A China celebra nesta sexta-feira (1º) os 25 anos da retomada do controle sobre Hong Kong. Mais significativamente, comemora os 2 anos em que impôs sua versão sobre como deve ser o território que recebeu de volta dos britânicos após um século e meio de dominação colonial.
E faz a comemoração em grande estilo, com a primeira viagem do líder Xi Jinping para fora da área continental da ditadura comunista desde o início da pandemia de Covid-19, em 2020. Logo depois de chegar à estação de trem de alta velocidade vindo da vizinha Shenzhen, Xi falou rapidamente e deu o tom.
"Depois das tormentas, Hong Kong renasceu das cinzas e emergiu com uma vigorosa vitalidade. Os fatos demonstram que o princípio de 'um país, dois sistemas' está cheio de vitalidade", afirmou o líder.
"Eu sinto falta da minha terra, e espero voltar um dia. Mas não é possível negociar com Pequim porque este é um regime totalitário que não pode dar nenhuma liberdade para as pessoas", afirmou por mensagem Stanley Ho, 37 anos. "Mais importante, o regime ainda tem ódio pelo que ocorreu em 2019."
Ganhou, mas não a desejada por ele. Em agosto de 2020, um mês depois que Pequim implementou a dura Lei de Segurança Nacional,
todos os políticos de oposição à China renunciaram no território. "Um ano depois, eu saí de Hong Kong. A mensagem que recebemos era de que teríamos grandes problemas, seríamos presos ou mortos, se insistíssemos em fazer o que fazíamos no passado", conta ele, que mora em Cardiff (Reino Unido).
A repressão ao que era percebido por Pequim e pela elite econômica de Hong Kong como uma desestabilização impossível de aceitar acabou matando, na prática, o sistema enaltecido por Xi nesta quinta como havia sido concebido. Como os protestos se radicalizaram por pedidos de independência em vários momentos, o temor de isso ser visto como exemplo para outras regiões e mesmo para Taiwan, ilha que Xi busca absorver e que o Ocidente vê como uma Ucrânia em potencial, ficou evidente.
Em 1984, o acerto entre britânicos e chineses previa que o território seria devolvido em 1997. A partir daí, 50 anos se passariam sob "um país" (a China) e "dois sistemas" (comunista no continente, capitalista liberal no território). "Foi uma relação sempre tensa, desde o começo. É preciso lembrar que os ingleses eram os inimigos na cabeça de muitos honcongueses, em especial aqueles que se deram bem financeiramente. Para quem só queria liberdade, contudo, acabou sendo a troca do inglês pelo han (etnia majoritária no continente, enquanto Hong Kong é 92% cantonesa)", diz John, um jornalista ocidental que mora há 30 anos na cidade e pede para usar um nome fictício.
A China foi favorecida. Hong Kong virou seu entreposto comercial com o mundo, com cerca de 65% do fluxo de investimentos estrangeiros para dentro e para fora do país passando por lá. O capitalismo altamente desregulado também tornou a cidade um centro financeiro internacional.
Turbulência sempre ocorreu, como em 2003 ou 2014, mas 2019 provou-se um marco porque foram mais de seis meses de crise aguda e com a interferência dos Estados Unidos. Hong Kong virou peça da Guerra Fria 2.0 promovida por Washington contra a assertividade de Xi, e em Pequim o controle rígido virou uma necessidade política.
Com isso, os "dois sistemas" foram erodidos, com a intervenção no Conselho Legislativo, que agora só pode eleger "patriotas", aspas compulsórias, e teve sua composição mudada para reduzir o acesso pelo voto direto. O Judiciário, cuja autonomia era peça central do arranjo, agora vê a polícia secreta chinesa operar livremente no território, e a lei draconiana levou centenas à prisão.
Como diz John, Hong Kong atualmente caminha para ser uma cidade chinesa como outras, embora seu DNA não permita isso de forma tranquila. Seu papel econômico segue importante, mas dividido: em 2021, apesar de ter registrado a maior entrada de investimento estrangeiro da história, ele era basicamente chinês.
E houve uma redução de seu peso relativo: antes a capital das IPOs (ofertas públicas de ações), Hong Kong registrou apenas 15 no primeiro trimestre deste ano, 90% a menos do que no mesmo período de 2021. Já as Bolsas de Xangai, Shenzhen e Pequim fizeram 85 de janeiro a março.
Economicamente, contudo, talvez Hong Kong resista e se reinvente nos moldes desenhados por Pequim. Do ponto de vista político, parece difícil acomodar as demandas. John afirma que a vitalidade que o atraiu como um jovem de 20 anos à cidade "se esvaiu completamente", sendo substituída por "tensão e desconfiança". "Não temos como ter esperança agora. Muitos dos honcongueses ilustrados foram embora. Outros estão presos. Acredito que as questões sociais e políticas não serão dissolvidas e vão ficar piores porque as pessoas com talento para resolver problemas foram embora", afirma Ho, que trabalha como chefe de comunicação de uma rede sindical galesa com 400 mil membros e quer ir estudar nos EUA no ano que vem.