Disciplina, bom-humor, natação e recordes. É impossível não associar essas quatro palavras ao centenário Anton Karl Biedermann. Nascido em 22 de setembro de 1924, o empresário rio-grandino fez de esporte aquático seu maior aliado ao longo dos anos. A independência impressiona. Apesar de morar com a filha, gosta de fazer tudo sozinho. Circula por todos os ambientes do condomínio que reside, e coleciona os elogios recebidos por vizinhos e funcionários do prédio. Por ali é impossível encontrar algum morador que não conheça o “seu Biedermann”.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio Grande do Sul tem 1.536 pessoas com mais de 100 anos de idade. Destas, 325 estão em Porto Alegre. Na primeira das três reportagens da série “Os centenários de Porto Alegre”, que conta os segredos da longevidade de personagens da Capital que já chegaram, ou estão chegando, aos 100 anos de idade, o Jornal do Comércio conversou com Biedermann.
Biedermann enquanto fazia seu treino na piscina do condomínio
TÂNIA MEINERZ/JC
Sua história com o esporte começa ainda na infância. Ao mudar-se para a cidade de Guaratinguetá, no interior de São Paulo, em meados de 1930, começou a frequentar o clube da região, influenciado pelos filmes do Tarzan, que à época era interpretado Johnny Weissmüller, nadador cinco vezes campeão olímpico.
“Eu me deliciava vendo aqueles filmes, os crocodilos nadando com velocidade atrás dele e ele sendo mais rápido que os animais. Aquilo era uma paixão de guri mesmo. Eu pensei... um dia eu preciso nadar assim”, lembra. Anos depois, já adolescente, veio morar em Porto Alegre; conheceu o Grêmio Naútico União (GNU) e, dali, nunca mais saiu, presidindo o clube, no qual é patrono desde 2001, por quatro gestões.
Além da história de décadas, é preciso ressaltar as conquistas que teve pelo clube. Ao longo da longeva carreira nas piscinas, acumulou no currículo impressionantes 255 medalhas de ouro em provas individuais. Como se não fosse o bastante, em 2024 bateu o recorde mundial nos 50 metros costas na categoria 100+, com o tempo de 1m9s, em prova realizada em Caxias do Sul. Alguns anos antes, também bateu o recorde mundial nos 50 metros costas, desta vez na categoria 95+.
A sua maior especialidade é o nado costas
TÂNIA MEINERZ/JC
Rotina de um campeão
O dia começa cedo, antes do sol nascer. Ele costuma acordar entre 5h30min e 6h, e logo parte para seus alongamentos diários, seguidos do seu café da manhã reforçado. Depois da digestão, começa as atividades físicas do dia. Acompanhado de um personal trainer, fica mais de uma hora na academia do prédio. Revezando entre a esteira, a bicicleta, os equipamentos e os pesos, prepara o corpo para a parte mais gostosa do dia, a natação. “Não gosto muito de fazer academia, meu negócio é nadar mesmo”, diz aos risos.
Apenas alguns metros de distância da academia, encontra-se a piscina. Recebeu a equipe do Jornal do Comércio preparado. Já estava com a roupa de banho por baixo do agasalho. Colocou os óculos e partiu para água. Tinha consigo uma touca cinza que homenageava o GNU, clube de seu coração, mas após dificuldades para colocá-la na cabeça, desistiu.
Em movimentos nitidamente naturais de alguém que sabe o que está fazendo, desfilou na piscina intercalando o nado de costas com o crawl. Fazia aquilo com uma facilidade tão impressionante que parecia um menino de 20 anos no auge do vigor físico. A impressão era que estava no seu lugar favorito no mundo, o sorriso de orelha a orelha evidenciava tal afirmação. Com raras exceções, costuma ir para piscina todos os dias. Segundo ele, nada de 1400 a 2000 metros. Caso vá todos os dias, pode chegar a até 14 km nadados semanalmente.
Apesar de levar um estilo de vida bastante saudável, já sofreu com problemas de saúde bastante severos. “Tenho duas pontes de safena e uma mamária no coração, isso tudo agravado pela diabetes que eu tenho desde os 60 anos. Além disso, tive outras intercorrências menores, mas nunca me deixei abater ou paralisar por conta disso”, explica Biedermann.
Porém o pior dos problemas foi a fratura do fêmur aos 97 anos de idade. Por si só esta já é uma lesão complicada; com a idade que tinha, poderia ser até fatal. “À época, me disseram que eu precisava operar até 48 horas depois da fratura, caso contrário poderia causar até mesmo minha morte. No fim das contas deu tudo certo, 15 dias depois já estava na piscina”, rememora o nadador.
O segredo da longevidade
Talvez esse seja o questionamento que mais recebeu ao longo da vida: qual o segredo? Os curiosos veem nele um exemplo a ser alcançado. No fim das contas, não existe mistério, fórmula mágica ou fonte da juventude. Tudo se resume ao hábito. O senhor de 100 anos alega que desde pequeno foi influenciado pela mãe a manter uma vida saudável. “Comíamos de tudo, bastante frutas, saladas e pouca coisa industrializada. Além disso, o esporte, juntamente com a prática da leitura e a exposição ao ar puro, transformaram minha saúde”, explica.
Os sorrisos são corriqueiros enquanto ele está na água
TÂNIA MEINERZ/JC
Sempre conciliou a vida de atleta com o lado empresarial. Economista, contador e administrador de empresas, presidiu a Federasul e a ACPA, comandou também o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae RS). Em sua trajetória profissional, sempre ressaltou a importância do exercício físico aliado à rotina. “Com a circulação do sangue ativada, evidentemente que o cérebro é beneficiado. Na prática esportiva é necessário raciocinar rápido, desenvolvendo nossa parte mental. Sempre terminava minhas palestras recomendando a prática de atividade física, seja ela qual for. Geralmente a resposta da plateia era quase que unânime: 'eu não tenho tempo'. Pelo amor de Deus, levanta meia hora mais cedo e dá uma volta na quadra que já está cumprido o trabalho”, salienta Biedermann.
Para filha Rosane Biedermann, o pai sempre foi a personificação da disciplina. Desde cedo incentivou todos os filhos a ingressaram no mundo esportivo. “Para ele e para nossa família, a natação representa estímulo; estímulo para querer algo mais. Independente da dificuldade da rotina, ele ensinou que a saúde sempre deve ter um espaço especial no nosso dia”, afirma Rosane.
Biedermann conta com uma equipe médica que o acompanha de perto e faz exames de rotina com frequência. Os médicos afirmam que ele ainda tem “lenha para queimar” e alguns anos bons de vida. Para o futuro, o atleta deseja apenas ter saúde para manter a rotina que tanto gosta. Para aqueles que visam um envelhecimento de qualidade, ele faz um alerta.
“Há uma diferença muito grande entre qualidade de vida e regime de vida. Não podemos exagerar, mas viver 100% regrado é impossível. Doenças e dificuldades fazem parte do processo, o importante é não parar. Permitam-se viver, mas não esqueçam do maior bem que temos: nosso próprio corpo”, recomenda o senhor de quase 101 anos que há décadas fez das raias suas maiores companhias.