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Publicada em 13 de Julho de 2025 às 16:00

Centro Histórico de Porto Alegre reage e busca novos caminhos

Nova jornada do consumidor desafia o comércio do Centro da Capital

Nova jornada do consumidor desafia o comércio do Centro da Capital

TÂNIA MEINERZ/JC
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Carmen Carlet
Especial para o JC*
Especial para o JC*
O comércio do Centro Histórico (CH) de Porto Alegre vem sofrendo mudanças significativas. Se a pandemia impactou com o fechamento de muitos pontos comerciais, a enchente de 2024 foi o revés que faltava, pois aconteceu justamente quando os empreendedores estavam começando a se recuperar. As ruas de comércio temático, como de livros, produtos de beleza, artesanato, entre outras, ainda tentam manter-se fortes. No entanto, a chamada mudança na "jornada do consumidor" com os clientes utilizando ferramentas digitais para suas escolhas antes da compra foi decisiva para a redução do movimento na região. Mesmo assim, ainda há resistência. O comércio popular, por exemplo, mantém-se forte.
 

Ruas tradicionais do Centro Histórico, como a Riachuelo, enfrentam desafios, mas seguem firmes com o apoio de empreendedores, entidades e consumidores

Ruas tradicionais do Centro Histórico, como a Riachuelo, enfrentam desafios, mas seguem firmes com o apoio de empreendedores, entidades e consumidores

TÂNIA MEINERZ/JC
O Centro Histórico de Porto Alegre já foi endereço certo para quem desejasse comprar um determinado tipo de produto, tendo a possibilidade de escolher, comparar e negociar. Até um tempo atrás - antes da pandemia - era bem possível, por exemplo, se perder entre livros, folhear, trocar impressões ou até mesmo, receber uma boa indicação de leitura. Bastava subir a General Câmara e percorrer parte da rua Riachuelo. Se o interesse fosse escolher um esmalte com aquela cor específica, era só atravessar a avenida Borges de Medeiros e seguir pela mesma Riachuelo que certamente iria encontrar em alguma loja da rua da beleza.
Comprar uma roupinha fashion com preços bem acessíveis? O caminho a percorrer seria descer até a Voluntários da Pátria para encontrar as novidades nas lojas do comércio popular. Essas são algumas das ruas de comércio temático do Centro Histórico, onde os porto-alegrenses encontravam - e ainda podem encontrar, embora com menores possibilidades - opções de um mesmo artigo.
Fortes antes do advento da pandemia e começando a se reestruturar no pós, o comércio da região central da Capital gaúcha sofreu um novo revés com a enchente de 2024. Mas, não só as águas contribuíram para o percalço. O avanço do e-commerce e a falta de sensação de segurança na região também favoreceram a queda do brilho comercial. Hoje, ao andar por essas ruas, onde antes tinha uma loja, se vê uma porta fechada com placa de aluga-se ou vende-se.
Carlos Klein, vice-presidente administrativo e financeiro da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDLPOA), confirma que são vários os fatores que influenciaram na queda do movimento e a consequente desvalorização das ruas comerciais do Centro Histórico. "A consolidação dos shoppings, o comércio eletrônico, a pandemia e as enchentes são alguns dos motivos que descentralizaram as opções de compras dos consumidores", explica.
