Porto Alegre,

Publicada em 07 de Maio de 2025 às 07:00

São Sebastião do Caí, a cidade que convive com enchentes

Zoraia Câmara mostra rachaduras e simula a altura da água do Rio Caí, que chegou a 17,60 metros em maio

Zoraia Câmara mostra rachaduras e simula a altura da água do Rio Caí, que chegou a 17,60 metros em maio

/Zoraia Câmara/Arquivo Pessoa/Cidades
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Larissa Britto
Larissa Britto Repórter
Na última reportagem sobre as cidades atingidas pela enchente de 2024, é a vez de contar a história de um município acostumado a ser inundado. São Sebastião do Caí, no Vale do Caí, viveu o que parecia ser o seu pior pesadelo em maio passado: a enchente atingiu e devastou 60% do seu território. Próximo das 22h30 do dia 2 de maio, o nível do Rio Caí, que banha a cidade, ultrapassou sua cota de inundação, que seria de 10,5 metros, e atingiu o pico de 17,6 metros, segundo o levantamento realizado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB). Na mesma noite, o Rio Cadeia, um afluente à margem esquerda do Rio Caí, atingiu sua maior marca, chegando aos 11,88 metros. De acordo com dados do Mapa Único do Plano Rio Grande e da prefeitura, as cheias atingiram entre cerca de 6 mil residências, impactando cerca de 10 a 12 mil pessoas.
Na última reportagem sobre as cidades atingidas pela enchente de 2024, é a vez de contar a história de um município acostumado a ser inundado. São Sebastião do Caí, no Vale do Caí, viveu o que parecia ser o seu pior pesadelo em maio passado: a enchente atingiu e devastou 60% do seu território. Próximo das 22h30 do dia 2 de maio, o nível do Rio Caí, que banha a cidade, ultrapassou sua cota de inundação, que seria de 10,5 metros, e atingiu o pico de 17,6 metros, segundo o levantamento realizado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB). Na mesma noite, o Rio Cadeia, um afluente à margem esquerda do Rio Caí, atingiu sua maior marca, chegando aos 11,88 metros. De acordo com dados do Mapa Único do Plano Rio Grande e da prefeitura, as cheias atingiram entre cerca de 6 mil residências, impactando cerca de 10 a 12 mil pessoas.
Dentre as atingidas estava a corretora de imóveis Zoraia Câmara, de 65 anos. Há 50 anos ela reside no bairro Navegantes em uma casa antiga, herdada de seus pais, a qual ela descreve que possui em torno de quatro metros de altura de pé direito. Ela relata que, durante esse tempo morando na cidade, sua casa alagou parcialmente dezenas de vezes, pois quando o rio atinge os 14,9 metros, a água acaba por invadir a sala de sua casa, mas não alcança os dormitórios. Quando ultrapassa essa marca, Zoraia sabe que, infelizmente, sua casa ficará completamente submersa. Desta vez, o estopim foi a enchente de maio. "A gente viveu um pânico muito grande na época. Em um ano vieram duas cheias acima de 15 metros, que me afetaram diretamente", conta. A outra enchente a que Zoraia se refere é a de novembro de 2023, quando o Rio Caí ultrapassou sua cota de inundação e atingiu, de acordo com o SGB, uma altura de 16,08 metros.
Naquela oportunidade, para salvar seus móveis da sala e da garagem, ela e seu marido, João transferiram tudo para a parte superior da casa, onde a água nunca havia chegado. Além disso, conseguiram dois caminhões para transportar tanto seus pertences, quanto os de sua mãe, Massimilia, uma senhora de 89 anos que mora ao seu lado, um de seus três filhos, Luiz, e Zaira, uma de suas quatro irmãs, que mora em frente à sua casa. Com a água chegando até o peito, ela foi socorrida no fim da noite. Seu marido não teve a mesma chance. Permaneceu na casa com seu cachorro e seus dois gatos, e só foi salvo na tarde do dia seguinte, já com hipotermia.
A corretora conta que, depois da cheia em novembro, reformou a casa e comprou móveis novos, na esperança de retomar sua vida. Seis meses depois, porém, a água voltou com mais intensidade e, sem compaixão, destruiu todo o seu esforço e investimento. "O que nós compramos nós perdemos de novo. Eu não consegui ir na calçada olhar a água vindo, eu sempre faço isso, a gente vai medindo. Sempre dava tempo de, uma quadra antes, ter mais umas duas horas para a água chegar. Dessa vez não cheguei a olhar. Eu só estava tentando atirar coisas para cima do telhado para salvar", relembra, ao contar o desespero do avanço das águas.
Em maio, Zoraia saiu antes da água chegar, no feriado do Dia do Trabalhador, e buscou abrigo na casa de sua irmã Alessandra, que mora no loteamento Campo dos Lírios, uma parte alta e afastada da cidade. Além dela, foram atingidos novamente seu marido, sua mãe, seu filho e sua irmã.
Para fugir das cheias, Luiz refugiou-se na casa do pai, que também mora em uma área alta da cidade, onde não alagou. Zaira mudou-se provisoriamente para Garopaba, em Santa Catarina. Já Massimilia mudou-se para Fortaleza, no Ceará, onde moram suas outras filhas, Zaide e Zoraide e, posteriormente, retornou à cidade.
 

