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Bruna Suptitz

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Publicada em 26 de Março de 2024 às 21:23

TCE analisa estímulos à construção no 4º Distrito e no Centro de Porto Alegre

Solo Criado pode não ser cobrado de projetos que atendam requisitos

Solo Criado pode não ser cobrado de projetos que atendam requisitos

JOYCE ROCHA/arquivo/JC
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Em vigor há dois anos, as leis que criam um Plano Diretor específico para o Centro e para o 4º Distrito, em Porto Alegre, são objeto de auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS). O processo tramita desde novembro de 2022 e está na pauta da sessão da Segunda Câmara da Corte desta quarta-feira, 27 de março.
Em vigor há dois anos, as leis que criam um Plano Diretor específico para o Centro e para o 4º Distrito, em Porto Alegre, são objeto de auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS). O processo tramita desde novembro de 2022 e está na pauta da sessão da Segunda Câmara da Corte desta quarta-feira, 27 de março.
Auditores do TCE apontam que as duas leis criam "incentivos alheios ao Estatuto da Cidade" e ao Plano Diretor da Capital, "com potencial dano ao erário e à coletividade". Sustentam, ainda, que os programas "apresentam uma série de irregularidades".
A prefeitura, por sua vez, argumenta que não cabe ao Tribunal de Contas essa análise e reafirma a legalidade das leis. As informações constam nos documentos públicos do processo.
Tratadas pelo prefeito Sebastião Melo (MDB) como "planos diretores específicos" para essas partes da cidade, a Lei nº 930/2021, do Centro, e a Lei nº 960/2022, do 4º Distrito, foram enquadradas como projetos para áreas especiais de interesse da cidade, instrumento previsto no Plano Diretor.
As duas leis criam programas que garantem incentivos urbanísticos para novos investimentos imobiliários nessas regiões. Pensando em atrair a construção civil, estão previstos descontos e até mesmo a isenção total de pagamento pela aquisição de índices construtivos por meio de Solo Criado.
Por exemplo, a área de um prédio poderá passar do previsto pela regra geral da cidade sem que o empreendedor tenha que pagar pelos metros quadrados adicionais - o Solo Criado -, desde que atenda a critérios pré-estabelecidos.
No documento em que presta esclarecimentos, a prefeitura justifica que, apesar de terem a mesma base normativa no Plano Diretor, as leis "têm instrumentos, vocações e finalidades bastante diferentes". O único ponto em comum seria "o desconto ou a isenção do pagamento da outorga onerosa do direito de construir até o coeficiente de aproveitamento máximo".
Sobre isso, a prefeitura alega que o pagamento da outorga onerosa "nunca foi aplicado por este Município por falta de regulamentação".
No entanto, outorga onerosa é um instrumento urbanístico previsto no Estatuto da Cidade, de 2001, que em Porto Alegre seguiu sendo tratado pelo nome de Solo Criado, que já se usava desde 1994. A própria lei referente ao Centro aponta essa equivalência no artigo 25. Na prática, portanto, trata-se de um instrumento que é aplicado na Capital há três décadas e é de conhecimento do setor da construção civil.
A previsão de não arrecadar com a venda de Solo Criado ao mesmo tempo que capta recursos internacionais para investir em obras de infraestrutura na região (junto ao Banco Mundial e à Agência Francesa de Desenvolvimento) é um dos pontos questionados pela equipe de auditoria do TCE.
O processo aponta que, apesar da previsão de entrada de recurso, "a possibilidade de isenção total destas compras, no entanto, inviabiliza esta estimativa de arrecadação". Com isso, "os recursos arrecadados poderão ser insuficientes para remunerar os financiamentos" e "as futuras gestões municipais dependerão de outras fontes para adimplir as dívidas contraídas".
O Ministério Público de Contas ratifica as informações da auditoria e aponta "a necessidade de estimativa de impacto orçamentário-financeiro para todo projeto de lei que crie ou altere despesas obrigatórias".
No caso da nova normativa para o 4º Distrito, também está prevista a concessão de incentivos tributários, como isenção de ITBI na compra e venda de imóveis antigos e de IPTU para imóveis novos ou protegidos pelo patrimônio.
A tramitação das propostas aconteceu durante o período da pandemia de Covid-19, entre 2021 e 2022, quando o andamento da revisão do Plano Diretor de Porto Alegre estava suspenso devido à impossibilidade de serem realizadas atividades participativas. Mas, antes dos projetos do Centro e do 4º Distrito passarem pelo Legislativo, foram realizadas audiências públicas em formato online.
Apesar da argumentação apresentada pela equipe técnica do TCE, a tutela de urgência (antecipação do resultado) pleiteada pelos auditores não foi concedida pelo relator do caso, conselheiro Edson Brum. O pedido era para determinar ao governo municipal não aprovar novos projetos construtivos ou suspender aprovações no âmbito das duas leis.
Além de Brum, integram a Segunda Câmara Alexandre Postal e Iradir Pietroski. Estará em análise pelos conselheiros nesta quarta-feira o pedido da auditoria para que se determine ao poder público que "observe os quesitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico (...) quando da elaboração de futuros programas de regeneração urbana que instituam incentivos tributários e urbanísticos".
Como não compete ao TCE apontar a inconstitucionalidade de uma norma legal, os auditores sugerem que a Corte determine "a negativa de executoriedade" das leis, além de sugerir que o Ministério Público Estadual seja informado do caso por ser "órgão competente para o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade".

Cais Mauá

A lei com regras urbanísticas específicas para o Centro de Porto Alegre é a mesma que autoriza construções para uso residencial no Cais Mauá, no setor das Docas, que fica entre o terminal do Catamarã e o limite com o Cais Navegantes, na altura da rodoviária. Na parte dos Armazéns e no terreno próximo da Usina do Gasômetro não é previsto uso residencial das construções.

Solo Criado

Solo Criado ou outorga onerosa do direito de construir é o nome dado à compra de índices construtivos para alcançar a área máxima, em metros quadrados, que pode ser edificada em um terreno. O quanto pode ser construído é determinado pelo potencial construtivo, que varia entre o básico e o máximo definido pelo Plano Diretor. Em Porto Alegre, vai de uma vez a três vezes a área do terreno.

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