Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 17 de Junho de 2025 às 13:11

Diversidade marca práticas religiosas de cidades da Metade Sul, aponta IBGE

Chuí é o município do Brasil com mais habitantes sem religião e a cidade da Metade Sul com mais praticantes de outras religiosidades

Chuí é o município do Brasil com mais habitantes sem religião e a cidade da Metade Sul com mais praticantes de outras religiosidades

TV Brasil/Divulgação/JC
Compartilhe:
Lívia Araújo
Lívia Araújo Repórter
A recente divulgação dos dados de religião dos brasileiros apurados no último Censo do IBGE, em 2022, deu destaque a duas cidades da Região Sul do RS: Arroio do Padre e Chuí. A primeira tem a maior proporção de praticantes de religiões evangélicas em todo o país, com 88,7% dos habitantes de mais de 10 anos de idade, e a segunda, a maior porcentagem de brasileiros sem religião, com 37,7% da população.
A recente divulgação dos dados de religião dos brasileiros apurados no último Censo do IBGE, em 2022, deu destaque a duas cidades da Região Sul do RS: Arroio do Padre e Chuí. A primeira tem a maior proporção de praticantes de religiões evangélicas em todo o país, com 88,7% dos habitantes de mais de 10 anos de idade, e a segunda, a maior porcentagem de brasileiros sem religião, com 37,7% da população.
No entanto, esses não são os únicos municípios da Metade Sul com dados marcantes relativos à prática religiosa. Os dados levantados pelo Censo mostram que as 44 cidades de uma faixa que vai do litoral Sul gaúcho à fronteira com a Argentina, mostram uma diversidade de crenças e comportamentos que refletem movimentações históricas e características socioeconômicas.
Os autodeclarados gaúchos sem religião são mais numerosos justamente na região: junto com o Chuí, dos 20 municípios com a maior população que informou não seguir nenhuma religião, só dois não pertencem à região Sul do RS. As dez cidades com o maior extrato da categoria são Chuí, Pedro Osório, Cerrito, Arroio Grande, Rio Grande, Capão do Leão, Santa Vitória do Palmar, Pelotas, Jaguarão e São José do Norte, todos concentrados na porção leste do Sul gaúcho. A média da região é de 13,3%. 
O historiador Mauro Dillmann, que leciona no departamento de História da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), avalia, ao menos no caso das fronteiriças Chuí e Santa Vitória no Palmar, que a causa pode estar ligada à proximidade com o Uruguai, que “tem uma laicidade mais forte” e que contribui com esses municípios a partir de uma população binacional, com vínculos familiares e profissionais nos dois países.
O professor também pontua que “o tempo presente, com fluidez nas relações, valorização de uma certa individualidade e liberdade de acreditar em mais de uma fé”, podem contribuir para um aumento gradual dessa população, em todo o Brasil. Ainda assim, o dado pode significar, no contexto cristão, que “a tendência é enxergar (esse dado) como uma região de carência de atendimento pastoral”, afirma o estudioso. Ele adverte, porém, que o rótulo “sem religião” não significa ser “sem crença”. “Isso pode indicar na prática um pertencimento plural, em que a pessoa se identifica com diversos segmentos”, exemplifica.
 
Média de declarações de religião entre 44 municípios na metade Sul do RS, de acordo com os dados do Censo 2022 do IBGE | Arte/JC
Média de declarações de religião entre 44 municípios na metade Sul do RS, de acordo com os dados do Censo 2022 do IBGE Arte/JC
Arroio do Padre é o único município da região entre as dez cidades gaúchas com mais evangélicos. Ao contrário do crescimento de vertentes neopentecostais em outras partes do país, Dillmann atribui os números da cidade à grande presença de descendentes de alemães e pomeranos, cuja principal religião é o protestantismo luterano. Já os católicos apostólicos romanos da metade Sul são mais presentes em Amaral Ferrador, com 84,7% de praticantes. No entanto, no panorama gaúcho, a cidade aparece somente no 126º lugar no estado, e a média da região é de "somente" 49,8% de católicos.
O Chuí, município mais meridional do Brasil, que tem uma população de católicos – de 35,6% - inferior aos sem religião, também tem uma porcentagem de 11,4% que declara crer em “outras religiosidades”. A cidade, assim como outros municípios da metade Sul como Bagé e Santana do Livramento, tem uma amostra expressiva de imigrantes e descendentes de cidadãos de países como Líbano, Síria e Palestina, e que exercem a fé islâmica em solo gaúcho.

Religiões afro-brasileiras e espiritismo

O Sul do RS ainda é espaço para a prática das religiões afro-brasileiras, como a umbanda e o candomblé, trazidos ao Brasil Colônia pelos africanos escravizados; e o espiritismo, surgido na França no século XIX.
No caso da umbanda, o município gaúcho com mais praticantes é Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre, com 9,3% de praticantes. Mas, entre os 10 municípios do RS com a maior proporção de adeptos, metade deles está na metade Sul: Rio Grande, com 9,2%, além de Bagé, Pelotas, Capão do Leão e Piratini. O RS também é o estado com maior população adepta da umbanda e do candomblé no Brasil.
Nesse caso específico, Dillmann não aposta necessariamente em um aumento do volume de praticantes, e sim em uma possível maior autoafirmação dessas crenças. “Historicamente, Pelotas e Rio Grande são espaços de forte vivência da religiosidade afro-brasileira. Mas nos últimos 20 anos, temos tido um movimento político-social bastante forte de valorização da cultura afro-brasileira, e uma popularização das histórias e memórias ligadas a esse universo religioso, e o avanço também nas próprias discussões das relações étnico-raciais”, analisa.
Ponte Barão de Mauá, sobre o Rio Jaguarão, na fronteira entre Brasil e Uruguai | Portal Brasil/Reprodução/JC
Ponte Barão de Mauá, sobre o Rio Jaguarão, na fronteira entre Brasil e Uruguai Portal Brasil/Reprodução/JC
Já os espíritas são mais presentes em Jaguarão, cidade na fronteira com Río Branco, no Uruguai, onde 8,5% da população segue essa crença, a maior porcentagem do RS. Dos 10 municípios gaúchos com mais espíritas, seis estão na metade Sul. Depois de Jaguarão estão Pelotas, Rio Grande, Bagé, Santana do Livramento e Pedro Osório. Em toda o Sul, a média de espíritas é de 3,13%. Considerando somente o Sul do RS, entram na lista das cidades com mais espíritas a porção Oeste da área, com Lavras do Sul, Rosário do Sul, Dom Pedrito, São Gabriel, Alegrete, Caçapava do Sul e São Borja.
Dillmann salienta que também o espiritismo marcou sua presença nesses municípios ainda no século XIX. “O espiritismo sempre foi bastante identificado com uma certa camada da população. A Baronesa Amélia, por exemplo, do Museu da Baronesa de Pelotas, era espírita. Desde quando surgiu o espiritismo, na França, Pelotas absorveu esses ideais e essa filosofia, e os primeiros centros espíritas do Brasil são fundados nesse momento, no final do século XIX”, explica.
Ainda que a expressão de populações de diferentes credos e práticas traga “disputas no campo religioso, nem sempre acompanhado de maior aceitação ou boa convivência”, Dillmann também vê um “forte movimento em prol do diálogo inter-religioso advindo de todos os credos”, que podem consolidar a metade Sul como símbolo da diversidade religiosa no Rio Grande do Sul.

Confira as religiosidades declaradas pelos moradores da Metade Sul do RS

 

Notícias relacionadas