A descentralização de iniciativas voltadas à inovação e ao empreendedorismo está em alta no Rio Grande do Sul. Tecnologia, startups e hubs de negócios pareciam termos de um vocabulário exclusivo dos grandes centros. Empreendedores de outras regiões que quisessem buscar oportunidades e networking precisavam se deslocar até a Capital para atrair investimentos. Agora, os ecossistemas de inovação começam a se espalhar para outros locais, como o Vale do Taquari e as regiões Central e Noroeste.
Em Lajeado, a Clínica Experts, plataforma de gestão de clínicas de saúde e consultórios, recebeu, neste ano, aporte de R$ 5 milhões do fundo Criatec 4, gerido por Crescera e Triaxis. Entre os objetivos para uso do investimento, conforme Tiago Mário, CEO do negócio, está o crescimento do time, que deve passar de 60 para 120 pessoas até o fim de 2026, fomentando mais empregos na cidade do Vale do Taquari.
O negócio surgiu a partir de outra operação comandada por Tiago, o Estética Experts, criado em 2014. "Essa empresa foi muito bem-sucedida durante sete anos. Fizemos programas de treinamento online, presencial em todo Brasil, Estados Unidos, Portugal", conta o empreendedor que, durante essa experiência, percebeu outra demanda de mercado através do contato com os profissionais. "Notamos que o pessoal tinha muita dificuldade de empreender, trazer cliente, ter uma precificação mínima na ponta da caneta, entender o quanto cobrar, desafios normais do empreendedor. Começamos a desenhar o que depois veio a se chamar Clínica Experts", conta sobre o projeto que iniciou o MVP em 2019. "Na pandemia, liberamos esse produto gratuito para todos os alunos. Tivemos mais de 3 mil inscrições em um único dia. E essas pessoas começaram a colaborar com a construção do aplicativo. Por isso que ganhamos uma atração interessante, porque escutamos muito a comunidade", percebe.
Em 2022, Tiago desfez a sociedade com o então sócio, que ficou com a parte educacional do projeto. "Fiquei só com o Clínica Experts. Tinha menos de 1 mil clínicas na época. Começamos uma nova jornada em busca de tracionar o Clínica Experts focando só nele. E aí conseguimos sair de 1 mil para 6 mil clínicas em dois anos e meio. O time saiu de cinco para 60 pessoas, focando exclusivamente em um única solução e entendendo a necessidade do mercado de entregar uma ferramenta que automatize a gestão da clínica e deixe esse profissional tranquilo e seguro para tocar o atendimento e crescer o negócio", explica sobre o negócio, que conta com mais três sócios: Christian Bayer, Fernando Piccinini e João Líbio. Com diferentes planos, a plataforma conta com recursos como agendamentos, gestão financeira, cadastro de pacientes, estoque, relatórios, prontuários online, entre outros.
Operando em Lajeado, Tiago pondera os benefícios e os desafios de comandar uma startup com foco em tecnologia e inovação fora do eixo da Capital. "O maior desafio é desenvolver pessoas, porque, quando estamos em um grande centro, é muito fácil de nos conectarmos com essas pessoas. Com o home office, conseguimos captar talentos do Brasil inteiro, mas, para construir cultura de uma startup que está iniciando, já começar em home office é um grande desafio. Nós, aqui, optamos por fazer presencial. Aí sim sofremos um pouco mais para encontrar talentos. Encontramos, mas não no mesmo número dos grandes centros. Caímos sempre no desafio de desenvolver pessoas. Enxergar, muitas vezes em um jovem, um potencial e desenvolver do ponto de vista técnico para que ela possa galgar espaço junto conosco nessa estrutura que estamos criando", afirma o empreendedor, ressaltando que não são só desafios. "Todo o resto é bastante equalizado, porque com a internet e todas as ferramentas, temos o mesmo nível de informação de estar em uma capital e jogar um jogo muito parecido, com os benefícios de estar no Interior, que é uma vida mais calma, tranquila, mais segurança, relações mais próximas. Não são só desafios, tem os prós também."
Recentemente, a startup recebeu aporte de R$ 5 milhões, montante que deve movimentar ainda mais ecossistema inovador da cidade. "Temos três pilares bastante claros que vamos tocar. O primeiro deles é continuar na evolução de produto, temos muita coisa de IA e de pagamentos para tocar. Segundo ponto, estamos organizando a casa, então tem muito processo que a gente precisa resolver, contratações, que já leva para o terceiro pilar, que é o crescimento do time. Estamos pegando um novo espaço, queremos sair de 60 para 120 pessoas em 2026", revela o CEO.
