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Publicada em 13 de Junho de 2025 às 17:31

Prefeito de Bagé acredita que Região Sul pode se desenvolver a partir do turismo

Prefeito de Bagé, Luiz Fernando Mainardi concedeu entrevista ao JC no evento Mapa Econômico do RS, realizado no município da Campanha

Prefeito de Bagé, Luiz Fernando Mainardi concedeu entrevista ao JC no evento Mapa Econômico do RS, realizado no município da Campanha

TÂNIA MEINERZ/JC
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Ana Stobbe
Ana Stobbe Repórter
"Nós temos a história do Rio Grande do Sul nesta região", exclama, orgulhoso, o prefeito de Bagé, Luiz Fernando Mainardi (PT), diretamente de um prédio histórico da cidade: o Palacete Pedro Osório. Lá iniciaram as discussões para a pacificação da Revolução de 1923, selada pelo Pacto de Pedras Altas. Mainardi observa que fatos históricos como esse ocorridos em Bagé poderiam ser melhor explorados turisticamente.
"Nós temos a história do Rio Grande do Sul nesta região", exclama, orgulhoso, o prefeito de Bagé, Luiz Fernando Mainardi (PT), diretamente de um prédio histórico da cidade: o Palacete Pedro Osório. Lá iniciaram as discussões para a pacificação da Revolução de 1923, selada pelo Pacto de Pedras Altas. Mainardi observa que fatos históricos como esse ocorridos em Bagé poderiam ser melhor explorados turisticamente.
Aliás, a atividade é uma grande aposta do prefeito, que acredita no potencial do turismo de maneira integrada com outros municípios da região, como Dom Pedrito e Santana do Livramento. O chefe do Executivo municipal também aponta o potencial do turismo de experiência, que tem gerado oportunidades em áreas com vinhedos (produção de vinhos) e olivais (azeites), o que incluiria ainda a cidade vizinha de Candiota.
O prefeito destaca outras iniciativas que podem potencializar a economia da região, defendendo especialmente a verticalização da produção, o que passa por industrializar os grãos cultivados na Campanha Gaúcha. Defende, por exemplo, o processamento da soja em óleo ou farelo. Outra possibilidade para trazer novas iniciativas é a criação de um porto seco no distrito industrial de Bagé, área que foi transferida do governo do Estado ao município.
Nesta entrevista, concedida em 5 de junho no Palacete Pedro Osório – onde ocorreu o primeiro evento de 2025 do Mapa Econômico do RS, realizado pelo Jornal do Comércio para debater a economia das Regiões Sul, Centro-Sul, Campanha e Fronteira Oeste –, Mainardi ainda comenta sobre grandes empreendimentos da região em municípios vizinhos, como a usina Candiota 3 e projetos de mineração. Fala também da importância das universidades em Bagé e da mobilização para que a cidade tenha um curso de Medicina. O prefeito ainda faz um balanço dos primeiros meses da sua gestão.
Jornal do Comércio – O senhor tem discutido junto a outros prefeitos da região demandas como o desenvolvimento turístico da Região Sul. Como isso tem funcionado? 
Luiz Mainardi –  Temos necessidade de integração dos municípios da região, ainda é baixo o índice de cooperação. E não se faz turismo sem integração, porque o turismo é regional. Estamos organizando debates sobre desenvolvimento regional porque queremos colocar isso na mesa, não é sobre Bagé, Candiota ou Dom Pedrito. É sobre a região. E precisamos disso para atrair empreendimentos privados, que é o que faz realmente acontecer estes projetos.
JC –  Quais locais poderiam aproveitar melhor o potencial turístico?
Mainardi –  Temos a história do Rio Grande do Sul nesta região. A história das guerras e das lutas. Este prédio em que estamos (Palacete Pedro Osório) é lindíssimo e aqui foi construída a paz da Revolução de 1923. Depois, foi assinado o Pacto de Pedras Altas no Castelo Assis Brasil em outro município (Pedras Altas), só para dar um exemplo de que este pode ser um produto a ser trabalhado. Aqui e em Dom Pedrito dá para aproveitar um roteiro histórico, com cenários e locais que contam episódios das guerras do nosso Estado. Essas duas cidades e Santana do Livramento também podem aproveitar as vinícolas e a enogastronomia.
JC – Já tem alguma iniciativa nesse sentido?
Mainardi – Em Santana do Livramento tem a Rota Ferradura dos Vinhedos, que foi aprovada em lei estadual, proposição minha enquanto era deputado. Também tem a olivicultura, que pode ser explorada na nossa região. Estive recentemente com o presidente do Sebrae e eles devem se juntar a nós em um projeto de desenvolvimento do turismo. Fomos convidados a conhecer um case deles no Ceará que pode servir como parâmetro.
JC – Além dessa integração entre municípios, a prefeitura tem buscado cooperação com o Uruguai…
Mainardi – Nós, vizinhos, temos que nos conhecer também. Podemos fazer intercâmbio no Carnaval, como já existe em algumas cidades, e também fazer projetos na área do turismo e da cultura, viver mais a vida da fronteira. Tem que quebrar barreiras, porque muita gente mora aqui e trabalha no Uruguai e vice-versa.