Porém, segundo ele, o que impactou de forma significativa foi a mudança na chamada "jornada do consumidor", o ciclo de informações que o cliente utiliza para encontrar os produtos e serviços que demandam.
"Ao invés de se deslocar até os centros comerciais como era feito até cerca de 15 a 20 anos atrás, os consumidores agora utilizam ferramentas digitais para apoiar na decisão da melhor compra disponível, levando em consideração a comodidade de entrega e/ou deslocamento até o estabelecimento que oferece a melhor opção", complementa o dirigente.
Com isso, muitos consumidores passaram a encontrar produtos e serviços nos seus bairros, regiões e até cidades, não sendo mais necessário o deslocamento até o CH de Porto Alegre, que, por muitos anos, foi o centro comercial, não só da Capital, mas também da região metropolitana e de diversas cidades do interior. "Na época dos cheques, era comum receber essa forma de pagamento e identificar consumidores de Caxias do Sul, Pelotas, Santa Maria, Passo Fundo", complementa.
Embora sofrendo todas as adversidades, o comércio de rua ainda é fundamental para o setor. De acordo com dados estimados pela CDLPOA - não oficiais - cerca de 70% dos estabelecimentos comerciais estão nas ruas. "Ele exalta as cidades, gerando movimento nos principais bairros. Além disso, normalmente, está próximo do consumidor, valorizando a fidelização, a sustentabilidade e a descentralização logística. Muitas dessas empresas são formadas por micro e pequenos empreendedores, grandes geradores de emprego e renda", avalia Klein, lembrando que outro fator importante é que lojas abertas e movimento nas calçadas ajudam a manter as ruas da cidade vivas e seguras. 
Segurança na região é um fator que demanda preocupação por parte de clientes e lojistas. A pauta, inclusive, foi abordada durante evento recente promovido pelo Plaza São Rafael Hotel, em seu projeto Hub Talks. De acordo com o tenente-coronel Hermes Völker, comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM) e um dos palestrantes, as estratégias de segurança, por parte da Brigada Militar, para o Centro Histórico de Porto Alegre estão inseridas no contexto do programa RS Seguro, "uma iniciativa do governo estadual que tem como foco a integração entre forças de segurança, inteligência policial e ações sociais".
Völker explica que a corporação está focada na redução de quatro principais indicadores criminais: homicídios, roubos a pedestres, veículos e estabelecimentos comerciais. Através de ações integradas com os outros órgãos do Sistema de Segurança Pública e órgãos municipais, a BM também está buscando o enfrentamento ativo aos furtos de fios e cabos e arrombamentos, os quais, embora sem o mesmo potencial ofensivo, contribuem para sensação de insegurança local.
"Com a utilização de viaturas e policiamento a pé em pontos vitais do Centro Histórico, objetivamos gradativamente reduzir a incidência dos principais grupos criminais e entregar à comunidade a segurança para percorrer as ruas do bairro com tranquilidade, bem como ao comércio e empresários para que possam desenvolver e empreender seus negócios", garante o coronel.
 

