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Publicada em 13 de Julho de 2025 às 15:00

Entre paralelos e dissonâncias, mãe e filho encaram desafios e vitórias do TDAH

Márcia Ximendes Ortega, de 55 anos, e Gabriel Ximendes Ortega, de 23 anos, foram diagnosticados com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)

Márcia Ximendes Ortega, de 55 anos, e Gabriel Ximendes Ortega, de 23 anos, foram diagnosticados com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)

BRENO BAUER/JC
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Luana Pazutti
Luana Pazutti
Até que ponto um diagnóstico te define? Márcia Ximendes Ortega, de 55 anos, e Gabriel Ximendes Ortega, de 23 anos, têm mais em comum do que apenas o sangue e os sobrenomes. Mãe e filho foram diagnosticados com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Um nos meados da vida adulta, e o outro ainda nos primeiros respiros da adolescência. 
Até que ponto um diagnóstico te define? Márcia Ximendes Ortega, de 55 anos, e Gabriel Ximendes Ortega, de 23 anos, têm mais em comum do que apenas o sangue e os sobrenomes. Mãe e filho foram diagnosticados com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Um nos meados da vida adulta, e o outro ainda nos primeiros respiros da adolescência. 
Neste domingo (13), Dia Internacional do TDAH, Márcia e Gabriel partilham os desafios e as conquistas de uma jornada de "mão dupla", repleta de afeto e autoconhecimento.
Antes tarde do que nunca
“Se eu tivesse descoberto antes, eu seria uma pessoa bem diferente. Não teria desistido de tantas coisas no caminho”, destaca Márcia. A artesã foi diagnosticada com TDAH em 2010, quando tinha 40 anos. Na época, ela já era mãe do Gabriel e da Laura.
“Sempre me disseram que eu tinha depressão e não TDAH. Acho que levou muito tempo para se ouvir falar e, principalmente, para as pessoas aceitarem o déficit de atenção”, explica.
Ainda que tardia, a chegada do diagnóstico foi um divisor de águas na vida de Márcia, que enfrentou muitos desafios durante a infância e a adolescência. “Na escola, eu era a criança que precisava prestar muita atenção nas aulas e, mesmo assim, quando chegava em casa, já tinha esquecido tudo”, completa.
Desde que iniciou o tratamento, Márcia conseguiu levar adiante projetos que estavam parados na estante e realizar sonhos que jamais imaginou ser capaz. A nova fase abriu portas inclusive para revisitar antigos hobbies, como o tricô.
Quando pequena, ela costumava tricotar roupas com a mãe no sofá de casa. Era quase uma tradição de inverno. Há pouco tempo, a artesã começou um curso de tricô junto com a sua filha mais velha e percebeu que não lembrava nem como pegar a agulha.
“Tem coisas que parece que eu apaguei da memória, e acho que isso tem muita relação com déficit”, destaca. Apesar dessas adversidades, para Márcia, o maior obstáculo foi o preconceito que enfrentou, até mesmo, dentro da família.
Mas, que história é essa?
Não são só crianças que têm déficit de atenção? De onde que existe adulto com TDAH? Você está inventando isso como desculpa, não é? Essas foram algumas das perguntas que Márcia ouviu quando recebeu o diagnóstico.
“Eu acho que o preconceito das pessoas nos afeta muito mais do que o transtorno”, aponta Márcia. Na época, além dos estigmas, havia um problema ainda maior: a desinformação. Além de não se falar abertamente sobre saúde mental, era muito difícil encontrar informações sobre o tema online.
Embora o cenário estivesse mudando desde o início do século XXI, os avanços em relação ao TDAH ainda caminhavam a passos lentos. E, a maioria dessas lacunas ainda persistiam cerca de dois anos após o diagnóstico da artesã, quando ela começou a desconfiar que o filho poderia ter a mesma condição.
Poucos anos após o seu diagnóstico, Márcia começou a desconfiar que o filho também poderia ter TDAH | BRENO BAUER/JC
Poucos anos após o seu diagnóstico, Márcia começou a desconfiar que o filho também poderia ter TDAH BRENO BAUER/JC
A última hipótese
“Eu era muito pequeno pra lembrar, devia ter uns 10 ou 12 anos. Muito do que eu sei da época não vem de memórias minhas, mas sim do relato das outras pessoas”, explica Gabriel.
Quando estava no sexto ano do Ensino Fundamental, o estudante começou a ter problemas de relacionamentos na escola. Junto disso, vieram também episódios de síndrome do pânico. Foi aí, que seus pais, junto de um psicólogo, decidiram buscar um psiquiatra infantil.
“Eu era uma criança muito emotiva. Era muito chorão. E, daí chegou um momento que isso pesou muito. Eu não quero mais voltar para a escola”, afirma o jovem.
Após uma bateria de entrevistas e exames neurológicos, veio o diagnóstico. O TDAH foi a última hipótese que os médicos levantaram. “Quando o Gabriel foi diagnosticado eu senti uma força muito grande em mim, porque eu entendi de que maneira eu ia ajudar ele, e era exatamente com as coisas que eu passei”, destaca Márcia.
Para o estudante de Jornalismo, o apoio da família foi essencial. Inicialmente, houve quem apresentasse certa resistência ao laudo, mas, com o tempo, os resultados do tratamento se tornaram nítidos. E, os pais lutaram para garantir que o filho tivesse a sua condição validada, especialmente, na escola.
Embora ainda não soubesse o que ter TDAH significava, ele próprio foi quem mais sentiu as mudanças. “Depois de um tempo, eu entendi que o tratamento fazia com que eu não sentisse aquilo ali que vinha pesando tanto. Eu me tornei mais atento e, ao mesmo tempo, menos emotivo e irritado”, afirma.
No entanto, junto com as vitórias, veio também o outro lado da moeda: uma nova leva de estereótipos. O menino que, por muito tempo, foi tachado de “desatento”, se tornou o “adolescente defeituoso que precisava de remédio para prestar atenção”.
Mesmo assim, Gabriel destaca que isso não o abalou. Pelo contrário, o tratamento lhe permitiu olhar a partir de nova perspectiva para atividades que antes não prendiam a sua atenção, como a leitura e a matemática. Mesmo que tivesse que tentar mais do que as outras crianças, Ortega se viu disposto a perseguir novos desafios.
Juntos, mas separados
Uma mãe com TDAH de um filho com TDAH. Esse é só mais um paralelo de uma história recheada de semelhanças e, ao mesmo tempo, de diferenças. Ambos começaram o curso de História na faculdade, mas trancaram o curso por motivos diferentes.

