"O Instituto de Artes da Ufrgs pede socorro", abre o vídeo de Carlos Völker-Fecher, diretor do Instituto de Artes (IA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, publicado no final de agosto. A manifestação foi motivada pelos mais recentes danos provocados pelas fortes chuvas que atingiram a Capital nos espaços do IA. Com problemas antigos no telhado, a água se infiltra frequentemente pelas dependências do prédio na Rua Sr. dos Passos, no Centro Histórico de Porto Alegre, e recentemente danificou instrumentos, projetos, equipamentos, e a pintura mural de Aldo Locatelli, peça preciosa do instituto, de 1958.
O diretor explica que, por ser um prédio antigo e histórico, a sede do Instituto demanda mão de obra especializada que nem sempre está disponível à Universidade, além de reformas intensas não só do telhado, mas da rede elétrica. "Nós temos um sistema de drenagem de calhas totalmente antiquado, que precisa ser revisto. O telhado teve até uma reforma há um tempo, mas continua alagando. Isso é um problema sério, porque é um vazamento em cima de uma rede elétrica, que é antiga e ainda não foi refeita. Nós passamos agora por um PPCI, que está incompleto e precisa de revisão", denuncia Völker-Fecher.
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Além da sede na Sr. dos Passos, que abriga os cursos de Música, Artes Visuais e História da Arte; o Departamento de Arte Dramáticas funciona na Rua General Vitorino e enfrenta os mesmos problemas de infraestrutura. Chico Machado, docente do curso de Teatro da Ufrgs, leciona no último andar do prédio e recentemente deixou de dar aulas por conta de vazamentos de água. "Os prédios são antigos, a estrutura é precária, então, sempre é preciso ter uma manutenção, e nem sempre se tem verba para isso."
Entre as dificuldades Departamento, Machado alerta que há pouco espaço para as atividades dos cursos, faltam equipamentos e há menos servidores do que o necessário, tanto na área administrativa, quanto na segurança.
"Os espaços de trabalho são insuficientes. São pequenos e estão lotados de alunos, alguns inadequados para o tipo de prática que as aulas necessitam, e parcialmente equipados. Têm o mínimo, às vezes, para dar uma aula. Não temos muitos dos equipamentos que precisamos ter", lamenta o professor. "Também necessitamos de mais seguranças terceirizados, pois a porta do Departamento de Arte Dramática dá diretamente para a rua, e ele tem sido assediado. Esses dias, soubemos de um caso em que alguém entrou lá e ameaçou assaltar as pessoas."
Gabriela Ventura, estudante de Interpretação Teatral e secretária do Centro Acadêmico do DAD, ressalta a falta de segurança: "Nossa portaria dá direto para a rua, e qualquer um pode entrar. Já aconteceram muitos assaltos a caminho da aula, além dos furtos dentro do Departamento."
Quanto à limpeza, Gabriela comenta que, por ter apenas uma funcionária responsável, os estudantes muitas vezes precisam fazer esse trabalho. De acordo com ela, o Centro Acadêmico organizou uma força-tarefa para limpar uma sala de depósito de objetos cênicos repleta de entulho, mofo e insetos mortos. "Nos colocamos totalmente em risco porque não tínhamos estruturas para lidar com o mofo: sem máscaras ou luvas, pegamos sacos de lixo para proteger as mãos e foi isso - mas não é nossa responsabilidade, aluno não deveria ter que fazer isso."
Segundo a aluna, falta espaço para aulas práticas e teóricas: muitas vezes, é preciso utilizar salas em outros campus, com outros cursos que não comportam as atividades. Para as aulas de teatro, argumenta que é preciso espaço, liberdade para falar alto, cantar e correr. Os alunos recebem queixas de barulho e mudam de sala e prédio com frequência. "Parece que é sempre nós que temos que nos adaptar a novos ambientes e nunca um ambiente é adaptado para nós", diz.
Comunidade acadêmica denuncia estrutura precária há mais de 20 anos
BRENO BAUER/JC
Transferência e ampliação de espaços
Entre as soluções propostas está a ampliação das atividades do Instituto para o antigo prédio da Faculdade de Medicina na Rua Sarmento Leite. Atividades parciais já ocorrem no local, que também necessita de reformas. Por meio de nota, a Reitoria da Ufrgs informou que "tem ciência das condições estruturais históricas de degradação do prédio ocupado pelo Instituto de Artes (IA) e mantém interlocução interna cotidiana com a direção do IA para encaminhar soluções, dentro dos limites operacionais e orçamentários da Universidade." A ação deve mitigar, em curto prazo, parte dos problemas existentes.