Programa Centro + deve receber investimentos de R$ 400 milhões

Obras no quadrilátero central estão entre as prioridades da prefeitura para requalificação de equipamentos públicos

Obras no quadrilátero central estão entre as prioridades da prefeitura para requalificação de equipamentos públicos

TÂNIA MEINERZ/JC
O secretário de Planejamento e Assuntos Estratégicos de Porto Alegre, Cezar Schirmer, afirma que o comércio temático é uma das marcas mais expressivas da identidade urbana de Porto Alegre. Para Schirmer, ruas como a Senhor dos Passos, Riachuelo, General Câmara e Coronel Vicente - famosas pela tradição em ramos como bijuterias, cosméticos, livros e eletrônicos - contam a história da cidade por meio das vitrines, dos ofícios e das relações que se constroem no cotidiano entre lojistas e clientes. "Valorizar essas ruas é reconhecer a força viva de um Centro que sempre foi o núcleo econômico, cultural e simbólico da Capital.

Investimento visa revitalizar ruas temáticas e fortalecer o comércio local., pontua Schirmer | Clara Angeleas/Divulgação/JC
Investimento visa revitalizar ruas temáticas e fortalecer o comércio local., pontua Schirmer Clara Angeleas/Divulgação/JC

Restabelecer o protagonismo comercial do Centro Histórico não é apenas uma meta administrativa. Para o secretário, é uma missão de cidade. Schirmer observa que após a maior enchente da nossa história, sabe-se que a reconstrução necessita de profundidade e estratégia. "É preciso qualificar os espaços públicos, apoiar comerciantes, atrair investimentos, diversificar a oferta e garantir segurança".
Essas ações fazem parte do Programa Centro, que centraliza os esforços da Prefeitura e será o catalizador da requalificação urbana do bairro. "Esse programa teve início na primeira gestão do prefeito Sebastião Melo, com iniciativas para oferecer diretrizes urbanísticas que favorecem a melhor ocupação dos espaços urbanos, além de um conjunto de estímulos tributários específicos para atividades ligadas à economia criativa", relata o secretário.
Em paralelo, o executivo trabalhou a requalificação de equipamentos públicos, como o Mercado Público, o Viaduto Otávio Rocha, a Usina do Gasômetro, o Quadrilátero Central, o Muro da Mauá e diversas fontes e chafarizes históricos. Neste ano, inicia uma nova etapa com a ampliação de incentivos e a largada a investimentos que chegarão à casa de R$ 400 milhões, oriundos de financiamento junto ao Banco Mundial e à Agência Francesa de Desenvolvimento. "Mais do que um conjunto de intervenções físicas, o Centro se fundamenta em uma análise rigorosa do cenário atual", destaca, ao acrescentar que com essa base será promovido um processo de reconversão econômica, com foco na regeneração verde, resiliente e inclusiva.
"Isso significa investir em infraestrutura, mobilidade, patrimônio e espaços de uso coletivo, mas também em ações que devolvam vitalidade e oportunidades à região, especialmente para os pequenos negócios e para a população mais vulnerável". O Secretário, no entanto, não ignora os desafios contemporâneos para que o comércio de rua e, no caso, o temático, também prospere. Para ele, o avanço do e-commerce, as mudanças nos hábitos de consumo e as novas dinâmicas urbanas exigem uma leitura atualizada do território. "A diminuição da especialização comercial por ruas é, em parte, reflexo dessas transformações. Por isso, é fundamental rever o que ocasiona esse esvaziamento, mas sem perder de vista a importância de resgatar aquilo que ainda pode ser revitalizado", enfatiza ao destacar que a tarefa do poder executivo é equilibrar memória e futuro — respeitando as novas realidades, mas com coragem para reconstruir o que Porto Alegre tem de mais autêntico.
Carlos Klein ressalta que valorizar o Centro Histórico é de interesse da CDLPOA, assim como de todas as entidades empresariais. "A região é uma das únicas do Estado que conta com um modal logístico completo, reforçando suas potencialidades: os ônibus de todos os bairros chegam até o CH, Trensurb, ônibus da região metropolitana, Catamarã, e até o Aeroporto (através do trem) estão ligados ao CH. Pensar o futuro dessa região fundamental para o desenvolvimento econômico da Capital e do Estado é obrigação da sociedade civil organizada, e a CDLPOA quer, e vai, fazer parte disso", enfatiza.

Carlos Klein ressalta que valorizar o Centro Histórico é de interesse da CDLPOA | Ascom CDL/Divulgação/JC
Carlos Klein ressalta que valorizar o Centro Histórico é de interesse da CDLPOA Ascom CDL/Divulgação/JC

Suzana Vellinho Englert, presidente da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), afirma que a entidade vê com entusiasmo e senso de responsabilidade o movimento para revitalizar o Centro Histórico. Trata-se de uma região simbólica para a cidade, berço de importantes transformações econômicas, sociais e culturais.
"A ACPA acredita que o resgate do protagonismo do Centro não é apenas uma questão de preservação do passado, mas também uma estratégia fundamental para o desenvolvimento sustentável e inovador da Capital", analisa Suzana, ao destacar que a Associação Comercial uniu-se a entidades empresariais para pensar e encontrar caminhos para desenvolver o Centro Histórico e a cidade como um todo, embora compreenda a gravidade do impacto causado pelas enchentes, especialmente no Centro Histórico, que já vinha enfrentando desafios estruturais e econômicos.
"É fundamental implementar políticas de recuperação econômica, como incentivos fiscais, linhas de crédito facilitadas e apoio técnico aos empreendedores atingidos. Além disso, é necessário investir em infraestrutura de prevenção, revitalização urbana e segurança para restaurar a confiança dos comerciantes e consumidores".

