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Publicada em 07 de Outubro de 2024 às 01:25

Nas obras criativas de Milene Gensas, a imaginação é uma forma de resposta

Mliene Gensas une memórias reais de família com imagens criadas por Inteligência Artificial para criar realidades paralelas na exposição Lacunas Ancestrais, na Galeria Gravura

Mliene Gensas une memórias reais de família com imagens criadas por Inteligência Artificial para criar realidades paralelas na exposição Lacunas Ancestrais, na Galeria Gravura

/THAYNÁ WEISSBACH/JC
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Maria Eduarda Zucatti
Maria Eduarda Zucatti Repórter
Relembrar e investigar o passado pode ser uma tarefa difícil, tanto em relação ao emocional quanto à real dificuldade de encontrar números de telefone, nomes e endereços dos parentes distantes. A artista visual Milene Gensas vivencia esses obstáculos durante sua investigação e procura por familiares que não migraram da Polônia nos anos 1930 como seu avô materno, que fez morada em Porto Alegre. É nessas horas que a imaginação toma conta do pensamento da artista, fotógrafa e arquiteta, que usa a tecnologia como alternativa para criar a realidade desconhecida sobre seus antepassados.
Relembrar e investigar o passado pode ser uma tarefa difícil, tanto em relação ao emocional quanto à real dificuldade de encontrar números de telefone, nomes e endereços dos parentes distantes. A artista visual Milene Gensas vivencia esses obstáculos durante sua investigação e procura por familiares que não migraram da Polônia nos anos 1930 como seu avô materno, que fez morada em Porto Alegre. É nessas horas que a imaginação toma conta do pensamento da artista, fotógrafa e arquiteta, que usa a tecnologia como alternativa para criar a realidade desconhecida sobre seus antepassados.
Essa união de imaginação e catalogação já está disponível na Sala Branca da Gravura Galeria (rua Corte Real, 647), com visitação aberta até o dia 1º de novembro, de segundas a sextas-feiras, das 9h30min às 18h30min, e aos sábados, das 9h30min às 13h30min, de forma gratuita. A exposição que tem curadoria de Maria Helena Bernardes foi batizada como Lacunas Ancestrais. Nela, o visitante encontrará fotos da família de Milene, imagens criadas por Inteligência Artificial, objetos e lembranças de uma história em que o fim ainda é desconhecido.
A pesquisa pela história daqueles que viveram antes de sua geração se deu por conta das redes sociais, a partir da busca pelo sobrenome em comum. Entre as diversas tentativas de contato, a arquiteta reuniu fotos, documentos e cartas guardadas por sua família e iniciou sua investigação sobre os irmãos de Aron, o avô materno que migrou sozinho para o Brasil e deixou seus pais, irmãos e amigos em uma Polônia prestes a ser invadida pelas forças alemãs.
"No início do século XX, após a vinda do meu avô para o Brasil, a comunicação entre ele e parte de sua família que permaneceu lá foi tornando-se cada vez mais difícil até que, em dado momento, durante a Segunda Guerra, cessou, e os familiares que permaneceram na Polônia ficaram inacessíveis, sem deixar rastros dos seus destinos".
Nas paredes da Galeria, os diversos materiais e métodos de observação se mesclam à real história, seja pela grande carta impressa em tecido, o áudio feito por Milena contextualizando a história de sua família, o texto de abertura da exposição, as fotos ou a mala que seu avô trouxe com seus pertences. A imaginação se une à realidade e torna tudo ainda mais rico dentro da mente do visitante, que procura desvendar o mistério e encontrar a resposta do que aconteceu com os familiares de Milene.
A curiosidade que é construída a cada imagem vista pelo visitante permeia a mente da artista há muitos anos. "Sempre que eu vou em algum museu relacionado ao holocausto eu procuro o nome deles, para ver se eu acho alguma prova de que eles viveram ou que morreram. Mas não tem. É como se as pessoas não tivessem existido". Com essa falta de dados, não é incomum fantasiar sobre o que poderia ter acontecido. "Será mesmo que elas não estão vivas?".
Foi pensando nessa falsa esperança que Milene, através do uso de IA e programas de edição, cria uma realidade paralela onde seu avô nunca deixou o país de origem e cresceu ao lado de sua família, ou até mesmo uma outra em que a realidade e a ficção se mesclam entre fotografias, relatos e indagações. As lacunas aos poucos se preenchem por histórias, mesmo que não correspondam ao que realmente aconteceu na década de 1930. Porém, isso pode estar perto de mudar.
Em uma visita à casa de sua avó Milka, Milene conta que encontrou um bolo de cartas trocadas entre seu avô e familiares que viviam na Polônia. Ao traduzir algumas delas, descobriu que Aron embarcou no navio Neptúnia, que saiu do porto de Trieste no dia 20 de fevereiro de 1937 com o Brasil como destino final, dormindo na cabine 524, leito A. Ela também descobre que seu irmão lhe presenteou com uma mala, a exposta na galeria, guardada com tanto carinho pelo avô. A fotógrafa conta que preferiu deixar essa incógnita criar morada em sua cabeça por enquanto, mantendo a verdade escondida sob as dobras dos papéis. "Muito mais do que descobrir o que realmente aconteceu com eles, o que eu quero é que a história, seus nomes e rostos não se apaguem".
Sua intenção com os visitantes é de "dar voz a todos os imigrantes, que por alguma maneira tiveram de sair de suas casas, abandonar suas vidas. E não só imigrantes, mas qualquer pessoa que abandonou sua antiga vida por algum motivo". O momento, por mais triste que pareça ao imaginar os piores cenários, para a artista, é de celebração. "A hora é de agradecer e celebrar a vida, pois se a história não tivesse sido assim eu nem estaria aqui para mostrá-la."
 

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