Qual é o melhor jeito de começar a aprender sobre o valor do dinheiro? Uma escola de Porto Alegre atendeu aos pedidos dos próprios alunos e criou uma disciplina extracurricular sobre educação financeira. E o resultado já está aparecendo.
De quanto custam todos os meses para os pais à taxa que se paga de anuidade do cartão de crédito, os estudantes de Ensino Médio do Colégio Marista Ipanema, na zona sul da Capital gaúcha, descobriram que nada é de graça. Aliás, a primeira lição que receberam na sala de aula do educador financeiro Adriano Severo foi fazer a conta das despesas que cada um gera à família.
"A minha mãe somou os gastos com viagem, comida, transporte, etc e deu uns R$ 4 mil por mês comigo", contabilizou Giulia Rillo Rocha. "É bastante", concluiu, fazendo uma autoavaliação e admitindo que "gastava com coisas desnecessárias, comprando roupa que não preciso ou produto mais caro no súper".
"Parei para pensar e dá para pagar muita coisa com esse dinheiro. Falei com ela (minha mãe) e vamos dar uma 'ajeitada'. Vou economizar porque quero fazer intercâmbio fora do País e investir no meu inglês. Tudo isso custa dinheiro, né", concluiu a jovem.
#finVÍDEO: As primeiras lições sobre finanças os alunos não vão esquecer
O conteúdo de seis encontros teve muitos exemplos práticos, como o exercício de quanto cada um deles custa à família. Severo aposta que é o melhor jeito de aprender finanças pessoais para quem está na faixa dos 14 aos 17 anos.
As atividades também incluíram levantar objetos que não eles não usam mais e que podem ser vendidos gerando um dinheiro extra, até como montar viagens de férias de 30 dias para quatro pessoas, com destinos no Brasil e no exterior, com limite de gasto de R$ 40 mil.
"É tanto dinheiro que não sabemos bem o que fazer, por onde começar", admite Gabriel de Borges Sattler, sobre o desafio de fazer caber os desejos das férias no limite do orçamento dado pelo professor. "O segredo é fazer os roteiros e montar as opções de lazer com o dinheiro que se tem", orientou o educador. "Tem de caber no orçamento", resume Severo, citando uma regra de ouro do planejamento das finanças pessoais.
Isabela Maria Martins Brum diz que foi o exercício de que mais gostou. "Descobri que a gente gasta muita coisa no impulso e também que, dependendo da data em que se comprar a passagem aérea, a diferença pode ser de até R$ 2 mil!", cita Isabela.
Além disso, Gabriel também já decidiu vender o violão que não toca mais. O colega Arthur Pinto Lages reuniu uma bicicleta e um mouse de computador para o mos fim. Os dois vão fazer um 'dinheirinho'. "Não sabia muito bem como fazer isso, aí surgiu essa aula na escola e agarrei a chance para aprender", valoriza Arthur.
"Tem de aprender a priorizar", completa Lucas Rodrigues Madeira, que abriu o jogo durante a reportagem do #fin - Finanças e Investimentos. "Torrava toda a mesada de R$ 350,00 que recebia. Agora quero guardar um pouco. Ah, e quero trabalhar com investimentos na bolsa de valores no futuro. Meu avô já faz isso", completa.
A capacidade da turma de rapidamente assimilar as estratégias surpreendeu Severo, que vê na geração dos millenials, que identifica o comportamento da faixa etária dos alunos da turma, novas formas de encarar a relação com o dinheiro. O acesso à internet é uma das influências, acredita.
Do investimento com mais retorno às fintechs
Alunos aprendem as melhores alternativas para aplicar o dinheiro da mesada
CLAITON DORNELLES /JCEntre os alunos, rolaram até provocações num bom tom diante de opções por investimentos que não seriam os mais rentáveis. "Tenho cartão mesada, mas já pedi à minha mãe para mudar para um cartão poupança, para render, pois quase não gasto o dinheiro", conta Tiago Calmeiéri do Nascimento Machado.
"Não vai render nada", cutucou Fernando Martinelli Grauer, lembrando que a poupança é uma das modalidades com menor retorno. "Sim, pode ser pouco, lembro que o professor falou sobre isso, mas pelo menos o dinheiro vai render alguma coisa em vez de ficar parado", reagiu Tiago instantaneamente. O grupo na mesa da sala de aula e até Fernando tiveram deconcordar com a lógica do dono do cartão mesada.
