Ayrton dos Anjos costuma alternar histórias cujo denominador comum é o guri que aos cinco anos perdeu o pai, um construtor de barcos chamado Arfogoceano, nome formado por três dos quatro elementos (ar, fogo e água - excluída a terra). "Morreu afogado aos 33 anos de idade", informa Patineti, lembrando que o pai vivia da fabricação de barcos de competição da classe snipe. Criado pela mãe, o pequeno Ayrton tinha uma missão familiar: fazer companhia à avó, benzedeira requisitada em Canoas.
Chamada Ondina Monteiro da Silva, a avó gostava de cantar modinhas, acompanhava novelas radiofônicas e não perdia os programas dominicais de auditório da Rádio Gaúcha apresentados pelo sócio-diretor Maurício Sirotsky Sobrinho. Bons tempos em que os programas de auditório, no 10º andar do Edifício União, contavam com músicos dirigidos pelo maestro Salvador Campanella.
No começo, Patineti acompanhava a vó por obrigação filial, mas aos poucos se envolveu com o ambiente festivo do rádio e nele mergulhou para valer. Afinal, foi por ciceronear dona Ondina que ele viu nascer a maior cantora popular do Rio Grande. "A primeira vez que ouvi Elis Regina cantar fiquei embevecido", avisa ele. Na ingenuidade da adolescência, comparou-a a "uma sereia" que teria surgido "milagrosamente" para mudar sua vida. Ela tinha 15 anos. Foi uma paixão platônica não correspondida, mas os dois ficaram amigos, unidos pela música, o rádio e os discos.
A paixão por Elis Regina não afetou a admiração do produtor pelos principais animadores do rádio da Capital. Além do esfuziante Maurício Sobrinho, seus ídolos eram o brincalhão Glenio Reis (Difusora, pela manhã), o sisudo Osmar Meletti (Discorama, à tarde, na Guaíba) e o insinuante Paulo Diniz (Cultura, 18h). Inspirado por eles e premeditando ser um animador de auditórios usando os bordões dos astros do rádio de Porto Alegre, Patineti organizava reuniões dançantes nos fins de semana em casas de família, salões paroquiais ou clubes de bairro. Sua missão era arranjar os discos, obtidos por empréstimos em lojas do Centro. Assim, garantia as paqueras. Num depoimento a alunos de Comunicação Social da Famecos (Pucrs), ele gabou-se de ter sido o pioneiro ao apresentar à juventude de Porto Alegre o primeiro disco de Ray Conniff, que se tornaria um dos "tchans" das reuniões-dançantes. Não pergunte quando foi isso ou aquilo. As datas não moram na memória efervescente do produtor.
O fato é que na virada dos anos 1959/1960 o ex-estudante do Colégio São Pedro se firmou como apresentador de um programa na Rádio Metrópole. Foi seu primeiro trabalho remunerado - o "salário" vinha da corretagem de publicidade. Ele jamais se esqueceu do discotecário da emissora. Chamava-se Guaraci e, como fiel guardião do acervo discográfico da Metrópole, não cedia material para o bicão recém-chegado. Os discos só saíam para a área técnica com comandas em duas vias para garantir o retorno ou a busca em caso de demora.
Obrigado a se virar com discos emprestados, o aprendiz de radialista foi salvo pela avó. De repente o discotecário Guaraci teve um problema de saúde e, por acaso ou destino, foi "curado" pela benzedeira de Canoas. Guaraci nunca mais negou discos para o programa de Ayrton e para as brincadeiras dançantes nos bairros da Capital. Amigos para sempre.