmento, com a promoção de festivais e eventos culturais gratuitos para a população, mas que ocupassem músicos locais, é apontada como uma das alternativas para ampliar o mercado. "A questão da estrutura da cultura em Pelotas não existe, não há festivais ou são precários. A sociedade não recebe a cultura de volta, os eventos públicos são raros", afirma Neves.
 

A força da economia da criatividade

Maia reforça importância do mapa

Maia reforça importância do mapa

/Leandro Maia/Arquivo Pessoal/Divulgação/JC
Criado em 2006, o Observatório Itaú Cultural acompanha e mapeia o cenário da indústria criativa brasileira ano a ano. A mais recente versão do seu Painel de Dados divulgada no segundo semestre de 2023, mostra que a economia criativa ocupa 5,3 milhões de pessoas em todo o país em seus três agrupamentos: consumo, cultura e tecnologia.
Essa massa de trabalhadores ganha, em média, R$ 3,6 mil mensais e trabalha aproximadamente 38 horas semanais. A informalidade é uma das marcas do setor no qual 41% dos trabalhadores não têm carteira assinada. Com relação ao total de empresas do setor, os dados mais atualizados são de 2021 e indicam a existência de aproximadamente 130 mil empresas criativas no país. O setor, conforme o levantamento, é responsável por 3,11% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o que equivale a aproximadamente R$ 230 bilhões.
O segmento do consumo, onde estão agrupadas as empresas de moda, arquitetura, publicidade, mercado editorial, design e serviços empresariais, ocupa a maior fatia dos profissionais, 3,5 milhões, seguido pelo eixo da tecnologia com 1,1 milhão e da cultura, com cerca de 900 mil trabalhadores ocupados.
Santa Catarina é o estado da região sul do país com a maior taxa de ocupação no setor, com 399 mil pessoas trabalhando com economia criativa. Logo em seguida surge o Paraná com 345,4 mil, enquanto o Rio Grande do Sul ocupa 291,7 mil pessoas.
A indústria criativa gaúcha é formada por um universo de 173,5 mil trabalhadores especializados e 117,5 mil não especializados, sendo 51,4% homens e 48,5% mulheres. A maior parte, 113 mil, possui curso superior completo, trabalha em média 40 horas semanais e os salários são um pouco mais altos que a média nacional ficando na casa dos R$ 4,5 mil. Ainda conforme o levantamento do perfil dos profissionais do setor, 43% têm entre 25 e 39 anos, enquanto 29% está na faixa etária dos 40 aos 59 anos.
Ao todo 9 mil empresas criativas estavam em funcionamento no estado em 2020 e o índice da Economia da Cultura e Indústrias Criativas (Ecic) em relação ao PIB estadual foi de 1,7%, que se equivalia a R$ 8,3 bilhões sobre os R$ 473 bilhões do PIB daquele ano. Tal qual o panorama nacional, o segmento de consumo é o que ocupa a maior parte do pessoal respondendo por 161,7 mil postos de trabalho, enquanto a tecnologia gera 72,2 mil vagas e a indústria cultural 57,7 mil.
O município de Pelotas ainda não possui um levantamento completo do setor, porém, alguns dados apurados em iniciativas isoladas colaboram para auxiliar na compreensão do peso da economia criativa na dinâmica da cidade. O secretário municipal de Desenvolvimento, Turismo e Inovação, Gilmar Bazzanella destaca que o setor de serviços é, atualmente, o que mais gera empregos na cidade e envolve 32 mil pessoas.
Um recorte mais específico feito pela Secretaria de Cultura (Secult) indica que as 30 feiras de artesanato organizadas pela Prefeitura - como o Mercado das Pulgas, que acontece todos os sábados no largo do Mercado Central - ao longo de 2023 reuniram, aproximadamente, 200 artesãos que têm em seu trabalho a principal fonte de renda. Enquanto o presidente da Associação das Entidades Carnavalescas de Pelotas (Assecap), Edson Luís Planela, calcula que as oito entidades carnavalescas - aqui são contabilizadas as escolas de samba e escolas mirins - devem gerar aproximadamente cem empregos diretos este ano.
O mapeamento estadual do setor da dança, estudo desenvolvido a partir de 2020 por 19 entidades representativas do segmento no Rio Grande do Sul e que, em Pelotas, foi executado pela Agência de Indústria Criativa e Mobilização Social (Agimos) ligada a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) apurou haver aproximadamente cem pessoas que vivem exclusivamente da dança na cidade.
Criada em 2021, com base em articulações surgidas no Conselho Municipal de Cultura (Concult) e de necessidades expostas no Plano Municipal de Cultura, a Agimos contempla entre seus quatro eixos de ação a construção do Mapa Cultural, que pretende se estabelecer tanto como uma completa base de dados sobre os trabalhadores da cultura em Pelotas e região, como uma vitrine virtual para profissionais de diversos segmentos. Atualmente o Mapa já cadastrou 264 agentes de diferentes áreas.
"O Mapa Cultural tem a importância de levantar esse universo, hoje, são aproximadamente 300 agentes cadastrados e é um dos mais atualizados do Brasil. Seguimos o mesmo modelo de estados como Ceará,Espírito Santos e Pará e fazemos parte de uma rede de mapas culturais brasileiros. A ideia é que forneça, além de um mapa dos agentes culturais, também um calendário de eventos regional unificado, alimentado pelos próximos agentes", explica o coordenador da Agimos e professor da UFPel, Leandro Maia.