Moradora relembra semanas de tensão com o avanço das águas

Casa foi tomada pela água na enchente de maio

Casa foi tomada pela água na enchente de maio

ZORAIA CÂMARA/ARQUIVO PESSOAL/CIDADES
No mesmo dia em que saiu, Zoraia recebeu o alerta da Defesa Civil, porém, na opinião dela, de forma tardia. "Eles não têm essa coisa de avisar três, quatro dias antes. A Defesa Civil de uma cidade que tem enchente há décadas, não tem barco a motor e ainda proibiram os pescadores aqui de salvarem a maioria das pessoas. Eu vivo dentro da enchente", expõe Zoraia.
Após o dia 2 de maio, a água baixou progressivamente e os moradores, com o auxílio de voluntários, voltaram às suas residências para realizar a retirada, limpeza e recuperação do que sobrou dos seus pertences. Porém, 10 dias depois o rio voltou a subir, no repique, e voltou a embarrar a casa dela. Ainda em junho, a água voltou a invadir bairros e ruas e atingir Zoraia, numa cidade que está acostumada a conviver com a enchente "A gente também teve que sair, mas essa não entrou na minha casa, só no pátio. A gente estava extremamente apreensivo. E eu via que a casa estava toda rodeada de água, mas não tinha noção de que altura estava. Então, depois de um ano, o que a gente espera? Nada", desabafa Zoraia, desesperançosa.
As rachaduras visíveis e salientes nas paredes de sua casa são o retrato das diversas vezes em que a água invadiu e levou parte de sua vida. "A vontade de sair daqui eu não tenho. É minha cidade, meu lar. Meus filhos todos nasceram aqui. Eu não tenho vontade, mas a situação vai nos obrigar", completa.
 

Até o fim deste mês, prefeitura pretende apresentar plano de contingência para ação durante as cheias

Bairro Vila Rica sofreu os impactos da enchente de maio

Bairro Vila Rica sofreu os impactos da enchente de maio

/Hemelly Marques/Divulgação/Cidades
Somente entre os meses de junho de 2023 e junho de 2024, o Rio Caí atingiu o município 12 vezes, uma média de uma vez por mês. A fim de mitigar os impactos de possíveis futuras cheias, a prefeitura de São Sebastião do Caí alega ter feito ações, via recursos do governo estadual, para desassorear arroios, assim como o próprio rio. Um projeto habitacional também está em andamento na cidade.
O atual prefeito, João Marcos Guará, conta que também foi impactado pela enchente de maio, e à época atuava como vereador na cidade. Ele explica que moradores foram removidos das áreas consideradas de risco. "Nós estamos migrando as famílias da área de risco para áreas que possam reabitar. Algumas já foram beneficiadas por programas estaduais e federais. A gente está buscando agora a construção de residências para as pessoas poderem ficar na cidade. Porque nós temos pessoas contempladas, mas faltam residências para o programa", explica.
Ele complementa salientando que há o programa habitacional do governo estadual, viabilizado através da Secretaria de Habitação, que concedeu cerca de 50 residências a moradores impactados pela enchente, e ainda está na fase de sondagem do solo. Atualmente, a prefeitura está desenvolvendo um plano de contingência para apresentar à comunidade, cuja finalização está prevista para o fim do mês de maio. "Resumidamente, é como a gente se prepararia se a enchente chegasse hoje. Quais ações seriam tomadas de forma pré-organizada para a gente responder melhor e mais rápido a essas necessidades emergentes que envolvem as enchentes", conta.
O governo estadual informa que já repassou R$ 8,96 milhões para o município de São Sebastião do Caí até o momento, conforme informações da Secretaria da Fazenda. As verbas foram direcionadas para ações efetivas, como auxílio a famílias atingidas pela enchente, Defesa Civil, apoio a empreendedores, manutenção de escolas, rede hospitalar, entre outros.
 

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