Para Suzana, o comércio de rua é essencial para a vitalidade econômica e social das cidades | Ascom ACPOA/Divulgação/JC
Para Suzana, o comércio de rua é essencial para a vitalidade econômica e social das cidades Ascom ACPOA/Divulgação/JC

O comércio de rua, na opinião da dirigente, é essencial para a vitalidade econômica e social das cidades. "Ele gera empregos, movimenta a economia local e promove a ocupação dos espaços públicos", analisa ao destacar que para o setor empresarial, representa uma porta de entrada para novos empreendedores, além de ser um canal direto com o consumidor, fortalecendo o relacionamento e impulsionando a diversidade da atividade comercial.
Para ela, o comércio de rua, muitas vezes, oferece uma experiência de compra mais pessoal e única. A presença de muitas pessoas cria um ambiente vibrante e atrativo, incentivando os consumidores a explorar e comprar. "Com mais pessoas circulando, há espaço para uma maior diversidade de negócios e uma concorrência saudável. Isso pode levar a uma variedade maior de produtos e serviços disponíveis para os consumidores", finaliza.
 

Presença digital garante a sobrevivência das livrarias

Almansa lembra que o público da Martins Livreiro era bem variado

Almansa lembra que o público da Martins Livreiro era bem variado

Carmen Carlet/Especial/JC

Perez comercializa livros novos e usados na Estação Cultura | Carmen Carlet/Especial/JC
Perez comercializa livros novos e usados na Estação Cultura Carmen Carlet/Especial/JC
Parte da Riachuelo - entre Borges de Medeiros e General Câmara - já foi o paraíso para quem queria garimpar um bom livro. Com número de livrarias reduzido, sem, no entanto, diminuir a variedade de títulos e qualidade das obras, alguns livreiros permanecem ativos e garantem a resistência cultural.

Com 71 anos de mercado, a Martins Livreiros perdura mais forte do que nunca. Em 720 m² distribuídos em três andares, a livraria tem acervo estimado em 540 mil volumes, sendo um exemplar do Corpus Juris Civillli, de 1772, o título mais raro da coleção. Ivo Almansa, proprietário desde 1980, conta que precisou se adaptar aos novos tempos. De acordo com o empreendedor, o e-commerce, atualmente, responde por 60% de suas vendas, das quais 90% através do site Estante Virtual - maior marketplace de livros no Brasil.
Almansa observou, ao longo dos anos, a redução do público que frequenta a livraria, embora ainda conte com clientes fieis que visitam o local em busca de seus títulos preferidos. "Antigamente o público era bem variado, desde o mais humilde até o desembargador que vinha em busca de livros jurídicos", relembra o livreiro ao acrescentar que hoje os alunos do ensino fundamental, por exemplo, ao receberem a listagem de livros para o ano letivo, chegam na livraria e perguntam qual é o mais fino para ler.
Sebo Café Riachuelo é outra opção para uma boa aquisição de livros. Leona Nunes que criou a loja em 2014 conta que tem, na atualidade, em suas prateleiras cerca de 120 mil títulos, incluindo os da filial localizada na rua dos Andradas.

Leona criou o Sebo Café Riachuelo em 2014 e hoje conta com 120 mil títulos | Carmen Carlet/Especial/JC
Leona criou o Sebo Café Riachuelo em 2014 e hoje conta com 120 mil títulos Carmen Carlet/Especial/JC

Com 70% das vendas oriundas do e-commerce, a Sebo amarga a queda dos clientes presenciais, minimizada com a participação em feiras, como a de Joinville que aconteceu no início de junho. "As feiras oferecem naquele momento em que o livreiro estreita o contato direto com o leitor, que prefere cada vez mais a compra por intermédio virtual", comenta a empreendedora.
A enchente de 2024 foi significativa para a empresa, pois a loja situada ao lado da Casa de Cultura Mário Quintana foi afetada diretamente pelas águas que inundaram o CH e a da Riachuelo ficou fechada por dois meses e meio por conta da falta de luz na região. "Mas, estamos voltando aos poucos", afirma Leona. 
A General Câmara também tem seu quinhão de livrarias. São quatro lojas diferentes, onde o leitor pode folhear e comprar seu exemplar. Abel Perez, proprietário da Estação Cultura, comercializa livros novos e usados com ênfase para os espiritualistas e esotéricos.
Com sete mil títulos, Perez conta que os clientes ainda vão à loja física. Tanto que, na contramão dos vizinhos, a Estação Cultura tem, apenas, 30% das vendas no on-line, com presença na plataforma da Amazon.
 

