Responsável por cerca de 85% da produção nacional, a vitivinicultura no Rio Grande do Sul une tradição cultural, inovação tecnológica e protagonismo econômico, mas ao mesmo tempo encara uma concorrência crescente e ameaças regulatórias que podem comprometer a competitividade.
No painel dedicado ao tema no Buy RS, realizado no dia 9 de setembro em Porto Alegre, o gestor da Bodega Sossego, Rene Moura, destacou a força da Campanha Gaúcha como nova fronteira de investimentos na vitivinicultura e alertou para riscos que precisam ser enfrentados com planejamento.
Embora a Serra Gaúcha siga sendo o berço da tradição vitivinícola, com marcas centenárias como Garibaldi, Aurora, Miolo e Salton, o mapa do vinho no Estado vem se redesenhando. A Campanha, historicamente marcada pela pecuária e pelos grãos, já é a segunda maior região produtora de uvas finas do Rio Grande do Sul, com 1,6 mil hectares de vinhedos.
Mais de mil hectares estão nas mãos das grandes empresas, mas a região também abriga cerca de 20 vinícolas e mais de 100 famílias produtoras de uva. "Os vinhos de alta gama do Rio Grande do Sul estão saindo dessa região, e isso já é uma realidade", afirmou Moura.
Esse movimento não é isolado. Nos últimos 30 anos, a vitivinicultura gaúcha deixou de ser associada apenas ao vinho de mesa para se projetar no segmento de vinhos finos e espumantes, conquistando prêmios internacionais e ampliando mercados.
O setor representa hoje mais de R$ 7 bilhões em faturamento anual no Brasil, com forte peso do Rio Grande do Sul, e envolve diretamente cerca de 15 mil produtores de uva, além de milhares de empregos indiretos em hotelaria, gastronomia e logística. A transição para vinhos de maior valor agregado tem sido determinante para atrair investimentos e consolidar o Estado como player global.
A diferenciação regional tornou-se uma estratégia competitiva. A Serra Gaúcha, principalmente através de Garibaldi, consolidou-se como capital nacional do espumante; os Campos de Cima da Serra, com temperaturas mais baixas, produzem vinhos delicados; e a Campanha se firmou como território para rótulos tranquilos de alta gama, aproveitando os invernos rigorosos e os verões secos.
Essa especialização, segundo Moura, é resultado de pesquisa, tecnologia e aprendizado do mercado. "O gaúcho aprendeu a fazer vinho para o mercado, e não apenas para si mesmo. Hoje produzimos com foco no consumidor e no que ele pede", avaliou.
O perfil desse consumidor também mudou. Pesquisas citadas pelo empresário apontam que jovens com maior poder de compra têm buscado vinhos com baixo teor alcoólico, bebidas prontas para consumo (RTD) e rótulos com apelo sustentável. Essa demanda pressiona os produtores a inovar, ao mesmo tempo em que o Brasil se destaca como um dos poucos países onde o consumo de vinho cresce, ainda que lentamente.
Países tradicionais como França, Itália e Espanha enfrentam retração e até redução de áreas plantadas. Esse contraste desperta atenção de importadores e aumenta a concorrência, num mercado onde a marca "vinho brasileiro" começa a ganhar reconhecimento, mas ainda precisa superar barreiras culturais e tributárias.
Enoturismo como motor e risco tributário como ameaça
Se a produção se diversifica, o turismo associado ao vinho desponta como vetor de crescimento. A Serra Gaúcha já é destino consolidado, recebendo milhões de visitantes por ano, mas outras regiões ainda engatinham no potencial de atrair turistas em busca de experiências autênticas. O enoturismo gera empregos, movimenta a economia local e fortalece a marca do vinho gaúcho, unindo produção agrícola, gastronomia e hospitalidade.
"Não é mais preciso sair do Brasil para viver experiências enoturísticas de qualidade. Elas já estão aqui, no nosso quintal, e podem ser ainda mais desenvolvidas", destacou Moura.
Essa integração com o turismo se mostra estratégica também frente à concorrência interna. Estados como Minas Gerais, São Paulo e Bahia investem em viticultura e começam a explorar rotas turísticas próprias, o que pode redistribuir fluxos de visitantes que antes se concentravam no Rio Grande do Sul. Ainda assim, para Moura, essa concorrência é positiva. "Felizmente, eu me vejo tendo hoje mais concorrência de vinícolas brasileiras do que de importados. Isso é salutar para o setor, porque fortalece a indústria nacional."
Os desafios, porém, não são poucos. A iminente reforma tributária prevê a inclusão do vinho no chamado imposto seletivo, ao lado de cigarros e bebidas de teor alcoólico mais eleveado. Para os produtores, a medida representa uma distorção: além de afastar consumidores, pode dificultar a formalização e encarecer a produção.
Outro ponto de atenção segundo Moura é o acordo Mercosul-União Europeia que, se for homologado sem salvaguardas, permitirá a entrada de vinhos subsidiados a preços muito menores. "Não vamos competir com vinhos que chegam aqui custando um ou dois dólares. Com nossa carga tributária, não temos como fazer frente a isso", alertou o proprietário da Bodega Sossego.
A falsificação de rótulos completa a lista de ameaças citadas por ele. O problema vai além da perda econômica: compromete a credibilidade do setor e traz risco à saúde pública. Casos recentes de descaminho e adulteração acenderam o alerta para a necessidade de maior fiscalização e cooperação entre órgãos públicos e privados. No final de julho deste ano, por exemplo, a Polícia Federal lançou a Operação Segunda Safra contra esse crime, cumprindo mandados e bloqueando bens.
O futuro da vitivinicultura gaúcha, portanto, passa por um equilíbrio delicado. De um lado, a tradição centenária da Serra; de outro, o potencial de expansão da Campanha e de novas regiões produtoras. No meio, a oportunidade de transformar o enoturismo em motor econômico e o desafio de enfrentar barreiras tributárias e concorrenciais.
"Vinho traz turismo, diversificação agrícola, cultura e competitividade. É uma das melhores coisas que temos no Rio Grande do Sul e precisa ser tratado como tal", finalizou Moura.