Celebrado nesta quarta-feira (18), o Dia do Orgulho Autista é um convite à valorização das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em sua singularidade e dignidade. Mas, longe das redes sociais e das ações simbólicas, o cotidiano das famílias atípicas no Brasil ainda revela um cenário marcado pela luta por diagnóstico, tratamento e acolhimento real. Na infância, especialmente, a inclusão segue sendo mais um ideal do que uma prática efetiva.
A produtora de TV Rochele Corrêa, 47 anos, é mãe de dois meninos autistas com altas habilidades. Ela também foi diagnosticada com TEA na vida adulta, após acompanhar o processo dos filhos. O mais velho, Caetano, de 9 anos, teve um desenvolvimento considerado típico até os dois anos, quando parou de falar. Veio então uma sequência de diagnósticos parciais — atraso de fala, epilepsia e TDAH — até que, após uma avaliação neuropsicológica, foi confirmado o autismo. Pouco depois, o mesmo aconteceu com o irmão, Caio, hoje com 8 anos.
"Foi um caminho difícil. Precisei renunciar à maternidade que eu pensava para viver uma maternidade intensa, com rotina de terapias e buscas. E no meio disso tudo, entendi que eu também era autista", conta Rochele. O diagnóstico, para ela, foi libertador e doloroso ao mesmo tempo. "Foi reencontrar a criança que eu fui e perceber que muito sofrimento poderia ter sido evitado se eu tivesse tido o acompanhamento adequado", recorda.
Com os filhos, ela vê um cenário diferente, ainda que desafiador. A atual escola acolheu as crianças, mantém diálogo constante com os terapeutas e promove a inclusão nas atividades. Mas Rochele reconhece que essa realidade não é regra. "Falta muito acesso, muito preparo. Precisamos de formação para lidar com o diferente em todos os espaços. Não basta dizer que se faz inclusão. É preciso cumprir a lei com dignidade", afirma.
A enfermeira Patrícia Azevedo, 51, mãe de Lucas, de 6 anos, compartilha essa visão. Moradora da Região Metropolitana de Porto Alegre, ela teve o diagnóstico do filho, aos 3 anos de idade. "Foi uma mistura de alívio e dor. Eu já suspeitava, mas até conseguir o laudo pelo SUS foi uma batalha. E o que veio depois foi ainda mais difícil", relata. Lucas foi recusado por duas escolas particulares. Na rede pública, conseguiu vaga, mas passou um semestre inteiro sem o apoio prometido. "Ele voltava pra casa agitado e confuso. Já pensei em desistir".
No sistema de saúde, Patrícia enfrenta filas, falta de vagas e custos altos para manter o mínimo necessário. "Pago quando consigo. Ninguém prepara a gente pra isso. O diagnóstico não vem com manual de sobrevivência." Ela também sente na pele o preconceito: "tem gente que acha que é birra. Que culpa a criança. Já ouvi mãe reclamar que o filho não aprendia por causa do meu. Isso dói".
Para a especialista Tatiana Giorgi, analista do comportamento e pesquisadora na área de desenvolvimento infantil, há um aumento nos diagnósticos precoces nos últimos anos, o que reflete maior acesso à informação, mesmo que ainda haja um longo caminho até a inclusão plena. "O diagnóstico precoce é essencial, mas só é efetivo se vier acompanhado de terapias consistentes e da construção de habilidades sociais. Ainda temos escolas despreparadas, profissionais desinformados e muitas famílias sem atendimento pelo SUS", lamenta.
Segundo Tatiana, um dos maiores obstáculos hoje é o estigma. "Muitos ainda veem comportamentos autistas como desobediência ou teimosia. Isso precisa mudar. As pessoas têm que entender que estamos falando de formas diferentes de perceber o mundo — e não de algo errado que precisa ser consertado", finaliza.
Para Patrícia, como mãe, o Dia do Orgulho Autista se torna mais do que uma data simbólica. "É lembrar todos os dias que meus filhos têm direito de ser quem são. E que isso exige uma sociedade que pare de tentar encaixá-los à força e comece a acolher de verdade".