Uma rua festiva e de sonhos coloridos

 Sara e Vanessa Jardim são proprietárias da SV Fantasias

Sara e Vanessa Jardim são proprietárias da SV Fantasias

Carmen Carlet/Especial/JC
A Senhor dos Passos é a salvação quando professores e diretores mandam um bilhete aos pais anunciando a próxima festinha na escola. Ou quando, próximo à data de aniversário, os filhos pedem a festa, com personagens específicos deste ou daquele desenho animado. Uma quadra situada entre a Alberto Bins e Voluntários da Pátria concentra as lojas de artesanato e fantasias em Porto Alegre. Ali é possível encontrar desde o balão metalizado até o carimbo para personalizar o docinho ou mesmo os adereços que serão usados pelos convidados.
Vanessa Jardim e Sara Godoy, proprietárias da SV Fantasias - uma loja com 20 anos de mercado e há 18 especializada em fantasias - contam que o movimento é distribuído durante os 12 meses do ano. No entanto, Carnaval e festas Juninas têm sua performance, embora, nada se compare ao 31 de outubro, Halloween. Vanessa ri ao comentar que não entende por que essa data estrangeira caiu na preferência dos brasileiros, mas não reclama. "É nosso melhor período com vendas de artigos que têm abóboras esculpidas, morcegos, bruxas e caveiras", comemora. Sem especificar o inventário de artigos comercializados - por conta da quantidade de miudezas - a empreendedora diz que 80% do movimento vem das festas infantis, embora trabalhe também com casamentos, formaturas e acessórios adultos.
Se a intenção é mergulhar no encantamento do mundo de criação de bijuterias, também existem opções na mesma rua. Subindo as escadas do número 100, a Rota Fashion abre as portas para a criatividade. Há 25 anos no mercado, a Rota é o destino de artesãos e clientes que confeccionam bijus para venda, uso próprio, fins terapêuticos ou religiosos.
Fernando Claro, proprietário, conta que após a pandemia, o movimento já vinha diminuindo, mas com a enchente do ano passado caiu ainda mais. "Isso nos forçou a reduzir 50% do nosso quadro de funcionários", lamenta o empresário ao atribuir a maior dificuldade ao esvaziamento do centro da cidade. "Muitas lojas fecharam, o que reduziu drasticamente o fluxo de pessoas na região", avalia. Além disso, segundo estima, o avanço do comércio online afetou muito as vendas. "Mesmo com nosso atendimento via WhatsApp, os grandes sites têm mais alcance, prejudicando o desempenho da loja nas vendas", enfatiza. 
 

Entre linhas e tecidos, a Pinto Bandeira se mantém forte

Ruas que concentram lojas de um mesmo segmento facilitam a busca dos consumidores e a comparação de preços

Ruas que concentram lojas de um mesmo segmento facilitam a busca dos consumidores e a comparação de preços

TÂNIA MEINERZ/JC
Quem entende de moda e gosta de criar suas próprias confecções sob medida encontra um paraíso na rua Pinto Bandeira. São lojas uma ao lado da outra com muitas opções de tecidos e aviamentos para acabamento. Desde uma renda super especial para confeccionar o vestido da noiva ou madrinha até o soft para a roupinha que vai aquecer o pet no inverno gelado do sul. E, contrariando a tendência de outros segmentos do comércio do CH, essas lojas estão constantemente lotadas.
Presente na região desde 1981, a Catarinense Tecidos é um dos varejos mais tradicionais do mercado têxtil. Conhecida por seu preço justo além de variedade em tecidos e malhas para todas as finalidades, a empresa trabalha com foco em três categorias de públicos. São as costureiras e suas clientes, as confecções de médio e pequeno porte e os estudantes de moda que se perdem na variedade de cores e texturas.