JC - Recentemente, o senhor esteve no Uruguai discutindo possibilidades de cooperação. Algo avançou?
Mainardi - Tem o caso de Serrilhada, em que o Uruguai tem um tratamento de água de um lado da fronteira e no lado brasileiro temos falta d’água. Então, fizemos um acordo e em breve vamos oficializar essa integração para que eles possam abastecer a parte daqui. Nesse encontro, também levei a ideia de termos um fundo com recursos provenientes de algum organismo internacional para custear as ações de saúde nos hospitais de fronteira para uruguaios e brasileiros. A mesma coisa poderia ser feita com soluções para resíduos sólidos em cidades integradas. Temos que quebrar qualquer tipo de barreira na integração entre os povos, para que se tenha serviços compartilhados.
JC - Tem também a Barragem de Arvorezinha, em Bagé, que busca solucionar a falta de abastecimento d'água no município. Como estão as obras? 
Mainardi - Vão muito bem, a cada semana que a gente chega lá, a gente vê uma diferença e, num curto espaço de tempo, haveremos de resolver este problema de Bagé (desabastecimento de água, que tem gerado racionamento no município), com a garantia do governo federal de que não vão faltar recursos para esta obra. Recentemente, estive com os generais que comandam nacionalmente a Engenharia do Exército, trocando ideia de como podemos acelerar as obras. 
JC – O Mercosul pré-aprovou recursos para a construção de um Parque Tecnológico Binacional em Santana do Livramento, com gestão compartilhada com o Uruguai. Como isso pode ajudar a desenvolver a região?
Mainardi - Na viagem para o Uruguai discutimos isso nas reuniões onde tratamos os temas de fronteira. Estivemos com a vice-presidente do país (Carolina Cosse) e com vários ministros. Então, falamos não só da ideia de ter cursos binacionais, como já tem por lá, mas de ampliarmos essa cooperação. Quando se pensa em desenvolvimento de municípios de fronteira para projetos em conjunto entre dois países, sempre vai ter uma burocracia enorme. Agora, com a autonomia universitária é possível fazer.
JC - As universidades têm se estabelecido mais na Campanha e na Fronteira-Oeste…
Mainardi - Nos últimos 50 anos, a grande novidade que tivemos aqui foi a criação da Unipampa (Universidade Federal do Pampa), com seus 10 campi universitários. Isso movimentou a economia, a cultura e a vida social das cidades, dinamizou. E todos os municípios foram fortemente impactados. Aqui em Bagé mesmo, a região da Unipampa é bem diferente do ponto de vista da construção civil, dos serviços e de negócios. Mas ainda precisamos ampliar e trazer para Bagé um curso de Medicina. Estamos nessa disputa, trabalhando para que alguma das universidades traga o curso para a nossa cidade.
JC - Desde a sua primeira gestão como prefeito (2001-2004), o que mudou em Bagé? O senhor acredita que a cidade conseguiu se desenvolver?
Mainardi - Bagé se consolidou como um polo de serviços, compreendendo um forte comércio regional; 47% do nosso Produto Interno Bruto (PIB) é dessas atividades econômicas. Outros 20% é em serviços como saúde, educação, assistência social, seguridade, defesa… Temos muitos quartéis. Então, o que precisávamos para ampliar as atividades que geram emprego era o fortalecimento da nossa indústria e a verticalização na produção, no processo de transformação daquilo que se produz aqui na agropecuária. O avanço que pode ser considerado nesses últimos 20 anos é derivado do fortalecimento do polo de saúde e do polo educacional, que ampliou o nível de serviços e de geração de renda no município.
JC - O governo do Estado transferiu para o município a gestão do distrito industrial, que ainda não tem empresas instaladas. Qual é a perspectiva da prefeitura?
Mainardi - Estamos participando de um debate com vários atores sobre a criação de um porto seco ali. Podemos nos conectar ao Porto de Rio Grande por trem, porque a rede (férrea) passa dentro do nosso distrito industrial. Tem projetos de energia eólica que estão bem avançados e que podem usar a área do distrito industrial para acolhermos empresas que produzem equipamentos para o setor.
JC - Inclusive, estavam buscando atrair uma fábrica de equipamentos de aerogeradores…
Mainardi - Fizemos uma visita neste mês ao distrito industrial para mostrar a sua ótima localização, com rede ferroviária, energia, água e ao lado de uma BR. Mas só vai acontecer na medida em que investidores resolvam comprar os projetos que existem aqui na região para os parques eólicos.
JC - Tem em vista outros investimentos privados?