Márcia deixou os estudos, porque não conseguiu lidar com a pressão da rotina. Além da faculdade, ela trabalhava em dois empregos e ainda não tinha o diagnóstico em mãos. Já o filho, deixou a História para seguir outra paixão: o Jornalismo. Hoje, Ortega já está na metade do curso na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para Gabriel, o apoio da família foi essencial quando descobriu o diagnóstico | BRENO BAUER/JC
Para Gabriel, o apoio da família foi essencial quando descobriu o diagnóstico BRENO BAUER/JC


O transtorno, por si só, não se manifesta da mesma maneira para todas as pessoas. E, no momento em que cada um recebeu o diagnóstico também cria dissonâncias. Mãe e filho contam que costumam inclusive se incomodar com alguns comportamentos um do outro. Mas, se há uma certeza, é que ter alguém do lado faz diferença.

“Uma característica do TDAH é que, às vezes, a gente não consegue enxergar as nossas vitórias. A gente sempre vê a parte ruim. A parte boa, a gente não consegue. Eu tento sempre lembrar o Gabriel do orgulho que ele me traz”, afirma Márcia.

No limbo entre o ser e o ter
Para Gabriel, falar sobre transtornos também é falar sobre como cada pessoa é singular. “Nos dias de hoje, se tu falar ‘ah, eu tenho TDAH’, a outra pessoa vai responder ‘ah, ok’. E, acabou aí, essas quatro letras já são suficientes para te definir, quando não é bem assim”, explica. Para o estudante, é preciso buscar mais entendimento, ao invés de enxergar o transtorno como uma simples "bengala".
E, essa conscientização deve ir além do Dia Internacional do TDAH, que acontece neste domingo (13). "Hoje e sempre, o principal é que as pessoas consigam se entender, se aceitar. E, que os outros também aceitem a gente da maneira que a gente é. Digamos assim, a gente é só um pouquinho mais lento do que os outros”, brincou Márcia. 

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