Lewi conta que o carro-chefe de vendas é o Oxford  | Carmen Carlet/Especial/JC
Lewi conta que o carro-chefe de vendas é o Oxford Carmen Carlet/Especial/JC

Paulo Lewi, subgerente, conta que o carro-chefe de vendas é o Oxford que, por sua versatilidade, pode ser usado no vestuário ou na decoração. Sem reclamar dos tempos difíceis, Lewi comenta que, de maio até meados de novembro, a loja não para. "O movimento está melhor que o esperado e como estamos conseguindo manter os preços mais baixos, isso está facilitando muito", comemora o subgerente, ao destacar que uma das maiores dificuldades para a região é o alto preço dos estacionamentos e pouco espaço destinado à área azul.
A Central de Tecidos é outro nome tradicional. Como loja física, nasceu em agosto de 1988 e com o passar do tempo, introduziu atendimento on-line e pelas redes sociais. Em 2021 lançou o e-commerce como mais uma vitrine e atendimento a clientes de outras regiões do Brasil. Na loja, podem ser encontrados desde tecidos para cama, mesa e banho até a renda em guipir para o vestido de festa. A empresa oferece ainda a possibilidade de criação de estampas personalizadas, além de uma vasta coleção de tecidos com estampas religiosas. Com a loja lotada de clientes, Bianca Alves, gerente, destaca que de maio a julho o movimento é intenso. Para atender as costureiras, pequenos empreendedores e clientes finais a afinada equipe de 17 funcionários orienta e informa sobre as características de cada tecido.
Se a busca é por aviamentos, a Pinto Bandeira também tem. Uma das maiores da rua é a Central de Aviamentos. A loja está com bom movimento depois que a vida começou a voltar ao normal no pós-enchente. Inicialmente graças a um dos itens da grade, o soft, que teve muita procura durante a reconstrução. A loja é referência em linhas, botões, lãs e artigos para artesanato.

 

Empresas &Negócios - especial ruas temáticas - Katiane Barcellos, gerente da Central de Aviamentos Foto_Carmen Carlet.jpg | Carmen Carlet/Especial/JC
Empresas &Negócios - especial ruas temáticas - Katiane Barcellos, gerente da Central de Aviamentos Foto_Carmen Carlet.jpg Carmen Carlet/Especial/JC

A Central de Aviamentos não é recente no mercado. Criada em 1995, a empresa possui a matriz no Centro Histórico, onde oferta mais de 40 mil itens distribuídos em três andares, além de filiais no bairro Sarandi, Caxias do Sul, Navegantes (SC) e um showroom na capital paulista. Katiane Barcellos, gerente, conta que o principal movimento é registrado depois do Carnaval até novembro. "Em dezembro, as pessoas procuram os presentes prontos", explica a dirigente, ao destacar que 2025 está se mantendo estável. "O movimento retornou junto com o Trensurb", observa ao destacar que são muitos os clientes da Região Metropolitana.
 

De meca da beleza à melancolia

Empresas & Negócios - especial ruas temáticas - Lojas fechadas na Riachuelo Foto_Carmen Carlet

Empresas & Negócios - especial ruas temáticas - Lojas fechadas na Riachuelo Foto_Carmen Carlet

Carmen Carlet/Especial/JC
A Riachuelo - entre a avenida Borges de Medeiros e a rua Dr. Flores - já teve cerca de 20 lojas que comercializavam produtos de beleza. Manicures, cabeleireiros e clientes em geral, podiam simplesmente entrar em uma porta ao lado da outra, atravessar a rua e escolher a cor do esmalte, o melhor shampoo ou a última tendência em química para o cabelo. Hoje, ao percorrer essas três quadras, o que mais se vê são portas fechadas, buracos na rua, abandono e uma melancolia que não faz jus à que um dia foi a meca da beleza

Tatiane e Hellen buscam manter a clientela cativa | Carmen Carlet/Especial/JC
Tatiane e Hellen buscam manter a clientela cativa Carmen Carlet/Especial/JC

