Tornou-se rotina em voos domésticos o anúncio de companhias aéreas de que, por falta de espaço na aeronave, alguns passageiros serão obrigados a despachar a bagagem de mão, de acordo com a fileira onde irão sentar. Isso acontece já na área de embarque, poucos minutos antes do horário de partida, mesmo quando a mala atende às dimensões e peso previstos pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Como o fato vem levantando dúvidas sobre a legalidade e os critérios utilizados pelas companhias, o Jornal do Comércio procurou as principais empresas aéreas do País para esclarecer como funciona o procedimento e conversou com um especialista em Direito do passageiro para entender o que está previsto na legislação.
A Latam Airlines Brasil afirmou que atua em conformidade com as recomendações da Anac. Segundo a companhia, o despacho da mala de mão é solicitado quando ela estiver fora dos padrões da agência ou se não houver espaço suficiente nos compartimentos superiores da cabine. Pela Resolução nº 400 da Anac, a franquia mínima de bagagem de mão é de 10 quilos, e a restrição só pode ocorrer por razões de segurança ou capacidade da aeronave.
A Latam reforça que malas pequenas dentro do padrão - até 55 cm de altura, 35 cm de largura e 25 cm de profundidade - podem ser despachadas gratuitamente caso falte espaço na cabine. A empresa destaca que a regulamentação autoriza a limitação do transporte de bagagem na cabine por ausência de espaço e que o passageiro deve seguir as cláusulas do Contrato de Transporte Aéreo, em especial o capítulo que trata das responsabilidades do cliente.
Já a Gol informou que o passageiro pode embarcar com até dois volumes: uma mala de mão de até 10 quilos e um item pessoal, como mochila ou bolsa. Antes do embarque, a empresa diz convidar os clientes a despacharem voluntariamente e sem custo as bagagens de mão.
No entanto, por questões operacionais ou de segurança, os passageiros que embarcam nos grupos 5, 4 e 3 podem ser obrigados a despachá-las gratuitamente ainda na sala de embarque. A companhia acrescenta que, se não houver espaço disponível a bordo, as malas são transportadas no compartimento de bagagens sem cobrança adicional.
A Azul foi questionada, mas não respondeu até a publicação desta matéria.
Especialista avalia prática
Para o advogado Rodrigo Alvim, especialista em direito dos passageiros aéreos, a medida tem relação direta com a logística de embarque e a permanência da aeronave conectada ao finger (estrutura para embarque). “Quase nenhum avião no mundo comporta uma mala de cabine para cada passageiro. Se todos levarem, não cabe. Então, as empresas presumem que quem embarca por último não terá espaço. Isso evita atrasos e retrabalhos, como etiquetar malas já dentro do avião e levá-las ao porão”, afirma.
Segundo Alvim, a prática não é exatamente ilegal, mas também não está expressamente prevista como legal. “A companhia tem autonomia para definir as regras de bagagem, desde que respeite a franquia mínima da Anac e só restrinja o embarque da mala se realmente não houver espaço. Se essa condição não estiver presente, o despacho obrigatório pode ser questionado”, explica.
Nesse sentido, o advogado recomenda que o passageiro que não estiver em grupo prioritário e for orientado a despachar a bagagem peça para verificar se não há, de fato, espaço no compartimento. Caso o despacho seja inevitável, ele orienta filmar a mala por dentro e por fora, retirar objetos de valor e, se possível, registrar imagens da cabine. “Se houver espaço e mesmo assim exigirem o despacho, isso fortalece uma contestação futura”, afirma.
A Anac, em seu portal oficial, reforça que as dimensões e peso da bagagem de mão são padronizados e que o transporte gratuito de até 10 quilos na cabine é um direito do passageiro. No entanto, ressalta que a alocação da bagagem está condicionada à disponibilidade física a bordo e que, em casos de espaço insuficiente, o transporte no porão deve ser feito sem custo adicional.
Na prática, a definição de quem terá a mala transportada no porão recai, muitas vezes, sobre critérios de embarque e prioridade. Passageiros que viajam nas primeiras fileiras ou fazem parte de grupos com embarque antecipado têm mais chances de garantir espaço para a bagagem na cabine. Quem embarca por último, especialmente em voos lotados, costuma ser o mais afetado.