Primeira centenária na história da família, ela não pôde depender da genética para chegar aos 102 anos de idade, completos em 26 de julho. Nascida na cidade de Caçapava do Sul, Anna Jandyra Alves da Fontoura Rodrigues morou em muitas cidades pelo Brasil até estabelecer-se em Porto Alegre. Dona de uma longa trajetória tal qual seu nome, ela é capaz de mostrar que mesmo com as limitações que o tempo trouxe, é possível aproveitar os pequenos detalhes que a vida oferece.
Na terceira e última reportagem da série “Os centenários de Porto Alegre”, que conta os segredos da longevidade de personagens da Capital que já chegaram, ou estão chegando, aos 100 anos de idade, o Jornal do Comércio conversou com Jandyra.
Sozinha ela não fica. O apartamento em que reside costuma estar repleto de vida. A reportagem foi recebida por diversas pessoas no dia da entrevista. A senhora mora com duas filhas e ainda conta com a presença das cuidadoras que se dividem para cobrir os horários, além, claro, das constantes visitas de outros familiares, como sua neta Marina e o bisneto Caíque.

Jandyra com a filha Ana Helena, a neta Marina e o bisneto Caíque
TÂNIA MEINERZ/JC
Jandyra é do mundo!
Por ter se casado com um militar, teve de acompanhar o marido nas diversas mudanças que ocorreram por conta de seu trabalho. “Morei em Uruguaiana, morei em Alegrete, em Santiago, em Campinas, no Rio de Janeiro, em São Paulo e também em Minas Gerais, mas há décadas fiz de Porto Alegre o meu lar”, relembra Jandyra, que apesar da extensa lista, não esquece de nenhuma das cidades por onde já passou. Aliás, a sua memória é um detalhe a ser ressaltado. Lembra em detalhes de acontecimentos que se passaram muito antes de alguns que leem esse texto terem sequer nascidos.
Antes do casamento era professora do “ginásio”, o que hoje seria equivalente ao ensino fundamental II. Após o nascimento dos filhos, tornou-se mãe e dona de casa em tempo integral, algo extremamente comum à época. Teve cinco filhos: um mineiro, duas gaúchas e dois cariocas. “A minha preocupação como mãe era sempre ser justa, nunca fui explosiva, sempre pensava antes de fazer ou dizer algo a eles”, recorda.
É na poltrona que tudo acontece
No início, talvez por ser uma manhã de segunda-feira, Jandyra mostrava estar com aquele leve mau- humor característico deste dia da semana. “A minha rotina hoje em dia é só essa cadeira. Agora gosto de assistir tv porque não tenho coisa para fazer. Ouço pouco, enxergo pouco. As conversas, se não são diretamente comigo, eu não participo já que não escuto”, lamenta.
Entretanto, recebeu uma chamadinha de atenção e logo mudou o semblante. “Ô, vó! Fala do tricô, fala das palavras cruzadas, fala dos teus bisnetos, dos teus netos, dos esportes...”, pede a neta Marina. Aquilo foi o suficiente para virar a chavinha e colocar um sorriso discreto no rosto da senhora. “É verdade, duvido quem tenha tido tanta neta bonita. Eu tenho 10 netos e 12 bisnetos. As netas são lindas, todas”, diz Jandyra, orgulhosa.

O sorriso leve é uma das características de Jandyra
TÂNIA MEINERZ/JC
E ali, no fim da frase dita pela neta, encontra-se outra grande paixão da senhora de 102 anos: os esportes. Gosta bastante de assistir vôlei e tênis e até praticou na juventude, mas o seu grande amor mesmo é o futebol. “Eu assisto todos os jogos que passam na tv, todos”, diz. Apesar de gostar do esporte por si só, tem um time que faz o coração bater mais forte: o Sport Club Internacional. “Eu sou colorada porque meu pai era colorado. Ele fez parte da diretoria do Inter. A minha madrasta também era colorada, os velhinhos não perdiam um jogo”, conta.

Jandyra segurando o presente que recebeu no seu centésimo aniversário
TÂNIA MEINERZ/JC
Talvez o ápice da entrevista foi quando a trouxeram sua camisa do Inter. A empolgação tomou conta do apartamento. Tradicionalmente vermelha, com seu nome na parte de trás, acompanhada do número 100, o uniforme colorado foi um presente que ganhou no seu centésimo aniversário. “A única pessoa mais colorada que eu é meu fisioterapeuta. Ele tem todas as camisetas, compra todas. Essa aqui foi ele quem me deu. Ele é maníaco, é fanático”, afirma Jandyra aos risos.
Apesar do clube estar atravessando uma fase complicada, ela não perde a esperança na melhora e segue acompanhando o “Clube do Povo”, não mais do estádio Beira-Rio, mas sim da poltrona de casa, que costuma fazer de arquibancada.
Quem ama vive mais
O que para muitos é uma incógnita, para a senhora também parecia ser. “Eu também não sei qual é o segredo, não sei por que eu estou vivendo tanto. Eu acho que Deus ainda tem alguma missão para mim”, diz Jandyra, que afirma ser a última remanescente da sua geração da família e também do grupo de amigas.
Ela diz não saber o motivo, mas à medida em que vai contando sobre seus hábitos, a resposta se materializa a cada frase. “Eu fui sempre gordinha na juventude”, aponta. Entretanto, isso não era sinônimo de má alimentação, muito pelo contrário. “Sempre comi comida de verdade, sempre tinha uma salada, feijão, arroz, uma carne e às vezes uma sobremesa. Desde solteira sempre cozinhei, então era tudo muito caseiro”, destaca a senhora.
Dona Jandyra sempre esteve em movimento. Isso é um dos motivos que dificulta a adaptação a uma vida de menos mobilidade. Outro hobby que sempre carregou consigo é a caminhada. “Toda minha vida gostei muito de movimento. Sempre caminhei muito, até pouco tempo atrás ainda ia para a rua me exercitar. Às vezes o sol estava recém nascendo e eu já estava saindo para a Redenção”, descreve.

Hoje utiliza o anadador para ajudar na locomoção
TÂNIA MEINERZ/JC
Hoje ela precisa de ajuda para melhorar sua mobilidade, e é aí que entra a fisioterapia. Pelo menos duas vezes por semana, recebe o profissional, que além de colorado doente, é o responsável pela saúde motora de Jandyra. “Durante as sessões, eu costumo descer e caminhar um pouco, mas eu não gosto muito, porque a minha perna está ruim. Eu adoro fazer exercícios com os braços e com as pernas estando sentada. Quanto mais eu repito o movimento, mais fácil ele fica e assim eu vou melhorando aos pouquinhos”, discorre ela.
Além das formas mais tradicionais de cuidar da saúde, ela possui um grande aliado no envelhecimento de qualidade: o amor. Ele é tão grande que transcende as paredes de concreto. Com o apartamento cheio, ela divide suas alegrias, aflições e dificuldades com a família, que é, com o perdão do clichê, uma grande família, literalmente.

O ambiente familiar é fundamental no apoio à Jandyra
TÂNIA MEINERZ/JC
Os filhos, netos e bisnetos têm o poder de transformar até o dia mais comum em algo extraordinário. “Agradeço a Deus todos os dias por chegar nessa idade sendo feliz”. Não se pode dizer que existe uma maneira correta de se envelhecer. Mas caso exista, muito provavelmente, o caso da senhora seria um exemplo disso. A vida de Anna Jandyra Alves da Fontoura Rodrigues, que carrega consigo um coração ainda maior que o nome, é apenas uma das muitas histórias dos centenários que residem em Porto Alegre. Quem sabe outras histórias não possam ser contadas daqui para frente.