O Rio Grande do Sul é um polo de hubs de inovação, compostos por negócios de diversos mercados. São inúmeras as startups que nascem em diferentes regiões do Estado e conseguem escalar seus negócios através de soluções inovadoras com auxílio de tecnologia e criatividade. No entanto, o Rio Grande do Sul ficou pequeno para algumas dessas iniciativas, que hoje já conquistaram ou estão no processo de conquistar o mercado internacional. Entre tantos cases de sucesso, está a Cowmed, empresa brasileira com tecnologia 100% nacional especializada exclusivamente no monitoramento inteligente de rebanhos leiteiros.
A startup, criada pelos irmãos Leonardo Guedes e Thiago Martins, nasceu em 2010, a partir de um grupo de pesquisa na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A ideia de ingressar no mercado de pecuária veio de encontro à percepção do tamanho do segmento. "Em 2010, não se falava em mercado de precisão. Entramos nessa com o propósito de 'dar voz às vacas', que é isso que fazemos no final do dia. Através do monitoramento, o animal é auditor do seu próprio processo produtivo. Ele quem vai dizer se está bom ou se não está, se está comendo ou não, se está com algum problema de saúde", explica.
A tecnologia da Cowmed é desenvolvida especialmente para atender às necessidades do gado em climas tropicais. Com um banco de dados robusto, a empresa oferece três produtos: o colar de monitoramento do animal, os medidores de temperatura e umidade do ambiente onde a vaca está inserida e um software que realiza a gestão zootécnica da fazenda.
De acordo com o fundador, o negócio funciona como um "plano de saúde para vacas". "Não é voltado a consultas, mas um monitoramento capaz de avisar o produtor antes da vaca ficar doente", explica. Além disso, a marca oferece outras soluções, como reprodução inteligente e alimentação otimizada.
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A redução de prejuízos com o uso da tecnologia tem impacto direto nas fazendas. "Temos uma estimativa média de redução de oito pontos percentuais na taxa de descarte anual de vacas. Uma fazenda que tem, em média,18% de descarte de vacas no ano, no primeiro ano com o monitoramento, a média fica em torno de 8%. Estamos falando de um rebanho de 100 vacas, ou seja, são oito animais que ele está salvando. Cada vaca de leite hoje de alta produção está custando em torno de R$ 15 mil. Multiplica isso por oito." O faturamento da Cowmed é formado pela venda dos colares de monitoramento e dos sensores térmicos, além de uma mensalidade por animal monitorado, que gira em torno de R$ 18,00 por vaca. A empresa conta com uma base de mais de 1,3 mil fazendas e monitora cerca de 400 mil animais. Atuando em todo o território nacional, a Cowmed está presente também em seis países.
O processo de internacionalização começou timidamente, com pedidos do Paraguai e Uruguai. Nos Estados Unidos e no Canadá, a tecnologia da Cowmed é utilizada por universidades para estudos laboratoriais. O mercado mais recente é o México, onde a empresa começou a atuar há cerca de dois meses. "É uma bacia muito grande de produção de leite, com fazendas enormes, de até 20 mil vacas", destaca. De acordo com Leonardo, entrar em novos países apresenta alguns desafios, como a aproximação com profissionais do segmento. "Não vendemos só um produto. O trabalho começa depois da venda. O nosso time técnico e veterinário acompanha a fazenda, analisa os dados e ajuda o produtor a melhorar. É um processo contínuo." Outros obstáculos incluem as barreiras culturais e operacionais. "Tem a questão da língua, da cultura local, de como cada país adota a tecnologia no dia a dia. E isso é mais desafiador do que a burocracia, que um bom escritório resolve", esclarece Leonardo, destacando que os resultados da expansão internacional são expressivos. "O primeiro ganho é a valorização da marca. Deixamos de ser só uma empresa do Brasil para ser uma empresa do mundo. Além disso, começamos a vender em moeda forte e a gerar receita que volta para o País. Desenvolvemos uma tecnologia nacional do zero, com dois estudantes sem recurso algum, e hoje estamos levando isso para fora."
Com sede em Santa Maria, a Cowmed mantém sua estrutura principal no Estado, de onde coordena as operações globais. São 65 colaboradores diretos no Brasil, além de representantes comerciais em outros países. "Sempre pensamos em como deixar um legado, impactar o setor produtivo. Hoje temos o respeito de grandes produtores e pessoas incríveis que se tornaram amigos e parceiros."
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Os próximos mercados no radar são Argentina e Chile. Para empreendedores que sonham em expandir internacionalmente, Leonardo deixa um conselho direto. "A principal dica é foco. Não queira abraçar o mundo de uma vez. Escolha um país, entenda sua cultura. E, acima de tudo, seja resiliente. Não desista nos primeiros tropeços"
Startup gaúcha pretende chegar no mercado asiático
A proposta da startup é conectar empresas e pessoas a projetos ambientais certificados, permitindo a neutralização de emissões de carbono de forma acessível, segura e transparente
Há 19 anos apostando no empreendedorismo, Giuliano Capeletti decidiu investir em um novo negócio enquanto participava de um programa de aceleração para startups no Instituto Caldeira, hub de inovação de Porto Alegre. Nos últimos 12 anos, o empreendedor voltou seus esforços para negócios focados na sustentabilidade e na tecnologia, com foco principal no mercado nacional e chinês. A proximidade com o país asiático possibilitou trocas culturais e técnicas, permitindo que Giuliano acumulasse experiências e construísse relações comerciais que agora se tornam decisivas para o crescimento da sua atual iniciativa, a Mercado Net Zero.
