Anunciado no final de junho pelo governo federal como forma de reduzir preços nas bombas e fortalecer a matriz energética nacional, o aumento na mistura obrigatória de etanol na gasolina e de biodiesel no diesel gera reações distintas entre especialistas e profissionais da área automotiva. Enquanto o meio acadêmico e a indústria destacam ganhos ambientais e econômicos, oficinas mecânicas relatam impactos já percebidos em veículos, sobretudo os mais antigos e menos preparados para as mudanças.
A partir de 1º de agosto, a proporção de etanol na gasolina passará de 27% para 30%, o chamado E30. No caso do diesel, o percentual de biodiesel sobe de 14% para 15%, configurando o B15. Segundo a União, a medida, aprovada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), deve estimular a economia, reduzir emissões e ampliar a autossuficiência brasileira em combustíveis. Estima-se que o litro da gasolina possa ficar até R$ 0,20 mais barato, com expectativa de R$ 10 bilhões em novos investimentos e geração de 50 mil empregos.
Para Karina Ruschel, professora da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) e pesquisadora em combustíveis, o Brasil reúne condições técnicas e produtivas para adotar a medida de forma segura. Ela pondera, contudo, que o impacto real no preço final ao consumidor dependerá de fatores variáveis como a safra agrícola e os custos de produção.
"O Brasil tem capacidade de produzir esse etanol em larga escala, o que poucos países conseguem. Há um grande conhecimento técnico acumulado, com testes globais que atestam a viabilidade dessas misturas. É um passo modesto, mas necessário, tanto para a matriz energética quanto para a redução de emissões", avalia.
Do ponto de vista técnico, Karina afirma que veículos flex, que predominam na frota nacional, devem suportar bem a nova mistura, desde que sejam mantidas as revisões periódicas e garantida a qualidade do combustível. Já automóveis mais antigos, sem essa tecnologia, podem apresentar agravamento de problemas recorrentes, como dificuldades de partida em dias frios e aumento no consumo.
Essa preocupação é compartilhada por quem atua diretamente na manutenção automotiva. Em Porto Alegre, o proprietário da oficina DGKar, Darciano Joner, afirma que o aumento na proporção de etanol já tem gerado efeitos visíveis, mesmo antes da entrada em vigor do E30.
"Desde que subiu para 27%, já percebemos muito mais casos de bicos injetores sujos, contaminação de óleo e problemas de partida, principalmente em dias frios, o que pesa bastante aqui no Rio Grande do Sul. Com os 30%, a tendência é agravar esses problemas", relata o mecânico, que ainda destaca possíveis perdas de desempenho em veículos flex mais novos em condições adversas como invernos rigorosos ou uso de combustível de baixa qualidade.
"Desde que subiu para 27%, já percebemos muito mais casos de bicos injetores sujos, contaminação de óleo e problemas de partida, principalmente em dias frios, o que pesa bastante aqui no Rio Grande do Sul. Com os 30%, a tendência é agravar esses problemas", relata o mecânico, que ainda destaca possíveis perdas de desempenho em veículos flex mais novos em condições adversas como invernos rigorosos ou uso de combustível de baixa qualidade.
Além da questão do etanol, o aumento da proporção de biodiesel no diesel também levanta preocupações, sobretudo no transporte pesado. Segundo ele, filtros de combustível obstruídos por resíduos se tornaram comuns em caminhões e utilitários. "O biodiesel tem propriedades que favorecem o acúmulo de goma, especialmente se o armazenamento no posto não for adequado. Isso já ocorre com o B14 e deve se intensificar com o B15", completa.
Apesar dos relatos do setor mecânico, os estudos técnicos que embasaram a decisão do CNPE, apontaram viabilidade do E30 e do B15 sem comprometer o desempenho ou a durabilidade dos veículos, desde que respeitadas as especificações. O governo sustenta que, ao elevar o uso de biocombustíveis, o país reduz a dependência de importações e avança na transição energética.
Além disso, o biodiesel é produzido a partir de fontes renováveis, como óleos vegetais e gorduras animais, alinhando-se às metas de descarbonização do transporte. Para Karina, o debate técnico, agora, precisa ser acompanhado de políticas públicas que ampliem o acesso à informação e incentivem boas práticas no setor.
"É fundamental que o consumidor entenda o papel dos biocombustíveis e saiba como manter o veículo em boas condições. Não se trata apenas de preço ou de impacto imediato, mas de uma transição energética necessária, que envolve toda a cadeia produtiva e o comportamento dos motoristas", reforça a professora.