Presente na vida de 5% a 8% da população mundial, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) ainda precisa percorrer uma longa trajetória para combater estigmas e incentivar a busca por tratamento.
No próximo domingo (13), é celebrado o Dia Mundial de Conscientização do TDAH, uma data instituída para fomentar a conscientização e o conhecimento acerca do transtorno. E, foi pensando nisso, que o Jornal do Comércio conversou com o psiquiatra Marcelo Schmitz, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre.
O médico é um dos coordenadores do Programa de Déficit de Atenção e Hiperatividade (ProDah), uma parceria entre o Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e a Universidade. Criada em 2000, a iniciativa reúne uma equipe multidisciplinar dedicada à pesquisa, ensino e atendimento do TDAH em todas as faixas etárias.
O Programa de Déficit de Atenção e Hiperatividade (ProDah) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) é referência em Porto Alegre
TÂNIA MEINERZ/JC
Jornal do Comércio - O que é o TDAH? Quais são os sintomas?
Marcelo Schmitz - O transtorno se caracteriza por alterações de atenção, hiperatividade e impulsividade. Os principais sintomas são dificuldade de concentração, facilidade em perder o foco e desorganização. A pessoa não consegue ficar envolvida em atividades por muito tempo, principalmente em atividades que não são prazerosas. Às vezes, os pais dizem que o filho não tem TDAH, porque consegue ficar cinco horas no videogame. Mas, isso é porque ele tem prazer nessa atividade, então ele consegue ficar envolvido. Isso vale para qualquer um de nós: quanto mais prazerosa for a atividade, mais a gente consegue focar naquilo.
JC - Quais são as causas para o transtorno?
Schmitz - O que se sabe hoje em dia é que há uma combinação de fatores genéticos e fatores ambientais. Ou seja, a pessoa pode ter uma carga genética mais favorável para o desenvolvimento do transtorno, mas não necessariamente isso significa que ela terá o transtorno, depende também da interação com o ambiente.
JC - Como é feito o diagnóstico?
Schmitz - O diagnóstico é basicamente clínico. Não existe um exame de imagem ou um exame físico que nos diga que o paciente tem Déficit de Atenção e Hiperatividade. É aí que entra o papel do profissional de saúde. Ele precisa ter uma noção muito apurada de desenvolvimento normal na infância e adolescência, até mesmo para o diagnóstico em adultos.
JC - O transtorno pode ser confundido com outras condições?
Schmitz - Sim, porque desatenção e hiperatividade são sintomas. É como uma febre. Eu posso ter febre porque eu estou com uma gripe, mas também posso ter febre porque eu estou com pneumonia. As manifestações são as mesmas, o que muda é a causa. A partir dos sintomas, temos que poder separar o que é, até porque o tratamento costuma ser bastante diferente.
JC - Tem alguma idade ideal para diagnosticar o TDAH?
Schmitz - A partir dos quatro anos e meio, a gente tem mais garantia quanto ao diagnóstico de TDAH. A partir daí até a vida adulta, há possibilidade de diagnóstico. Pesquisas recentes mostram que existe mais de um tipo de TDAH. Tem casos em que o transtorno vai diminuindo de intensidade com tempo. Tem outros que o quadro vai se agravando. Isso pode oscilar. De modo geral, há uma tendência de que em torno de 40% das crianças permanecerão com sintomas na vida adulta.
JC - Como é o tratamento do TDAH?
Schmitz - O tratamento do TDAH, na sua essência, é medicamentoso. Há abordagens não medicamentosas que estão em estudo, mas até agora não mostraram o mesmo efeito do uso das medicações.
JC - Tem alguma maneira de prevenir o TDAH?
Schmitz - O TDAH depende da interação genética com o ambiente. Um ambiente favorável poderia, de certa maneira, prevenir o surgimento do sintoma. Mas, o que é um ambiente favorável? Um exemplo é quando um pai e uma mãe fazem os temas junto com a criança, ajudam a organizar o material da criança, fazendo com que esse processo não dependa só dela. Afinal, o TDAH é uma disfunção executiva. Se um adulto ajuda nesse processo de organização, é possível postergar a apresentação dos sintomas.