Audiovisual: do pioneirismo a tentativa de atrair produtoras

Viana diz que Pelotas tem o maior potencial audiovisual do interior gaúcho

Viana diz que Pelotas tem o maior potencial audiovisual do interior gaúcho

/Rodrigo Chagas / Prefeitura de Pelotas / JC
A história de um menino que pinta de preto as lentes dos óculos de seu avô, fazendo-o pensar que está cego, foi o enredo do primeiro filme do cinema brasileiro, exibido em 1913. Os cenários que se vê na película da qual hoje restam menos de cinco minutos dos 15 originais, são as ruas do centro de Pelotas.
O curta-metragem Os Óculos do Vovô foi a primeira obra do português, radicado em Pelotas, Francisco dos Santos - que faz o papel do vovô no filme - responsável por constituir a Guarany Filmes, primeira empresa cinematográfica do país. Santos foi, também, o realizador do primeiro longa-metragem nacional: O Crime dos Banhados, de 1914.
Berço do cinema nacional, Pelotas possui hoje dois cursos superiores dedicados à Sétima Arte, ambos na UFPel: Cinema e Audiovisual e Cinema de Animação. A universidade possui, ainda, uma sala de cinema própria.
"Pelotas é a cidade que tem o setor audiovisual com maior potencial no interior do Rio Grande do Sul não só pelo histórico de grandes produções, mas pelos produtores independentes que foram se destacando por aqui. A Universidade Federal de Pelotas é uma das poucas instituições públicas de ensino superior que têm cursos de cinema e cinema de animação no Brasil, além disso, a cidade é conhecida nacionalmente pelo seu patrimônio histórico e qualidade artística", afirma Bruno Vianna, diretor executivo da Pelotas Film Commission.
A comissão ligada à Secretaria de Desenvolvimento, Turismo e Inovação foi instalada em 2023 com o objetivo de ser um agente facilitador para atrair e estimular produções audiovisuais, além de planejar estratégias para a captação de recursos, fortalecimento de mercado e criação de políticas públicas para capacitação de profissionais para o segmento.
"As produções audiovisuais movimentam diversos setores da economia local, como comércio e serviços. Além de gerar oportunidades para profissionais do audiovisual, também criam empregos indiretos e fomentam a criação de novas oportunidades. Toda produção audiovisual deixa um legado para a cidade. A intenção da Film Commission é fazer com que as produções tragam benefícios para o município não somente durante a gravação, mas principalmente a médio e longo prazo, reforçando a identidade cultural de Pelotas a partir de obras audiovisuais, desenvolvendo ainda mais o turismo e reafirmando sua importância histórica, humana e social", diz.
O primeiro resultado do trabalho da comissão apareceu, já em 2023, com a realização do longa-metragem Passaporte Memória, da produtora porto-alegrense Atama Filmes, dirigido por Décio Antunes, que foi gravado em vários pontos da cidade.
Em janeiro, o diretor, ator e produtor gaúcho Werner Schunemann esteve na cidade em busca de locações para o filme Pra Amanhecer Ontem, que deve ser rodado este ano. Produtoras de peso no mercado nacional como Endemol Shine Brasil, D7 Filmes e Conspiração Filmes também fazem levantamentos para usar Pelotas como cenário de projetos programados para entrar em produção ao longo de 2024.
O rico patrimônio arquitetônico formado por exemplares como a Fonte das Nereidas, que adorna o centro da praça Coronel Pedro Osório, e os casarões do século XIX surgem como um atrativo para produções de época e comerciais em busca de cenários clássicos.
 

* Álvaro Guimarães é natural de Rio Grande e jornalista formado pela Universidade Católica de Pelotas. Atualmente, trabalha como assessor de comunicação e repórter freelancer.

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