Atuando desde 1970, a Coprobel - considerada a maior e mais completa loja de produtos, equipamentos e móveis para salões de beleza do estado - ainda mantém a robustez. Primeira a se instalar na Riachuelo, abriu caminho para a que viria ser a esfuziante rua da beleza. Com uma loja moderna, destoando do cenário da região, a Coprobel se destaca pela grande variedade de produtos, além de ser referência no atendimento ao cliente. "Nossos funcionários são treinados e conhecem as características de cada um dos produtos que vendemos aqui", explica Hellen Duarte, gerente da loja, ao atribuir essa característica como um dos diferenciais para manter uma clientela cativa.
Tatiane Cavalcante, responsável pelo setor de compras, complementa dizendo que outra característica é a variedade de produtos com linhas nacionais e importadas que seguem as principais tendências. Um exemplo é o espaço de produtos premium localizado na entrada. Mesmo com todos esses diferenciais, a loja vem sofrendo com a queda do movimento no CH. Tanto que a rede fechou a loja que vendia móveis para salão de beleza e instalou o departamento no segundo andar de seu único endereço que permanece aberto na Riachuelo. 
Do outro lado da rua, a Seletro, assistência técnica especializada em salões de beleza, que funciona desde 1986, já teve seus tempos áureos. Moisés Oliveira, proprietário, se esforça para manter a porta aberta, porém, o movimento está reduzido em cerca de 70% no comparativo ao início dos anos 2000. "Hoje, um secador de cabelo chinês novo, mas de qualidade duvidosa, sai o mesmo preço do conserto de um bom produto nacional", lamenta Oliveira. 

Oliveira luta para manter a loja, que funciona desde 1986, aberta, mas o movimento se reduziu muito nos últimos anos | Carmen Carlet/Especial/JC
Oliveira luta para manter a loja, que funciona desde 1986, aberta, mas o movimento se reduziu muito nos últimos anos Carmen Carlet/Especial/JC

 

O pulsante comércio popular da Voluntários da Pátria

No coração da Capital é possível achar lojas dos mais diversos ramos, mas que tem em comum os preços baixos

No coração da Capital é possível achar lojas dos mais diversos ramos, mas que tem em comum os preços baixos

TÂNIA MEINERZ/JC

Joceline, Sergio e Rafaelle atendem os clientes na tradicional Dabdab | Carmen Carlet/Especial/JC
Joceline, Sergio e Rafaelle atendem os clientes na tradicional Dabdab Carmen Carlet/Especial/JC
Baja, que abriu a loja La Bela em 1970, sofreu perdas com a enchente | Carmen Carlet/Especial/JC
Baja, que abriu a loja La Bela em 1970, sofreu perdas com a enchente Carmen Carlet/Especial/JC
As ruas de comércio popular nos grandes centros urbanos se caracterizam pela concentração de estabelecimentos comerciais e fluxo de pessoas. A rua Voluntários da Pátria - especificamente na parte localizada nas proximidades da Praça XV de Novembro até a coronel Genuíno - é o exemplo mais claro na capital gaúcha. São cerca de uma centena de lojas de calçada e subindo escadas que vendem desde talheres para a cozinha até o "último grito da moda", passando por uma infinidade de produtos.

Quem caminhar por essa rua, certamente, vai encontrar o que procura a preços bem acessíveis. Além disso, a Voluntários se notabiliza por ser um pouco torre de babel. Ali se encontram imigrantes e filhos que chegaram e ainda chegam e constroem sólidas relações com a comunidade local. Palestinos, italianos e mais recentemente os chineses e coreanos vendem produtos importados que, muitas vezes, os próprios lojistas de bairro compram e revendem a preços mais altos com o glamour de suas lojas bem situadas e com arquitetura planejada.
Logo no início da Voluntários, uma esquina imponente faz contraste ao que segue na via. A Tecidos Dabdab, criada em 1925, se prepara para comemorar o centenário no próximo 23 de dezembro. Especialista no comércio de tecidos a metro e aviamentos para alfaiates e costureiras que exigem qualidade para a confecção de roupas sob medida, a Dabdab é considerada a loja mais antiga do setor no Rio Grande do Sul.
 
