A previsão de altas aquém do que foram as enchentes do ano passado não significa que a situação na região das Ilhas não seja alarmante. O cenário mescla as casas destruídas e abandonadas com a dos moradores que ainda sobrevivem no local. Ainda assim, são poucos os pontos alagados nas ilhas da Pintada e dos Marinheiros, e a tendência, apesar de um avanço das águas por conta do vento nas próximas horas, não indica que as casas serão inundadas.
O que paira no ar é o medo. A população convive com as cicatrizes de maio do ano passado e aqueles que já não deixaram suas casas enfrentam o dilema de dar as costas para o único lugar onde moraram ou segurar as pontas, dormindo com um olho aberto a cada temporal.
No caso da Ana*, 55 anos e moradora da Pintada a vida inteira, a decisão está tomada. No início da tarde desta sexta-feira (20), ela estava apenas no aguardo do caminhão da mudança para carregar os pertences e deixar sua casa, que está na família há três gerações e seu destino está selado: será demolida, assim como as demais que ficaram para trás.
Ana conta que perdeu tudo em maio de 2024 e, depois, sofreu os danos de outra tempestade. Em frente à sua moradia, duas geladeiras estragadas e uma espécie de food truck, que funcionava como renda extra em um comércio de xis, perdido nas tragédias anteriores. Agora, "não fica nada, tudo que temos é novo porque tivemos que comprar depois das cheias", frisa.
Já a família se divide. Ana morava com seis pessoas e, agora, irá para Sans Souci com o marido, enquanto as filhas vão para Eldorado e Guaíba, cada qual com seu namorado. Todos com as casas fornecidas pelo governo após as enchentes. No entanto, o sentimento é de tristeza. Ana repete frequentemente que “é muito bom morar aqui, todo mundo se ajuda, é uma grande família”. O relato fala mais sobre as memórias, já que a maioria dos vizinhos não está mais por perto e as casas abandonadas.
Ainda na Pintada, de cara com o Guaíba e a vista estonteante do Cais do Gasômetro, está o Mauro*, 65 anos, irredutível em deixar o único lar que já conheceu. Com o falecimento da mãe e o irmão aderindo ao programa do governo de novas moradias, ele garante que ficará na Ilha até a morte. Com a água avançando gradualmente, ele se mostra tranquilo e não espera outra cheia, mas também destaca que pouco viu o poder público atuando na região desde a maior tragédia climática da história do Estado.

Botes e caiaques são o foco de alguns moradores para garantir meio de sustento
EVANDRO OLIVEIRA/JC
Também chama a atenção o cuidado dos moradores com os botes e caiaques. Muitos são usados para pesca e significam a única forma de sustento. Por isso, com a água na cintura, alguns se certificaram que eles estavam bem amarrados.
Já a Ilha dos Marinheiros está ainda mais afetada. Mesmo sem grandes inundações, o espaço ainda sente os estragos do ano passado e está, em sua maioria, degradado pela água. Na medição das 17h15min, o Guaíba marcou 2,88m, subindo a 1,5 cm/hora. A previsão, que é volátil, marca que a cota de inundação — 3,60m — pode ser batida no domingo.
*Os moradores pediram para não serem identificados com o nome completo.