Ricardo Gruner
A vida se transforma completa e inesperadamente. Essa é uma das abordagens presentes na peça Ramal 340: sobre a migração das sardinhas ou porque as pessoas simplesmente vão embora. Com dramaturgia original de Francisco Gick, desenvolvimento do Coletivo Errática e direção de Jezebel de Carli, o espetáculo pode ser visto a partir de amanhã em Porto Alegre. De 17 a 27 de novembro, a montagem é atração no Teatro Renascença (Érico Veríssimo, 307), sempre às 20h, de quintas a domingos. Ingressos podem ser adquiridos na bilheteria local por R$ 30,00.
O enredo acompanha narrativas que concorrem no tempo e no espaço, se atravessando na cena em constante movimento. Aparecem um homem que espera pelo pai na plataforma da estação de trem; uma mulher que não consegue dormir por causa de um sonho que teve; e uma personagem que resolve atravessar o mundo atrás de alguém que lhe escreveu uma carta. Nesse mosaico sem causas ou consequências correlatas, também há destaque para uma pessoa atormentada por uma imagem de 30 anos atrás - entre outros recortes. Em comum, narrativas de viagens, despedidas e encontros.
"O texto foi criado a partir do processo", afirma Jezebel, relembrando a origem do coletivo para comentar a obra. O Errática surgiu em 2012, dentro do curso de Teatro da Uergs, que tem unidade de Montenegro, onde ela leciona. Após a professora incentivar os alunos a estenderem o trabalho para fora da sala de aula, o grupo passou a realizar atividades na cidade - trabalhou em um galpão abandonado e em um barco, até que olhou para as ruínas da estação ferroviária. "Percebemos elas como a possibilidade de um não-lugar de identidades fixas. Então pegamos um aeroporto, uma rodoviária, uma estação de trem. Lugares de passagem", aponta a diretora. "Ramal não tem unidade de tempo, ação ou espaço. As coisas se misturam", adianta ela.
A estreia ocorreu nas próprias ruínas, em 2015. Na preparação para a temporada no Renascença, no entanto, a montagem precisou ser remodelada. O cenário e o figurino, por exemplo, são novos. O número de atores também diminuiu - eram oito, agora são seis: Diogo Rigo, Guega Peixoto, Gustavo Dienstmann, Luan Silveira e Nina Picoli, além do próprio Francisco Gick. "Consideramos um novo espetáculo", compara a diretora, citando que o dramaturgo escreveu o texto a partir do processo de pesquisa junto aos colegas - uma atividade que envolve improvisos e elaboração de situações.
Desde sua criação, o grupo vem desenvolvendo estudo continuado de linguagem, focado em ações colaborativas de criação e dramaturgia própria - além de transcriações de outras obras. A lista de trabalhos da equipe inclui montagens como K3: resta o corpo quando não se tem mais nada e Kóstia não morra! Ou da dura tarefa de não atirar contra a própria cabeça. "O Coletivo trabalha com performance, já realizamos trabalhos aqui em Montenegro, nas ruas e dentro da universidade. Ramal é resultado de um processo que vê o teatro contaminado pela performance", explica Jezebel.
Assim como em peças que dirigiu anteriormente, a encenadora brinca com as convenções. Os personagens são apresentados pelos integrantes elenco, que comunicam ao público quem eles vão interpretar, por exemplo. "BR-Trans tem muito isso. E mesmo em outros, como Hotel Fuck, já trabalhava nesse sentido", recorda, completando: "É uma forma de produzir uma experiência com o público, que seja um lugar de encontro mais do que uma obra em que o espectador contempla uma obra distanciada".
Para o futuro, o Coletivo Errática prepara A beleza da imperfeição, primeiro espetáculo que o coletivo dedica para crianças . O projeto foi contemplado com o prêmio Fumproarte - Porto Alegre amanhã e tem estreia prevista para março de 2017, no Theatro São Pedro. "Acho que há uma separação significativa entre o que faz em Porto Alegre e no Interior. Não de qualidade, mas normalmente o que está em cartaz em Porto Alegre é produzido aí. Há pouco acesso há circulação", encerra a diretora, baseada em sua experiência na Uergs.