"Eu não sabia que existia a taxa de anuidade do cartão. Nem meu pai sabia! Tive de explicar tudo para ele, que falou com o banco e pediu para baixar ou até acabar com a cobrança", conta Lucas. Sobre a taxa, Fernando diz que a saída é negociar mesmo. "Ou mudar de banco", sugeriu Pedro Henrique Dobner Stocker.
"Dá para ter cartão Inter... Ou do Nubank, que não têm taxa nenhuma", listou Lucas Leite, indicando a afinidade da geração com os produtos das chamadas fintechs, empresas de tecnologia do setor financeiro que não têm taxas ou serviços cobrados pelos bancos tradicionais.
Pedro é bem prático. Pediu de presente de aniversário apenas dinheiro e juntou R$ 850,00, valor que vai guardar e agora "estuda o melhor método para investir". "É muito melhor pedir dinheiro de presente", motiva Pedro. "Estou vendo o que rende mais e é mais seguro", explica.
"Não quero ser rico, nem milionário. Só quero ter uma vida estável, boa e tranquila. Ah, e morar na Austrália", planeja sobre o seu futuro.
Educação financeira na sala de aula vai chegar aos pais
Degrandis diz que educação financeira ficou em segundo lugar na preferência dos alunos
CLAITON DORNELLES /JCPor que o Colégio Marista Ipanema ofertou a disciplina? A ideia de promover os conteúdos, além do que é dado no turno normal de aulas, surgiu após uma consulta à comunidade escolar em 2018.
O vice-diretor educacional, Fernando Degrandis, conta que a filosofia da escola já é de aportar uma formação que prepare o aluno para a vida profissional e para seus desafios após o Ensino Médio. A oferta extracurricular veio na carona, para reforçar a preparação dos adolescentes e jovens.
"Perguntamos se eles gostariam de ter as atividades, e 80% deles disseram que sim, e educação financeira foi a segunda mais votada, primeiro foi culinária", detalha Degrandis. Outra atividade extracurricular que também foi indicada é de maquiagem, que começa em breve.
"Não queremos que eles sejam economistas, mas que percebam quetodos os dias estão investindo, gastando o dinheiro", reforça o vice-diretor educacional. Mas tem quem como Marco Antônio Variani que está pensando em cursar exatamente afaculdade de Economia e "fazer investimentos" em diversas áreas".
O curso, comseis encontros que começaram emmarço, custou R$ 130,00 por aluno. A adesão era voluntária, e Severo garante que boa parte dos 17 matriculados compareceu a todos os encontros. Cada rodada trazia uma abordagem diferente, contemplando desde noções gerais sobre orçamento doméstico, o uso inteligente do dinheiro, como gastar a renda dos pais de forma sustentável e ainda opções de investimentos.
"É importante que eles entendam o uso do dinheiro. Com os conhecimentos em educação financeira, eles vão se preparar bem para o mundo adulto. Esse tipo de conteúdo não tem no currículo da educação brasileira, a gente preenche uma lacuna", reforça o professor.
Outra surpresa que veio na carona da disciplina dada por Severo é que os pais ficaram interessados em fazer o curso. Parte do interesse foi despertado pelo fluxo sala de aula-casa-sala de aula dos filhos. O educador financeiro colocou em pauta atividades bem práticas, e os alunos tiveram de interagir com a família, para levantar informações e até medir o conhecimento dentro de casa sobre os itens vistos no colégio.
Diante da vontade dos pais, o colégio poderá ofertar as modalidades extracurriculares a toda a família em 2020. "Estamos incubando a ideia, e educação financeira é uma das mais solicitadas", adianta o vice-diretor.
O exemplo do Colégio Marista Ipanema
O que: disciplina extracurricular de Educação Financeira.
Como surgiu a ideia: alunos apontaram em pesquisa feita pela escola que queriam aulas sobre educação financeira.
Como foi montado o curso: um professor de educação financeira foi contratado e ajudou a montar a sequência de conteúdos, mesclando noções iniciais sobre finanças pessoais e muitas atividades práticas para assimilar o conhecimento.
O programa da disciplina:
- Conceitos básicos de finanças pessoais
- Conceitos básicos de economia
- Gestão do dinheiro
- Administração da mesada
- Consumo consciente
- Economia doméstica
- Formas de poupar
- Uso inteligente dos recursos
- Bons hábitos financeiros
Número de encontros: seis encontros de tarde (uma por semana), com duração de duas horas.
Valor para cada aluno: R$ 130,00