Mainardi - Não, nessa região sempre foi muito difícil o desenvolvimento econômico a partir do processo industrial, tanto que temos uma baixa participação no PIB do Estado. O que precisamos é talvez repensar regionalmente a nossa produção primária. Estamos vendo uma frustração de safra constante pelo fator climático, tanto que está tendo uma grande manifestação de produtores rurais. Já estamos com 3 ou 4 anos que não chove adequadamente e, quando chove, é em excesso. A lavoura se tornou uma atividade de grande risco quando não é irrigada. Isso tem que ser repensado, porque os produtores não podem viver eternamente atrás do governo para ajudar a viabilizar a sua permanência no campo quando temos um problema de clima que é incontrolável.
JC - O que pode ser repensado no setor primário?
Mainardi - Não dá para querer que todo o País passe a produzir apenas soja para exportação como se fosse um grande negócio, sem gerar emprego. Não vamos eliminar a produção de soja, mas é possível, nessa região, transformarmos a soja em óleo e botar dentro de um processo de transformação para gerar outros produtos, como o farelo de soja. Temos aqui um projeto de levar mais renda para as 3 mil famílias assentadas na nossa Região da Campanha com a avicultura e a suinocultura. Ou seja, alimentar com produtos e proteína animal o Brasil e o mundo, e não ser um exportador de matéria-prima, essa é uma disputa que temos que fazer.
JC - O arroz é um dos principais produtos da região, há alguma perspectiva de expansão?
Mainardi - O mercado de arroz é um mercado muito estabilizado no mundo e também no Brasil. Não adianta ampliarmos a área plantada se não tivermos um aumento de demanda interna. Isso vai ocasionar uma superoferta e com ela a redução dos preços para o produtor, o que não é bom também.
JC - A soja tem disputado espaços com o arroz?
Mainardi - Não, porque as lavouras de arroz ficam nas áreas baixas e 100% irrigadas. Para a soja sobram as coxilhas. Tem um percentual pequeno de áreas que podem ser migradas do arroz para a soja.
JC - A Região Sul tem atraído muitos projetos de transição energética, mas ao mesmo tempo a usina termelétrica de Candiota 3 tem tido problemas de contrato. Como está essa situação?
Mainardi - Precisamos que o governo federal edite uma medida provisória estendendo por mais 20 anos a utilização do carvão para a geração de energia. Minha sugestão para o ministro de Minas e Energia foi de que neste período se faça um estudo da transição energética aqui na região e do nosso carvão, porque ele pode ser utilizado para outras finalidades. Queremos isso para que a usina de Candiota não feche, porque é isso que vai acontecer (se continuar assim). Fechando a usina, nós comprometemos o desenvolvimento e a existência de Candiota e também o desenvolvimento da nossa região. Concordamos que em algum momento vamos ter que eliminar a queima de carvão. Mas precisamos fazer tempo para fazer essa transição para um outro momento. Já é uma região com baixo índice de desenvolvimento econômico e se nós ainda terminarmos com aquilo que temos, nós vamos criar mais dificuldades ainda.
JC - Por outro lado, tem projetos de extração de minérios como ouro e fosfato, que geram discussões sobre possíveis impactos ambientais. Como enxerga esses movimentos?
Mainardi - Não podemos trabalhar de forma preconceituosa. Se eu digo que é possível usar o carvão para outras finalidades, isso também é mineração. Quando se fala da extração de fosfato em Caçapava do Sul, por exemplo, estamos trabalhando a ideia de minerar um produto importante para a nossa agricultura, para o enriquecimento do solo. O que eu sou contra é minerarmos chumbo como tentaram fazer ao lado do rio Camaquã.
JC - Nesta sua terceira gestão, um entrave enfrentado enquanto prefeito tem sido as irregularidades fiscais do último governo apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Como está a atual situação fiscal?
Mainardi - Nosso orçamento (municipal) é muito baixo. A receita corrente líquida do ano passado foi de R$ 533 milhões e temos R$ 215 milhões de restos a pagar. Nos cinco meses de gestão, já colocamos em torno de R$ 52 milhões em dívidas de restos a pagar e temos mais R$ 275 milhões de dívida fundada. Essa última é parcelada e tem mais tempo para resolver, mas pagamos um valor alto, R$ 1,5 milhão por mês de precatório, por exemplo. Isso é um problema.
JC - O TCE solicitou que a prefeitura solucionasse as irregularidades. O que tem sido feito?
Mainardi - A prefeitura estava com 70% de gasto com pessoal, o TCE falou que para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) tinha que comprometer no máximo 54% e que as contratações feitas nos últimos tempos estavam irregulares e alguns aumentos salariais inadequados. Disseram que a gente precisaria retirar (os cargos e os aumentos salariais), mas que se achássemos que não teríamos como fazer isso poderíamos apresentar um plano. Isso nos traria um problema muito grande e de difícil solução na relação com os servidores. Então, tomamos a decisão de fazer todos os cortes possíveis no gasto de pessoal por um lado e, por outro, trabalhar duro para aumentar a receita sem ampliar tributos, aumentando a adimplência, por exemplo. Estamos fazendo isso e acredito que o tribunal vai acatar nossa solicitação.

