Miguel Tedesco Wedy
É inegável que o Brasil tem uma complexa e mal distribuída carga tributária. Esse ambiente nefasto gera peculiaridades próprias e efeitos perversos. Dois deles são claros: 1) a corrida de setores econômicos em busca de benefícios fiscais para a sua sobrevivência; 2) a utilização, por parte do Estado, do direito penal tributário como uma espécie de direito penal do inimigo, para transformar o empresário em vilão, e fazer do direito penal uma longa manus do sistema tributário. Ou seja, ameaçar com a pena criminal para arrecadar.
Todo esse contexto gerou uma jurisprudência penal consolidada no sentido de que o pagamento integral dos créditos tributários deve acarretar a extinção da punibilidade criminal. Na ADI 4273, o Ministro Nunes Marques, do STF, deixou consignado que: "A extinção da punibilidade como decorrência da reparação integral do dano causado ao erário pela prática de crime contra a ordem tributária constitui opção política que vem sendo há muito adotada no ordenamento jurídico brasileiro, o que demonstra a prevalência do interesse do Estado na arrecadação das receitas provenientes dos tributos, para a consecução dos fins a que se destinam, em detrimento da aplicação da sanção penal..."
Embora essa concepção gere críticas relevantes de boa parte da dogmática, pois a função do direito penal tributário é proteger bens jurídicos que garantam as funções essenciais do Estado, não haverá outra solução enquanto o próprio sistema tributário não for devidamente "racionalizado", o que ainda está pendente na regulamentação da reforma tributária.
E, diga-se mais, toda essa visão, que de certo modo instiga uma negociação no âmbito penal tributário, foi reforçada por mecanismos como a colaboração premiada, a suspensão condicional do processo e, especialmente, pelo chamado Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), que tem, como um de seus requisitos, a reparação do dano, um benefício que pode evitar o processo criminal.
Ou seja, em matéria penal, o Estado deve intervir o mínimo possível, apenas para garantir as condições essenciais de sobrevivência da sociedade, quando outras esferas não o consigam.
Advogado Criminalista e professor da Unisinos