O diretor do Instituto informa que está procurando parcerias para financiamento. Na avaliação dele, a transferência para o espaço do ICBS é urgente - mas todas as propostas vão de encontro com a barreira do orçamento para reformas. "Temos um plano de ocupação de médio e longo prazo que está em curso, com negociações internas também dentro do Instituto em relação a essas ocupações, mas os espaços do ICBS ainda não estão prontos para receber outros cursos. Precisa de muita reforma no prédio: também tem infiltração do telhado, cupim nas madeiras. Poucos espaços estão disponíveis e mais ou menos adequados para ocuparmos."
O projeto de ocupação do ICBS pelas Artes existe há mais de 20 anos, em diferentes gestões. Em 1999, resolução do Conselho Universitário (Consun), órgão deliberativo máximo da universidade, já previa a cessão do espaço. Em 2009, um documento assinado pelo então reitor, Carlos Alexandre Netto, também prometia que 5 mil metros quadrados do prédio fossem ocupados pelo instituto quando o novo prédio do ICBS ficasse pronto – o que ocorreu em janeiro de 2022.
Para Völker-Fecher, a reitoria tem se mostrado dedicada às demandas do IA, mas negociações não se mostram suficientes. "Nós precisamos ter um lugar correto para se fazer arte. Nós trabalhamos com arte e não podemos trabalhar com arte num lugar feio, mal preparado, mal conservado", frisa.
Segundo o diretor do instituto, o prédio histórico na Sr. dos Passos não tem PPCI completo
BRENO BAUER/JC
Segundo o diretor do instituto, o prédio histórico na Sr. dos Passos não tem PPCI completo
BRENO BAUER/JC
Problemas crônicos do Centro Histórico
Algumas dificuldades do Instituto são herdadas do seu bairro, especialmente nas ruas que cercam os cursos de artes. Além da insegurança pública, os dois prédios registram recorrente infestação de escorpiões amarelos. Segundo a prefeitura, das 399 notificações do escorpião na Capital em 2024, 348 foram registradas no Centro Histórico. Em abril deste ano, uma professora do IA foi picada, o que levou a Ufrgs a fechar o local e suspender as atividades presenciais.
De acordo com o diretor, os prédios estão localizados numa área infestada, e mesmo com os esforços de hipermeabilização e detetização, e o cumprimento das normas da Vigilância Sanitária, o problema só pode ser solucionado com o apoio da prefeitura. "Temos feito todo um trabalho de controle, que tem tido sim um efeito. Agora, os bueiros da cidade estão lotados de escorpiões. E a nossa preocupação é que a Universidade está num meio urbano, que é a responsabilidade do município. É a responsabilidade do Estado pensar junto da gente soluções para isso", relata Völker-Fecher.
"O Instituto de Artes é um dos institutos mais sucateados de toda a Universidade", denuncia professor do curso de Teatro
BRENO BAUER/JC
Valorização da arte na Universidade
A cada ano cresce a procura e interesse pelos cursos de artes da Ufrgs. No entanto, novas ações e projetos encontram a falta de incentivo. "A reitoria tem se mostrado sensível, mas sabemos que muito desses problemas vem justamente da escassez de recursos e de verbas reduzidas, não só para Ufrgs, mas para Universidades Federais em geral", diz Machado. "A presença dos cursos de arte sempre serve e aparece nos discursos que enaltecem o status da Universidade, que apregoam civilidade, grau elevado cultural, etc. Mas, na prática, esses discursos não revertem em termos de condições materiais e físicas. O Instituto de Artes é um dos institutos mais sucateados de toda a Universidade."
Para o diretor do IA, as condições dos espaços estão ligadas à desvalorização da área como um todo. "Quando a coisa está difícil no país, a primeira coisa a sofrer é a arte. A primeira coisa de onde se vai tirar dinheiro, se vai cortar recurso, é a arte. Quando as coisas começam a ficar boas, e a dar certo, a última coisa a ser beneficiada é a arte."
Völker-Fecher afirma que é preciso que os cursos de arte sejam valorizados para além de filtros econômicos. Para ele, o conhecimento de artes é necessário à sociedade e a construção intelectual e cultural do País. "Isso aqui é um lugar de potência. Nós queremos ter acesso a uma outra camada, a uma outra forma de viver, a uma forma mais artística para discutir questões mais sensíveis, que não temos em outros cursos. A faculdade de História, a faculdade de Filosofia, a faculdade de Música, de Artes Visuais, de Teatro, é uma procura talvez não por mercado, mas por entendimento de acesso a novas produções, novas ideias, novas dimensões humanas."