Outro plano para o próximo ano é a expansão internacional da Clínica Experts. "Temos planos para iniciar no segundo semestre de 2026, começando pela América Latina. Vemos um potencial grande nos nossos países vizinhos, como Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia, Colômbia. Segunda fase, provavelmente, vai ser América do Norte e a terceira, Europa, Ásia e adjacências", projeta Tiago, que compartilha dicas para quem está iniciando um projeto inovador no interior do Estado. "Uma dica para quem está começando em uma cidade pequena igual a gente é internalize e tenha clareza que você vai precisar desenvolver talentos. Esse é o contra, mas também o pró de trabalhar no Interior, porque vamos levar mais tempo para desenvolver uma coisa, mas vamos criar talentos que tenham a nossa cultura, os valores do negócio e ter uma entrega que não seja só baseada em números de salário e benefícios, mas uma pessoa que esteja realmente engajada com o projeto", acredita.
Distrito de inovação de Santa Maria reúne três parques tecnológicos
Conhecida por atrair jovens em busca de ensino superior, o município vem se destacando também por sua vocação para a inovação
Localizada na Região Central do Estado, Santa Maria é uma cidade universitária com cerca de 300 mil habitantes. Conhecida por atrair jovens em busca de ensino superior, o município vem se destacando também por sua vocação para a inovação. Há quase 30 anos, Santa Maria vem operando um ecossistema colaborativo voltado ao desenvolvimento tecnológico e empreendedor. Em 2024, esse esforço conjunto foi reconhecido nacionalmente em um concurso realizado em Petrolina (PE), o município foi eleito o ecossistema de inovação mais maduro do Brasil.
"Nosso ecossistema foi identificado pelo Sebrae nacional como o mais robusto, mais estruturado. Este é o resultado de um trabalho em conjunto de muitos atores, CPFs, CNPJs e instituições que trabalham juntos", afirma Ronie Gabbi, secretário de desenvolvimento econômico e inovação de Santa Maria.
A cidade conta atualmente com três parques tecnológicos, sendo dois vinculados às universidades locais, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Universidade Franciscana, e um terceiro fruto de uma associação entre a prefeitura, instituições de ensino e entidades privadas. "Esses parques já construíram mais de 120 CNPJs de vários eixos dentro da indústria tecnológica", destaca Ronie.
No centro dessa rede está o Inova Centro, estrutura que fortalece a articulação entre governo, academia, empresas e sociedade civil organizada. Cerca de 81 startups estão integradas ao ecossistema, atuando em setores como alimentação, saúde, educação, agronegócio, energia, games e fintechs. "É um suporte que vai da maturação desses negócios até deixá-los preparados para o mercado", explica o secretário. "Nesse ecossistema, quatro hélices funcionam, são elas universidades, governo, capital privado e sociedade."
Além da estrutura técnica, Santa Maria investe em cultura empreendedora por meio de eventos e formações. Um exemplo disso é o Santa Summit, evento anual que promove a conexão entre os municípios da região central do Estado. A próxima edição ocorrerá nos dias 25 e 26 de setembro. Em sua última realização, o Santa Summit contou com mais de 100 palestrantes e organizou o Fórum da Reconstrução, em resposta às enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul.
Outro pilar do ecossistema é a economia criativa. Santa Maria desenvolveu um trabalho identitário que mapeou elementos da cidade como bioma, gastronomia, religiosidade e cultura, resultando em uma iconografia local. "Esse trabalho entregou uma paleta de cores e opções para a indústria criativa. Uma marca criou semijoias inspiradas nos vitrais da catedral, outra desenvolveu uma coleção têxtil baseada na arquitetura da Vila Belga", exemplifica Ronie.
Entre os espaços que fomentam a educação empreendedora está o Centro Municipal de Inovação e Empreendedorismo Criativo EduTech, localizado no Mercado da Vila Belga. O espaço promove oficinas, eventos e formações voltadas a professores e alunos da rede pública, aliando tecnologia, inovação e pedagogia. No mesmo local, funciona o LabCriativo, com cursos gratuitos sobre empreendedorismo, criatividade, marketing e gestão, em parceria com o Sebrae.