A startup nasceu após uma imersão de Giuliano no mercado de créditos de carbono, setor que ele conheceu a fundo a partir de um questionamento de um cliente da China. "Um dos meus clientes perguntou como era o mercado de carbono no Brasil. Não sabia responder. Comecei a estudar e vi um mundo de oportunidades", conta. A primeira tentativa, com a startup Leaf For All, acabou dando lugar a um novo modelo de negócio, desenvolvido durante um programa do Instituto Caldeira. Foi ali que nasceu a Mercado Net Zero, que completa um ano de operação com uma equipe de seis pessoas e uma carteira de 40 clientes atendidos entre empresas, eventos e fornecedores.
A proposta da startup é conectar empresas e pessoas a projetos ambientais certificados, permitindo a neutralização de emissões de carbono de forma acessível, segura e transparente. A plataforma oferece um marketplace de créditos de carbono e uma solução white label voltada a grandes empresas, que podem disponibilizar créditos para a sua cadeia de fornecedores. "O mercado internacional já funciona como marketplace. Aqui, estamos tentando tornar esse modelo acessível, com governança e gestão de riscos", explica Giuliano.
A startup também desenvolveu uma ferramenta com Inteligência Artificial chamada Netinho, que ajuda micro e pequenas empresas a preencherem seus inventários de emissões com base no GHG Protocol Brasil. O mascote, representado por um dinossauro, já virou parte da rotina de muitos usuários.
Um dos diferenciais da empresa é justamente esse olhar para toda a cadeia de produção, atendendo não apenas grandes corporações, mas também os pequenos fornecedores que, muitas vezes, são pressionados pelas exigências de sustentabilidade dos seus contratantes. "Hoje, o pequeno tem que se adequar, porque o grande está sendo cobrado pelo mercado internacional. Isso está descendo em cascata. E a gente ajuda a dar suporte nessa jornada", explica o CEO.
Essa abordagem inclusiva também tem reflexos na própria estrutura da empresa. Dois dos integrantes da equipe atual são jovens aprendizes vindos de programas de inclusão social apoiados pelo Caldeira e pela Fundação Tênis. A presença deles, segundo Giuliano, foi decisiva para a recente parceria firmada com a escola de inglês IWill, focada no desenvolvimento da equipe. Isso porque a internacionalização da startup já está em curso.
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Graças à sua rede construída ao longo dos anos com parceiros asiáticos e americanos, Giuliano já articula a entrada da Mercado Net Zero nos mercados chinês e norte-americano. Um dos seus principais aliados é um sino-americano, professor e desenvolvedor de tecnologias, que atualmente contribui na construção do site internacional da empresa e deve entrar como sócio-investidor. "Estamos nos preparando para lançar nossa operação internacional até o final do ano. Esse parceiro vai nos ajudar a entrar nesses dois mercados com força", revela o empreendedor.
A internacionalização, no entanto, vem carregada de desafios. Para além das barreiras operacionais, Giuliano aponta que o fator cultural ainda é um obstáculo relevante. "A maior dificuldade é entender a cultura do outro para conseguir se comunicar de forma eficiente e eficaz. Isso vale para empresas também. Têm muito preconceito ainda. Brasileiro, lá fora, muitas vezes, não têm voz. As ideias são descartadas só por virem de um país latino", critica.
Apesar disso, ele enxerga um movimento interessante surgindo: profissionais brasileiros que ganham bem em empresas estrangeiras têm voltado ao mercado nacional em busca de reconhecimento e participação nas decisões. "Já vi gente aceitando ganhar menos aqui para ter mais espaço para opinar. O brasileiro tem esse diferencial, a criatividade. Resolvemos problemas de forma rápida, muitas vezes mais eficiente do que os outros. Mas lá fora isso nem sempre é valorizado."
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Mesmo jovem, a Mercado Net Zero já colhe frutos do seu modelo de negócio. A startup, além de ganhar tração no Brasil, já se posiciona como ponte entre investidores internacionais e projetos ambientais locais. "É quase um sonho se realizando. Conseguir juntar todo o meu conhecimento em um negócio que emprega pessoas, dá oportunidade, e ainda leva soluções ambientais brasileiras para o mundo é uma realização", afirma Giuliano. Para ele, o crédito de carbono não deve ser visto como um fim, mas como um meio de transformar realidades. "Se a gente puder apoiar o meio ambiente com incentivo econômico e ainda captar dinheiro de fora para isso, melhor ainda. É desenvolvimento, é impacto social, é futuro."