Sua história remonta a 1923, quando em meio à crise econômica e aos efeitos da 1ª Guerra Mundial, o alfaiate sírio Raphael Kalil Dabdab resolveu migrar para o Brasil, onde seu irmão Elias possuía uma loja de tecidos, situada no Rio de Janeiro. Depois de dois anos, Raphael Dabdab veio para Porto Alegre. Associou-se a José Issa Jousfam e juntos fundaram uma alfaiataria, na rua General Câmara. Em 1930, o negócio se mudou para a Voluntários da Pátria e ocupou outros dois números antes do endereço definitivo. O fato de permanecer por tanto tempo no mesmo logradouro fez de Raphael Kalil Dabdab o comerciante mais antigo da Rua Voluntários da Pátria.
Sergio Martins, gerente da loja há 40 anos, conta que os tempos áureos das confecções sob medida, infelizmente, estão ficando para trás. "Não temos mais muitos profissionais alfaiates, embora uma nova geração de estudantes de moda e design esteja nascendo e procurando tecidos de alta qualidade", analisa Martins.
Fortemente atingida pelo desastre ambiental do ano passado, a loja teve prejuízos incalculáveis com perdas de estoque e vendas durante os 69 dias de fechamento. Além disso, o avanço do home office - e mesmo o formato híbrido - fez com que muitas empresas reduzissem a confecção de uniformes sob medida, o que afeta o setor.
A loja que também faz vendas por aplicativo tem um estoque aproximado de 80 mil metros de tecido (protegidos por naftalina por causa das traças), sendo lã, linho e tergal os mais procurados. No atendimento aos clientes que entram na imponente esquina, Joceleine Silva e Rafaelle Dias se revezam com Martins.
Com 75 anos de existência no mesmo número, o Bazar Carioca é o lugar onde se encontra de tudo no Centro Histórico, desde um garfo ao preço de R$ 1,00 até uma panela de pedra sabão comercializada por R$ 360,00. Adquirida por Ivan Rodrigues e outro sócio em 1999, de Jorge Krischke (pai do conhecido ativista Jair Krischke, fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos), a loja foi duramente atingida pelas águas. "Já estava acostumado a alagar por aqui, então, não dimensionei o volume que viria e perdi boa parte do estoque", avalia Rodrigues dizendo que a água chegou a 1,70m dentro da loja.

Rodrigues está à frente do Bazar Carioca, que se situa a 75 anos no mesmo endereço com vasto mix de produtos | Carmen Carlet/Especial/JC
Rodrigues está à frente do Bazar Carioca, que se situa a 75 anos no mesmo endereço com vasto mix de produtos Carmen Carlet/Especial/JC

"O que tinha abaixo disto, foi perdido", lamenta o empreendedor sem, no entanto, pensar em desistir até porque obteve auxílio dos fornecedores na negociação para reposição de estoque. Aliado a esse espírito que não se deixou abater, Rodrigues comprou a parte do sócio no pós-enchente e resolveu vender produtos de primeira necessidade a preços muito baixos. "Nosso movimento foi grande saindo de 50 a 60 panelas por dia e muitos talheres vendidos a um real a unidade", conta o empreendedor, que registrou em julho de 2024, faturamento igual ao do Natal do ano anterior.
E, como manteve as promoções por mais tempo, as festas de Noel foram 15% melhores do que no ano anterior. Sem presença nas redes sociais, o Bazar Carioca aposta na relação direta com o freguês. "Nossos clientes são pessoas 50 que frequentam a loja desde criança e gostam de vir aqui, conversar e contar suas histórias", avalia Rodrigues ao destacar que muitos desses consumidores são oriundos das regiões mais afetadas como as cidades de Guaíba, Eldorado do Sul e o bairro Sarandi.
O palestino Hassan Baja, nascido em Safta, chegou ao Brasil acompanhado de sua irmã em 1968, fugindo da Guerra dos Seis Dias. Acolhido pelos tios que já moravam na cidade de Canoas, abriu a loja La Bela, em 1970, com foco em moda feminina e masculina a preços populares, Baja menciona que trabalha com artigos vindos de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Ceará. Com a loja afetada pelas águas, o palestino diz que fica com o coração na mão cada vez que há previsão de chuva. Afinal, não é para menos. Mesmo tendo conseguido salvar parte do estoque, a enchente chegou alto em sua loja, assim como em toda a vizinhança.
 
Falando de seu consumidor, o lojista revela que vende para o povão e as mulheres são a maioria. "Mas, às vezes, até as madames descem até aqui para comprar produtos bons e baratos", expõe entre risos, ao listar que casacos e blusões são as preferências. Para 2025, e com o frio deste inverno, o empreendedor aposta na recuperação.
 

*Carmen Carlet é jornalista formada pela Famecos, Pucrs. Atuou como colunista, repórter e correspondente de veículos especializados em propaganda e marketing. Atualmente, trabalha com assessoria de comunicação, produção de conteúdo e conexões criativas.

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