O secretário aponta que Santa Maria vive o desafio de lidar com uma população flutuante, composta por cerca de 45 mil pessoas ao ano, formada por estudantes e militares. "Santa Maria preparava gente, mas esse povo ia embora. Então começamos a estudar formas de reter essas pessoas, entender a classe criativa, que é inquieta, criativa e provocada pelo ambiente de ensino que vive ali."
A cidade, segundo Ronie, precisa entender que não tem estrutura para atrair grandes indústrias, mas tem potencial para formar milhares de pequenos negócios. "É muito mais fácil impactar a economia com muitos CNPJs do que com uma grande empresa. E, para isso, precisamos adaptar nossa cultura empresarial à lógica da criatividade."
O secretário explica que esse movimento envolve quebrar paradigmas. De acordo com ele, a classe criativa não se prende a altos salários se o ambiente de trabalho for hostil. "Ela precisa se sentir bem. Se não se sentir, vai embora, mesmo ganhando bem", afirma ele, enfatizando que empresas locais precisam repensar seus métodos e horários de trabalho, olhando para a valorização da qualidade de vida, clima organizacional e liberdade criativa.
Para ajudar nesse processo de transição cultural, o município implementou o programa Cidade Empreendedora, com diversos eixos de atuação, como valorização das empresas locais e qualificação empresarial. A iniciativa busca sensibilizar os empreendedores sobre a importância de adaptar suas práticas a uma nova geração de profissionais criativos.
Com uma população economicamente ativa de cerca de 150 mil pessoas e uma massa flutuante que representa quase 40% desse total, Santa Maria trabalha para oferecer um ambiente acolhedor e atrativo para quem deseja empreender e viver na cidade. "Temos que cuidar de tudo isso para que esse povo realmente queira ficar aqui. Porque ele só vai ficar se gostar. Se não, ele vai embora."
Hub dedicado ao agro inicia em Santa Rosa
O Semear Agro Hub iniciou de um anseio da prefeitura de Santa Rosa, que visava ter um núcleo de inovação por conta da grande quantidade de empresas voltadas à produção agrícola existentes na região Noroeste. O município é considerado, por lei federal, como o berço da soja no Brasil.
A importância econômica do agro para a região não se dá apenas pelo plantio, mas também pelas indústrias de produtos desenvolvidos para a atividade agrícola. De acordo com o diretor do Semear Agro Hub, Cléber Graef, cerca de 60% dos grãos colhidos no Brasil passam por algum implemento, colheitadeira ou equipamento, produzido em Santa Rosa e cidades próximas.
Para tirar o projeto do papel, a prefeitura firmou uma parceria com o Tecnopuc."Assinamos um contrato de prospecção e desenvolvimento do hub com a nossa mentoria, nosso suporte e metodologia no desenvolvimento de startups", conta o head do setor agro da instituição, Luís Humberto Villwock. O lançamento oficial do Semear aconteceu em junho deste ano. A operação do Agro Hub é feita dentro do campus de Santa Rosa da faculdade Unijuí. "A ideia é termos mais espaço para que empresas possam se instalar, com espaços para coworking e eventos", diz Cléber.
Luís, por conta da expertise do Tecnopuc, ressalta a importância de ambientes que proporcionam encontros. "É onde se gera esse caldo de cultura. Isso é essencial para o surgimento de novas iniciativas. As conexões não acontecem de forma acelerada sem que haja um elemento indutor. O hub faz esse papel. Ele provoca a reunião das duas pontas e promove parcerias que talvez não fossem feitas", destaca.
A guinada desse tipo de iniciativa ao interior do Estado representa uma mudança de paradigma na relação entre as entidades. "Passamos a enxergar as outras regiões não só como parceiras para vendas de equipamentos, mas também na busca e implementação de soluções", observa Cléber. "Quanto mais nossa parceria com Santa Rosa der certo, mais portas abriremos para dialogar com outras regiões", complementa Luís.
A busca do Tecnopuc por locais estratégicos e fora dos grandes centros não acaba no Semear Agro Hub. "Estamos permanentemente procurando locais que já tenham um nível de desenvolvimento em determinado mercado. Pegamos o que é característico numa região e observamos se é compatível com aquilo que podemos contribuir. É uma relação ganha-ganha", reflete Luís. "O caso de Santa Rosa para nós é muito estratégico. Ele precisa e vai dar certo. Não temos prazo de encerramento para esta relação", garante.