Perfil

Prefeito concedeu a entrevista no Palacete Pedro Osório durante o Mapa Econômico do RS

Prefeito concedeu a entrevista no Palacete Pedro Osório durante o Mapa Econômico do RS

/Fotos: TÂNIA MEINERZ/JC
Pela terceira vez à frente da prefeitura de Bagé, Luiz Fernando Mainardi (PT), 64 anos, iniciou sua carreira política no movimento estudantil enquanto cursava Direito na Universidade da Região da Campanha (Urcamp). Em 1982, filiou-se ao MDB e foi eleito vereador de Bagé pela primeira vez. No ano seguinte, migrou ao recém-fundado Partido dos Trabalhadores (PT), no qual está até hoje. Seu primeiro mandato como deputado federal iniciou em 1995, rendendo uma reeleição em 1998, ano em que ocupava a vice-presidência da bancada petista na Câmara dos Deputados. Deixou o Congresso Nacional em 2000, quando foi eleito prefeito de Bagé e cumpriu dois mandatos consecutivos (2001-2008). De lá, rumou à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, somando sucessivos mandatos – foi eleito em 2010, 2014, 2018 e 2022, ficando no cargo até 2024, quando renunciou à vaga no Parlamento gaúcho depois de ter sido eleito mais uma vez ao Executivo bageense. Ele esteve licenciado do cargo de deputado estadual entre 2011 e 2014, quando atuou como secretário estadual da Agricultura, Pecuária e Agronegócio no governo Tarso Genro (2011 - 2014, PT). É, ainda, empresário e produtor rural.

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