JC - Quais são os principais impactos que o transtorno costuma provocar no cotidiano?
Schmitz - Em crianças, a gente percebe dificuldades de interação social. Quando a criança é muito hiperativa, o convívio pode ser mais difícil. A falta de capacidade de se concentrar nas conversas também contribui para isso. As pessoas normalmente percebem que a gente está desfocado. Na adolescência, por exemplo, há o envolvimento em atividades de risco. É muito comum que os adolescentes transformem essa hiperatividade em alguma coisa produtiva, que gaste energia. Estudos têm demonstrado também um maior envolvimento com drogadição. Já adultos têm maior envolvimento em acidentes de trânsito e, geralmente, têm mais dificuldade de chegar na universidade. Muitas vezes, desistem da escola porque começam a ser tachados de preguiçosos.
JC - Embora seja cada vez mais popular, a condição ainda é alvo de muitos preconceitos. Quais são os principais estigmas em torno do TDAH?
Schmitz - Em saúde mental, de modo geral, há muitos estigmas na sociedade. Para o TDAH, há uma ideia bastante difundida de que há uma “pressão da indústria farmacêutica” para que se faça mais diagnósticos. Isso, em parte, acontece. Mas, não quer dizer que seja responsável pelo aumento da quantidade de diagnósticos. A gente tem que lembrar também que há uma divulgação muito maior nas últimas duas décadas, então é normal que se faça uma quantidade maior de diagnósticos. Também tem o estigma do tratamento, porque envolve medicações que normalmente são estimulantes. E, as famílias, às vezes, ficam muito preocupadas com alguns preconceitos em relação ao uso das medicações. Mas, quando elas são bem usadas, com cautela e com orientação, os resultados são muito positivos.
JC - O TDAH é transtorno ou doença?
Schmitz - Na medicina, normalmente, a gente usa a expressão doença quando há uma alteração orgânica. Em uma pneumonia, por exemplo, o pulmão está com infecção, tem bactérias ali dentro. Isso muda, inclusive, a apresentação da imagem do pulmão no Raio-X. Com o TDAH, a gente não tem clareza sobre isso. Na psiquiatria, em geral, a gente não fala de depressão, mas sim de transtorno depressivo, porque não tem esse marcador orgânico.
JC - O TDAH tem cura?
Schmitz - O que se acredita é que o TDAH vai ser "curado" pelo desenvolvimento. À medida que o cérebro vai se maturando, aquelas áreas cerebrais que são responsáveis pela manifestação dos sintomas do TDAH vão atingindo um equilíbrio de maturidade até chegar ao ponto do paciente não ter mais o quadro. Isso pode acontecer em dois ou dez anos, assim como pode nunca acontecer.
JC - No Brasil, há algum tipo de política pública voltada aos portadores de TDAH?
Schmitz - Eu vejo que há um movimento muito positivo, inclusive com legislações específicas. Na hora do vestibular, por exemplo, eles podem ter um período maior para fazer a prova. Também podem ficar em uma sala separada, que seja mais silenciosa. As escolas estão mais atentas a isso, procurando ajudar os pacientes nessa elaboração das tarefas. O próprio ProDah, aqui no hospital, também não deixa de ser uma iniciativa pública de atendimento.
JC - Qual é a importância de fomentar a conscientização sobre o transtorno não apenas no Dia Internacional do TDAH, mas em todos os outros também?
Schmitz - É importante mostrar para as pessoas que tem gente olhando para elas. Tem gente preocupada com isso, trabalhando em instituições públicas e gerando conhecimento. A gente sabe que existe um problema muito grande em saúde pública no Brasil, que é o subdiagnóstico do transtorno. Essa data também serve para lembrarmos disso. Quando eu fiz o meu doutorado, a gente identificou 100 crianças de escolas públicas da rede estadual que tinham o diagnóstico. Somente três delas estavam tratadas. É muito pouco. Acho que essa data serve para isso: marcar o quanto já se caminhou até agora para beneficiar os pacientes com déficit de atenção, mas o quanto ainda precisa ser feito.